Tenente Anderson Valim
“A pessoa comum está mais do que contente, tem até orgulho, em permanecer no interior dos limites indicados, e a crença popular lhe dá todas as razões para temer tanto o primeiro passo na direção do inexplorado”
Joseph Campbell
Storytelling é um termo em inglês que vem voltando a ganhar força na produção de conteúdo para as redes sociais, pois traz conceitos que proporcionam a construção de publicações emocionalmente marcantes.
O interesse por esses conceitos mostra que o processo de ideação de boas narrativas está ligado à qualidade da construção da jornada dos personagens apresentados, e a sua aplicação humaniza as publicações e tornam essas histórias mais atrativas. Mas esses não são conceitos novos.
A novidade, talvez, esteja na assimilação dessas ideias pelos setores de comunicação social das empresas e instituições que perceberam que o empenho em contar a jornada de personagens, geralmente encontrado no cinema, na literatura e nos quadrinhos, pode reter muito mais a atenção do público. Mas o que faria o público se identificar com essas histórias?
Um dos pontos de partida para o estudo sobre a construção de narrativas é o livro The Hero with a Thousand Faces (“O Herói de Mil Faces”), escrito em 1949 pelo antropólogo Joseph Campbell. Na obra, o autor encontra semelhanças entre as jornadas dos protagonistas das grandes histórias da humanidade e identifica um padrão narrativo: a “Jornada do Herói”.
Esse estudo sugere que o herói precisa receber o “chamado da aventura” para iniciar a sua história e, como consequência desse chamado, o seu percurso precisa apresentar arquétipos que contenham símbolos como, por exemplo, perigo, restabelecimento das certezas, provas e passagem.
Uma das figuras arquetípicas que surge espontaneamente em algumas histórias é o “arauto”, que geralmente é um personagem misterioso – como uma pessoa desconhecida – que anuncia a aventura. Todos esses arquétipos mostram o assombro e as dificuldades que acompanham a nova vida que se apresenta.
Após o chamado, o personagem pode passar por vários estágios como “a recusa do chamado”, “a passagem pelo limiar” e “o caminho de provas”. Cada etapa expõe fraquezas e conflitos que humanizam o personagem e convida todos que leem essas histórias a se identificar com os heróis.
O personagem que inicia uma aventura sem demonstrar nenhuma fraqueza, ou sem passar por nenhum conflito, não tem uma história interessante para ser contada; portanto, a jornada é tão importante quanto o final da história.
Muitas histórias atuais já possuem elementos suficientes para emocionar e para serem difundidas, mas, para tanto, elas precisam ser contadas. Nas organizações militares, por exemplo, encontramos diversas trajetórias que possuem algumas das estruturas narrativas da “Jornada do Herói”, como a da 3º Sargento Raquel Silva Rosa que, em 2020, repercutiu nacionalmente após se emocionar quando ficou em posição de destaque durante a sua formatura.
A jornada da 3º Sargento Rosa já conta, além da primeira colocação entre os 401 alunos e alunas da Escola de Sargentos de Logística (EsSLog), com o incentivo da sua mãe e com o ingresso às fileiras do Exército Brasileiro aos 17 anos.
Quantos jovens foram incentivados por seus pais para entrar nas Forças Armadas? Quantos prestam os concursos militares para dar uma condição de vida melhor para a sua família? Quantos só queriam realizar o sonho de se tornar paraquedistas? Quantos estudaram durante anos para passar em uma prova e se tornar sargentos ou oficiais de carreira? Quantas mulheres foram as pioneiras de suas armas, de um determinado curso ou de um estágio? Quantas mulheres foram pioneiras na Linha de Ensino Militar Bélico? Muitas vezes sabemos o final da história, mas como foram as jornadas?
Se usarmos como exemplo apenas a jornada das mulheres pioneiras, perceberemos que essas histórias acontecem rotineiramente nos quartéis.
