Publicado originalmente no Financial Times
Samantha Pearson
Foi durante as comemorações do 80º aniversário de um ex-presidente (Fernando Henrique Cardoso), no final de junho deste ano, que tudo começou a dar errado para Nelson Jobim, que à época era o ministro da Defesa do Brasil.
Ele teria afirmado que estava cercado de “idiotas” – um comentário que mais tarde ele disse que fora dirigido aos jornalistas.
Após uma série de outras gafes, incluindo a confissão de que votou no adversário da presidente Dilma Rousseff na eleição do ano passado, ele foi obrigado a renunciar ao cargo em agosto.
Para a BOEING, dos Estados Unidos; a Saab, da Suécia; e a DASSAULT, da França, a saída de Jobim foi mais um dentre uma série de contratempos envolvendo um negócio de US$ 5 bilhões para a construção de aviões de caça para a Força Aérea Brasileira.
As três companhias foram selecionadas em setembro de 2008 como finalistas para ganhar o contrato, mas após problemas políticos e preocupações relativas ao orçamento, elas terão agora que aguardar até o ano que vem por uma decisão.
Em um momento no qual os negócios dessas companhias despencaram em todos os mercados dos países desenvolvidos, vale a pena para elas lutar pela chance de ajudar o Brasil a renovar a sua velha frota de aviões de caça.
Embora o contrato em si provavelmente venha a ter um valor de cerca de US$ 5 bilhões, o Brasil poderia aumentar o tamanho da encomenda para mais de 100 aeronaves nos próximos 15 anos. E os contratos de manutenção com a duração de décadas deverão ser particularmente lucrativos.
No entanto, conforme demonstra o exemplo dos últimos três anos, fazer negócios em mercados emergentes, e até mesmo em se tratando de países relativamente estáveis politicamente como o Brasil, é muitas vezes um problema.
Até o início do ano passado, a Dassault, da França, parecia ser a nítida vencedora, com o seu modelo Rafale de 15,3 metros de comprimento. Luiz Inácio Lula da Silva tinha vínculos fortes com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e, após assinar um multibilionário acordo para a área de defesa com a França, em dezembro de 2008, Lula declarou que a Dassault era a sua preferida.
Ao se considerar que Jobim era o ministro da Defesa de Lula e que ele continuou no cargo quando Rousseff assumiu o poder em janeiro deste ano, aceitar a Dassault parecia ser uma mera formalidade para a nova presidente.
O Rafale já vem sendo utilizado pela força aérea francesa desde 2006 em uma série de missões de combate no Afeganistão, mas o negócio com o Brasil representaria a primeira venda do avião a um país estrangeiro.
No entanto, Rousseff deixou claro, ao assumir a presidência, que todos os concorrentes têm chances. Desde então ela procurou firmar laços mais fortes com os Estados Unidos e, após a visita do presidente Barack Obama, em março deste ano, a Boeing passou a ser a nova favorita com o seu F-18 Super Hornet.
O Super Hornet, que é equipado com turbinas da General Electric, voou pela primeira vez nos Estados Unidos em 2007, e seria mais barato do que o Rafale da Dassault.
Analistas dizem que a saída de Jobim algumas semanas atrás pode ter feito com que a Boeing passasse a ter mais chances de vencer o contrato, já que o fato distancia mais o governo das promessas feitas à Dassault por Lula.
“Nós acreditamos que essa seja uma competição justa e que, se formos julgados pelos nossos méritos, venceremos”, diz Joe McAndrew, vice-presidente de desenvolvimento de negócios internacionais da Boeing Defense, Space & Security para a Europa, Israel e a América.
Celso Amorim, o novo ministro da Defesa brasileiro, ainda não deu nenhuma declaração pública sobre o contrato, mas todas as três companhias foram solicitadas recentemente a apresentar as suas ofertas novamente ao Senado e a confirmar se os seus preços ainda são válidos.
Para aumentar a confusão, o governo brasileiro declarou em julho que teria que adiar a decisão final até o início de 2012 a fim de se concentrar na “agenda doméstica”.
Preocupações com o impacto da crise financeira global e da inflação crescente, que atualmente está em 7,1% ao ano, acima da meta estabelecida pelo governo, fizeram com que o governo brasileiro fosse pressionado a reduzir os gastos.
Entretanto, a dificuldade para a DASSAULT, a BOEING e a SAAB reside no fato de que, quanto mais o contrato foi postergado, mais modificações sofreram as prioridades do governo, explica Nelson During, especialista em questões militares e diretor de uma revista especializada chamada “Defesanet”.
“A questão atualmente não diz mais respeito a identificar qual avião é o melhor sob o ponto de vista técnico”, explica During. “O contrato está mudando e o foco agora é muito mais determinar qual das fabricantes pode oferecer mais benefícios à indústria brasileira”.
Desde que os finalistas foram selecionados em setembro de 2008, a moeda brasileira teve uma valorização de mais de 40% em relação ao dólar, reduzindo a competitividade dos exportadores e prejudicando setores da indústria nacional.
“O setor de defesa oferece uma alternativa real para que o país evite um cenário de 'desindustrialização'”, explica Orlando José Ferreira Neto, vice-presidente da Embraer, a companhia fabricante de aviões, e diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança.
Por este motivo, os concorrentes passaram a chamar atenção para os aspectos de “transferência de tecnologia” contidos nas suas propostas.
Em agosto, a Boeing afirmou que forneceria transferência integral de tecnologia caso vencesse o contrato, permitindo que o Brasil produzisse integralmente o Super Hornet.
A SAAB fez promessas similares caso o Brasil concorde em comprar o seu caça Gripen. A companhia sueca pretende produzir até 80% da estrutura do avião no Brasil e também transferir os direitos à propriedade intelectual a companhias locais.
“O Brasil possui um interesse enorme em inovação tecnológica e nós vemos o Brasil como um parceiro de longo prazo”, afirma Bengt Janér, diretor da SAAB no Brasil.
No entanto, o tamanho pequeno do mercado exportador da Suécia comparado ao dos Estados Unidos acaba sendo um fator que favorece a Boeing, especialmente porque todas as três companhias estão apresentando aeronaves e propostas relativamente similares.
Conforme demonstra a experiência da Dassault, ser a favorita não significa necessariamente que uma empresa emergirá como a vencedora.