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Dominó Árabe – Major do Exército brasileiro vivenciou conflito na Síria por três meses

Rodrigo Lopes


Natural de Porto Alegre, o major do Exército Leandro Santos da Costa viu o que pouquíssimos ocidentais conseguiram testemunhar: durante três meses, ele vivenciou por dentro o conflito na Síria e seu cotidiano de carros-bombas, emboscadas e sequestros.

Palco do mais sangrento conflito da atualidade, a Síria é, mesmo depois de 17 meses de guerra, uma incógnita para o resto do mundo. Ao blindar suas fronteiras, impedindo o acesso de jornalistas internacionais, o regime de Bashar al-Assad transformou o território em área livre para matar. Com o uso de caças e artilharia, sufocou a revolta contra o seu governo nas cidades de Homs e Hama. E, como em qualquer guerra não há mocinhos, de combatentes da liberdade os opositores tornaram-se protagonistas de barbáries e violações aos direitos humanos. Até agora, 23 mil pessoas morreram, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

Os poucos relatos que se esvaem pelas frestas da ditadura, graças à internet, revelam um cotidiano de medo, explosões, chacinas, vítimas em hospitais. Esta é uma parte da história. Há uma outra face. Até na guerra existe rotina — as pessoas continuam, mesmo durante bombardeios, acordando, escovando os dentes, indo à escola. É o dia a dia de cidadãos comuns engolfados pela violência. Há ainda o trabalho de formiguinha de quem tentou, até o último minuto, buscar um diálogo que até agora fracassou.

Pelas raras informações no Ocidente sobre o que acontece na Síria é que o relato a seguir, do major Leandro Santos da Costa, 42 anos, torna-se exclusivo. O militar viveu, durante três meses, o conflito sírio por dentro. Viu o que quase ninguém fora do país conseguiu presenciar.

Natural de Porto Alegre, lotado na 6ª Divisão de Exército, Leandro é um dos poucos brasileiros a integrar o grupo de observadores das Nações Unidas, que tinha a missão de zelar pelo cumprimento do plano de paz traçado pelo ex-secretário-geral Kofi Annan. Com 22 anos de Exército, embarcou para a Síria em 9 de maio, dia do nascimento dos gêmeos Fillipe e Eduarda.

— Era a oportunidade de uma vida. Quando o gabinete do comandante do Exército me consultou se eu era voluntário, pedi 15 minutos para conversar com minha mulher. A Adriana entendeu e aceitou. Retornei a ligação e disse: "Tô pronto" — conta o major, que deixou em Porto Alegre, além da mulher e dos bebês, o filho mais velho, Matheus, de nove anos.

Salvos graças aos veículos blindados

Diferentemente das tropas de manutenção da paz — como as que o Brasil conserva no Haiti —, os observadores, como Leandro, não usam armas. São uma espécie de juiz, devem ser neutros, verificar, com isenção, ataques dos dois lados e relatá-los ao comando. O fato de estar desarmado em um país como a Síria é um risco a mais. Certo dia, seu comboio foi surpreendido por uma emboscada no caminho de Al-Jaffa, possivelmente executada por apoiadores do regime. Os observadores só se salvaram graças à blindagem dos carros. Em outra tarde, o grupo foi sequestrado por opositores que queriam obrigar os militares a ver os feridos de um bombardeio em um hospital.

As tropas do governo deveriam garantir a segurança do grupo, mas não controlavam sequer todo o seu território. Ao mesmo tempo, a presença deles ao lado dos capacetes-azuis tirava a qualidade que a ONU mais preza: a independência.

A complexidade do conflito e as sucessivas violações pelos dois lados contribuíram para, no dia 2 de agosto, Kofi Annan, impotente, demitir-se do cargo de enviado da ONU. Sua saída deu origem a uma nova onda de questionamentos sobre o papel das Nações Unidas na resolução de conflitos. Apesar do fracasso da comunidade internacional em conter o banho de sangue, Leandro diz não estar frustrado:
— A minha missão foi muito clara: monitorar o plano de Annan. E eu monitorei. Nenhum dos dois lados estava respeitando-o.

O desembarque em Damasco

"Cheguei lá no dia 10, todos os observadores foram para Damasco e, de lá, seguimos para os respectivos team sites (times locais). Não tínhamos funções específicas: um dia tu poderias ser motorista, no outro, fotógrafo, chefe de patrulha, dependendo da escala. Saíamos sempre em, no mínimo, duas viaturas. No início, a situação estava mais complicada em Homs e Hama. Também houve duas semanas em que Damasco ficou complicada. Quando acontecia um atentado a bomba, alguns tiroteios, havia uma denúncia, e a gente ia investigar. Chegava ao local, colhia dados com a população, às vezes, precisávamos de um especialista em explosivos. Em todas as missões, contávamos com um intérprete — um militar de Egito, Marrocos, Mauritânia — para facilitar o contato com a população. Éramos sempre escoltados pelo governo."

