Argentinos falam em caças Kfir de ação limitada
Roberto Lopes
Jornalista especializado em assuntos militares.
Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa
no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade
de Defesa Nacional dos Estados Unidos,
em Washington (Fort Leslie F. McNair).
É autor do livro “O Código das Profundezas –
Coragem, Patriotismo e Fracasso a bordo dos Submarinos
Argentinos nas Malvinas” (Ed. Civilização Brasileira), de 2012.
Em uma tentativa de minimizar a importância da aquisição de caças israelenses Kfir que pretende fazer – e, dessa forma, reduzir as resistências de Londres à operação comercial –, a Força Aérea Argentina (FAA) deixou vazar um punhado de informações que apontam para uma versão da aeronave de baixo custo, limitada ao emprego em missões de interceptação e defesa aérea, sem capacidade de lançar mísseis aptos a alcançar targets “além do horizonte”, ou de ser empregada no ataque a alvos no mar.
Um curto texto do respeitado analista argentino de assuntos de Defesa, Marcelo Cimino – titular do site noticioso Interdefensamilitar.com.ar –, informou na noite da terça-feira, 4 de fevereiro, que a compra que está sob exame em Buenos Aires será feita “de governo a governo”, envolvendo a importação de 14 jatos – e não 18 como havia sido inicialmente ventilado –, 12 monopostos e dois de treinamento, para instrutor e instruendo.
A nota, de parcas 21 linhas (intitulada “Refinando sobre a negociação pelos Kfir”), confirma que parte dos aviões – “componentes menores da estrutura”, segundo o autor – será fornecida pela Fabrica Argentina de Aviones Brigadier San Martín FAdeA), da Província de Córdoba. Ano passado o mesmo articulista publicou amplas reportagens sobre as mudanças nos quadros diretivos dessa indústria, e notícias alvissareiras sobre uma terceira versão do jato de ataque leve ao solo Pampa (um desenvolvimento do ultrapassado Alpha Jet franco-alemão).
O texto admite que o modelo de radar a ser embarcado nos Kfirs argentinos não pôde ser revelado, e que cada aeronave será entregue à Força Aérea Argentina acompanhada de dois mísseis, de tipo igualmente não identificado.
O mais curioso é o dado sobre o valor da transação: 220 milhões de dólares, o que permite a especulação de que, cada aeronave, sairá, em média por 15,7 milhões de dólares.
Esse valor está muito abaixo dos 22 ou 25 milhões que a Lahav, de Israel, havia previsto como preço mínimo para os Kfirs da versão Block 60, dotados de radar avançado Elta/M 2052 com antena de varredura eletrônica AESA – aptos para ataque ar-mar –, sonda de reabastecimento em vôo (indispensável nas missões de longo alcance), sistemas Elisra despistadores de mísseis inimigos e sensores de capacidade de abertura sintética e abertura sintética inversa – ou, em outras palavras, aptidão tanto de “enxergar” diretamente para baixo quanto diretamente para cima.
As informações proporcionadas ao analista argentino deixam, contudo, margem para muitas dúvidas.
Qual será, exatamente, o modelo do caça israelense que está sendo negociado entre Buenos Aires e Tel-Aviv?
O governo israelense se dispõe a transferir as aeronaves para a FAA com os motores General Electric J-79, de origem americana? O Departamento de Estado americano autorizou essa operação?
No dia 25 de janeiro, depois que o site defesanet.com informou o temor do governo britânico de que os Kfir fossem utilizados para monitorar (e eventualmente atacar) as embarcações designadas para extrair petróleo ao norte das Ilhas Malvinas, o ministro da Defesa argentino Agustín Rossi descartou essa hipótese, enfatizando que o assunto Kfir tinha como principal meta recapacitar tecnologicamente a Fábrica San Martín.
Em seus textos de 2013 sobre os planos da companhia, Cimino não menciona o pobre desempenho dela ano passado, quando houve descumprimento do cronograma de entregas dos jatos IA-63 Pampa II.
O analista também não se referiu aos débitos da San Martín com fornecedores estrangeiros. Os números conhecidos falam de mais de 60 milhões de dólares, inclusive 27 milhões a duas fábricas israelenses: a IAI, controladora da Lahav, e a Elta, fornecedora de radares – ambas metidas até o pescoço no projeto de fornecer aviões Kfir aos argentinos.
A matéria de Marcelo Cimino informa que parte do pagamento da conta das 14 novas aeronaves deverá ser feito com commodities argentinas (trigo, provavelmente), e que todo esse assunto depende da obtenção de uma fórmula de financiamento que não agrave a situação do Tesouro argentino – cujas reservas no exterior estão, hoje, no patamar de 32 bilhões de dólares (o equivalente a, aproximadamente, 8,5% das reservas brasileiras no exterior).
Um dos pontos que mais chama a atenção no informe de Cimino é a omissão quanto a um dado que circulou de forma extra-oficial no último trimestre de 2013, sobre aeronaves que seriam fornecidas diretamente pela Lahav, prontas, e aeronaves que seriam montadas em território argentino.
A primeira versão dizia que, dos 18 caças, seis seriam entregues em curto espaço de tempo (2015), completos, pelo fabricante de Israel, e os 12 restantes fabricados em co-produção.
Esse aspecto da operação é importante porque a atual situação técnica e financeira da fábrica de Córdoba não inspira confiança. Exemplo: ano passado surgiu a informação de que um bloqueio político urdido em Londres impedia a empresa britânica Martin Baker de vender assentos ejetáveis para a Força Aérea Argentina, forçando a San Martín a cotar o modelo K-36 da empresa russa NPP Zvezda – que produz assentos de emergência para a aviação militar russa desde a década de 1950.
A filial italiana da Martin Baker – que pertence ao Grupo Finmeccanica – gritou, argumentando que não havia motivo para os argentinos mudarem de fornecedor. Bastava, segundo ela, que a San Martín pagasse a dívida contraída com a companhia, de 600 mil dólares…