Desde Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que se voluntariou para atuar na Guerra da Independência, em 1823, passando pelas enfermeiras que estiveram nos campos de batalha durante a 2ª Guerra Mundial, um olhar mais atento pode perceber que a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) formou, em 2021, as primeiras cadetes; que a Escola de Sargentos de Logística (EsSLog) formou, em 2018, as primeiras sargentos da Linha de Ensino Militar Bélico; e que na área de estágios do Centro de Instrução Pára-Quedista General Penha Brasil (CI Pqdt GPB), no Rio de Janeiro, a primeira mulher da equipe da Formação Básica Paraquedista é a 3º Sargento Cristina Lopes.
Outras trajetórias recentes como as das Cadetes Ana Luiza Santana, Renata Alves de Lima Capri, Fabiana Muzzi Leite e Valquíria Letícia Gomes de Mesquita, primeiras paraquedistas militares do Quadro de Material Bélico da AMAN, em 2021; as das Cadetes Giovana Abraão Santos, Cíntia Silva Vidigal, Kimberly Galdino Afonso Ferreira e Isabella Silva de Oliveira, primeiras paraquedistas militares do Serviço de Intendência da AMAN, em 2021; a da Cadete Vitória Bezerra, primeira do Quadro de Material Bélico da AMAN a concluir o Estágio de Caçador, em 2021; a da Cadete Renata Lima Campos, primeira do Serviço de Intendência da AMAN brevetada como Guia de Cordada, em 2021; a da 3º Sargento Gabriela Melo da Silva, primeira especialista em Dobragem, Manutenção de Pára-quedas e Suprimento pelo Ar (DoMPSA), em 2021; a da 3º Sargento Jussara Lara Teixeira, primeira da Linha de Ensino Militar Bélico brevetada como Guia de Cordada, em 2020; as das Sargentos Esther Varjão e Juliana Rodrigues de Souza, primeiras a concluir o Estágio de Salto Livre, em 2009; a da Sargento Carolina de Sá Martins, primeira brevetada como Mestre de Salto, em 2009; e as das Tenentes Paula Raquel da Silva Bittencourt e Ivi Costa Rocha dos Santos, primeiras paraquedistas militares do Exército Brasileiro, em 2006, também podem ser contadas.
Quais foram as pessoas que as influenciaram? Quanto tempo de dedicação aos estudos para a realização do sonho de ser militar? Quais foram as dificuldades durante os cursos e estágios? Chegaram a pensar em desistir? Quais limites foram superados? Como foi a primeira semana dos cursos? Os desafios e as pessoas que surgem nas narrativas apresentam a transformação dos personagens durante o percurso e nessas histórias também pode ser encontrado um padrão que se inicia, segundo Joseph Campbell, com um afastamento do mundo e termina com um “retorno que enriquece a vida”.
Independentemente do suporte ou do formato escolhido para apresentar a jornada dos pioneiros ou das mulheres pioneiras (como matéria jornalística, documentário, entrevista ou post), as Seções de Comunicação Social das organizações militares não devem difundir essas histórias, presentes no nosso cotidiano e que ainda podem ser amplificadas, pois, muitas pioneiras ainda serão as precursoras de outras formações, apenas como ferramentas para atrair a atenção de quem tem acesso a esse conteúdo ou para cumprir um dos critérios de noticiabilidade do jornalismo.
Essas histórias devem ser difundidas como ferramentas de comunicação social que cumprem uma importante missão: inspirar as pessoas.
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Sobre o autor:
Tenente Anderson Valim – Profissional multimídia com mais de 19 anos de experiência na área de comunicação social; pós-graduado em Jornalismo Cultural pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); graduado em Comunicação Social com habilitação em Multimídia pela Faculdade CCAA e técnico em Publicidade pela Escola Técnica de Comunicação (ETEC).
Possui cursos de extensão de fotografia, edição de vídeos e marketing digital. Trabalhou no setor de propaganda da Casas Bahia, como diagramador e designer gráfico, desenvolvendo materiais para as lojas do RJ, MG e ES, e na JLG Publicidade desenvolvendo anúncios para jornais, conteúdo para redes sociais e roteiros para comerciais de TV.
Atualmente é Adjunto da Seção de Comunicação Social do Comando Militar do Leste e elabora conteúdos para diversos canais de comunicação como YouTube, mídias sociais, sites e revistas.