A rotina na capital

"Por ser capital, a presença do governo é muito forte em Damasco. Senti que a população apoia muito o regime. É diferente de outras localidades, como Aleppo (segunda maior cidade). No início, quem estava em Damasco não sentia que o país estava em guerra. A cidade tem shoppings, tudo funciona normalmente. Mas, depois de um tempo, começaram os conflitos bem próximos ao nosso hotel. Escutávamos diariamente o som de explosivos e de tiroteios. A vida do comércio continuou normal. Acho que a população assimilou aquela situação."

O primeiro contato com a violência

"Foi em Al-Jaffa. Havia uma denúncia de bombardeio por parte do governo na cidade. Estávamos tentando chegar lá para verificar. Em uma estrada, a população cortou a frente do nosso comboio, com crianças e mulheres. A retaguarda foi fechada com um caminhão de gás. Quando houve o bloqueio, eu logo senti que teríamos problemas. O líder da patrulha falou: "Volta, volta!" Naquele meio, eram tiros, paus, pedaços de ferro, pedras. Entre a população, não havia como distinguir se eram militares ou não. Só pensávamos em tentar sair dali. Vários carros foram atingidos por balas. Todas as viaturas são blindadas. Eu era o motorista de uma delas, a terceira no comboio. Consegui ir para fora da estrada, todas as viaturas conseguiram romper o cerco. Um dos nossos homens ficou ferido. Cada viatura foi para uma direção diferente. Abortamos aquela missão, acho que não havia interesse em que a ONU chegasse naquele momento a Al-Jaffa. Quem fez esse bloqueio, a oposição ou o governo? Provavelmente o governo… Nós estávamos sendo escoltados pelo governo. E eles não foram atacados."

Independência e liberdade de atuação

"O governo tinha de nos dar segurança. Entendo que segurança é 24 horas. Mas, em algumas localidades, eles não entravam. Então íamos sem segurança. Até Hama, o governo entra. Entre Hama e Aleppo, perto de Idlib, existe uma faixa de uns 20 quilômetros que a oposição havia tomado. Havia pontos de checagem do governo e, depois, da oposição. Homs está nas mãos do governo. Quando a gente colhia o depoimento da população, as pessoas viam que éramos escoltados pelo governo. Isso intimidava. Não é o ideal. Nossa patrulha era acompanhada de duas viaturas civis, com homens do governo à paisana, armados. Isso intimida a população."

O sequestro

"O nosso chefe do estado-maior queria chegar a Aleppo, onde a situação estava bastante complicada. Queríamos ir até lá para verificar. Tentamos ir pelo litoral, por Tartus, mas não conseguimos. Em um dos últimos postos de checagem do governo, os militares disseram que não garantiriam nossa segurança a partir dali, uma área montanhosa. Decidimos seguir sem escolta do governo. Logo, identificamos cabos de aço na estrada para bloquear o acesso de viaturas. Retornamos para Homs, quase 300 quilômetros. De lá, tentamos seguir por outro caminho. De repente, opositores pararam nossas viaturas: estavam com fuzis AK-47 apontados para nós. Eles nos levaram até uma espécie de posto de comando da oposição, deram-nos água e nos conduziram até um hospital. Queriam que víssemos os feridos. Passamos a noite em uma barraca. Não houve ameaça. Mas obrigaram a gente a dormir ali, com tapetes árabes no chão. Não consegui pegar no sono. Foi das 6h da tarde até as 10h da manhã do dia seguinte. Ninguém dormiu. A gente não sabia qual seria a reação deles. Em nenhum momento, garantiram que seríamos liberados. Achei que ia morrer."

Violações aos direitos humanos

"Visitamos muitos hospitais, onde há muitas crianças. É uma guerra interna, tem população civil atingida, mulheres e crianças feridas. Normalmente, o ataque pesado é feito pelo governo. Mas também ocorrem alguns atentados a bomba realizados pela oposição."

Susto na saída

"Nós estávamos nos preparando para vir embora. Estávamos eu e outros brasileiros juntos (um coronel da Força Aérea e um capitão-de-corveta da Marinha) no hall do hotel Dedeman, em Damasco. O comboio sairia às 8h. Estávamos tranquilos, aguardando a saída, quando, de repente, veio a explosão. Foi bem na frente do hotel, do outro lado da rua: um carro-bomba. Cada um de nós correu para um lado. Vidros foram estilhaçados. Algumas pessoas foram atingidas. Fomos para o subsolo do prédio, uma área mais segura. Foi de lá que o comboio acabou saindo rumo à fronteira com o Líbano. Ao passarmos a fronteira, a sensação foi de alívio."

Frustração?

"Não, porque a minha missão foi muito clara: monitorar o plano de Kofi Annan, os seis pontos. A minha missão era essa. E eu monitorei. Não sei se a ONU saiu frustrada ao não obter a paz. A minha missão era verificar que o plano não foi implementado. Nenhum dos dois lados estava respeitando-o. Os lados envolvidos têm de cooperar, já que nós estávamos desarmados. O que está acontecendo lá é um reflexo da Primavera Árabe. Acho que, mais cedo ou mais tarde, vai haver uma mudança de governo."

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