Ten Cel Luciano Hickert (ECEME)
Os meios de controle de saúde da população brasileira têm evoluído muito nos últimos anos. A implementação de um sistema interligado para o monitoramento de doenças endêmicas oferece grande oportunidade de melhoria do mapeamento das doenças. O emprego da base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) para monitorar o aparecimento de casos e o crescimento de moléstias como dengue, leishmaniose e COVID-19 segue uma tendência mundial e se amplia ano após ano. Os avanços ocasionados pela pandemia, como o monitoramento da temperatura corporal para a entrada em espaços públicos, empregando leitura facial e novas tecnologias, já são uma realidade em todas as capitais brasileiras.
Contudo, este amplo sistema de monitoramento biológico brasileiro não possui uma vertente dedicada à defesa contra possíveis ataques biológicos, que podem ter o Brasil como alvo ou mesmo atingir o País como efeito colateral. Neste sentido, o Brasil desenvolve, por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), criado pelo Decreto 100, de 16 de abril de 1991, o controle dos dados de saúde de sua população.
Dentre as competências, destacam-se o provimento para os órgãos do SUS de sistemas de informação e de suporte de informática. Em quase 30 anos de atuação, o DATASUS já desenvolveu mais de 200 sistemas que auxiliam diretamente o Ministério da Saúde no processo de fortalecimento do SUS. Atualmente, o departamento é um grande provedor de soluções de software para as secretarias de saúde, sempre incorporando novas tecnologias. Além disso, realiza conexões com todos os núcleos estaduais do Ministério da Saúde, a Funasa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a Casa do Índio e com as 27 secretarias estaduais de saúde.
Contudo, esse sistema ainda não possui uma maior integração com a Defesa, o que pode resultar em um problema em face de possíveis ameaças. Somadas aos desafios provocados por diferentes doenças, as ameaças terroristas, em nível global, possuem uma das suas vertentes associadas às ameaças Químicas, Biológicas, Radiológicas e Nucleares (QBRN). Muitas tecnologias podem representar verdadeiras ameaças ao modo de vida moderno, muito interligado e interdependente.
A atual pandemia de coronavírus evidenciou as dificuldades para o controle da disseminação dos agentes biológicos, especialmente nas nações democráticas em que os Estados possuem diversas restrições para inibir a circulação e os direitos individuais. O bioterrorismo pode ser definido como um conjunto de ameaças e ataques deliberados utilizando armas biológicas, visando criar pânico, insegurança, medo e traumas coletivos, gerando apreensões na sociedade e potencializando comportamentos considerados patológicos. O maior impacto recai sobre os sistemas de saúde públicos, sobretudo os mais precários.
Dessa forma, assim como a ameaça biológica, a dimensão informacional tem-se destacado, podendo aumentar os efeitos dos ataques nas sociedades. As narrativas dependem de uma série de atores, civis e militares, que desempenham variada gama de ações em ambientes complexos e ambíguos. A tecnologia tem sido impulsionada pela necessidade de se desbravar as novas oportunidades criadas, sobretudo no controle dos dados.
O controle da informação, ao mesmo tempo, pode ser o instrumento mais adequado para a contenção de crises biológicas, principalmente para grandes populações não imunizadas. As melhorias implementadas no biomonitoramento devem ser utilizadas de forma dual, tanto pela saúde quanto pela Defesa.
A existência cada vez maior de integração civil e militar das tecnologias tenderá a aumentar exponencialmente. Da análise da doutrina russa, por exemplo, percebe-se que ela priorizaria novos recursos como robótica de combate e inteligência artificial. Segundo Gerasimov, ameaças militares e não militares integradas irão exigir uma defesa integrada. Diante do ambiente complexo, aliado à disponibilidade de informações captadas por diversos sensores biológicos, surge o desafio de processamento dos dados e tomada de decisão.
Com a capacidade humana muito limitada em relação ao volume de conhecimento disponível, é crescente a necessidade de mecanismos de filtragem artificiais. Nesse sentido, os planos de modernização nas principais potências incluem o emprego da inteligência artificial, com direcionamento e sinalização de pessoas.
Essas tecnologias possibilitarão maior coordenação de esforços e causarão, como reflexo imediato, o achatamento dos níveis decisórios. Ao mesmo tempo, a manipulação das notícias, com a criação deliberada de narrativas, tem-se mostrado fundamental para aumentar os efeitos desejados nos ataques ou para criar as reações esperadas diante das ameaças.
Essa parceria entre inteligência artificial (IA) para a obtenção e utilização de metadados e o controle da narrativa é fundamental para a condução de resposta adequada aos perigos dos agentes biológicos. Dentro desse diapasão, os dados biológicos dos combatentes poderão ser aferidos, proporcionando um grande volume de subsídios voltados para o ambiente interno e externo do soldado.
Nesse contexto, o sistema de vigilância inspirado na Operação Warp Speed, desenvolvida nos EUA nos últimos anos para monitorar a saúde de grandes populações, poderá apresentar diagnósticos preditivos de armas biológicas utilizando IA. Há um grande impulso para criar um algoritmo de inteligência artificial a fim de habilitar muitas das funcionalidades que se desejam introduzir em cidades inteligentes. É por isso que ouvimos, nos últimos dois anos, que os dados são o novo petróleo. Isso se retroalimenta nesta corrida para desenvolver o melhor algoritmo de IA.
Assim, os Estados estão diante de novos desafios, vinculados às possibilidades de monitoramento e controle, incluindo o biomonitoramento. Os cidadãos poderão ter alguns direitos básicos ameaçados, como restrição à privacidade de ir e vir. Diante de mecanismos de sensoriamento e manipulação, que tendem a evoluir em escala exponencial, os mecanismos tradicionais democráticos encontram-se em crise, necessitando uma remodelação adequada às novas tendências.
Novos limites serão necessários, seja por necessidade de proteção contra ameaças, seja por necessidade de manter os dados em sigilo. Dentro desse contexto, a fim de manter as capacidades de dissuasão, será necessário iniciar o desenvolvimento, no Brasil, de IA para o monitoramento dos dados biológicos, voltado tanto para o suporte de dados civis quanto militares.
A integração e a ampliação do DATASUS, com tecnologias duais para a detecção de ameaças biológicas, parecem ser uma imposição para a segurança da saúde e da economia do País. As futuras decisões poderão ser tomadas com grande influência da IA devido ao volume de informações. O biomonitoramento razoável da população e a manutenção dos níveis adequados de privacidade parecem desafios formidáveis para os gestores. Em face do fluxo de dados, as decisões quanto à limitação às liberdades de circulação e ao tratamento de doenças testarão as capacidades humanas e os valores democráticos.