Cel Cláudio Moreira Bento
O TUIUTI – Informativo oficial da AHIMTB/RS
O presente artigo tem por finalidade destacar a importância da Crítica de uma Manobra Militar ou Análise Pós-Ação (APA), da Análise Militar Crítica ou Análise Histórica Militar Pós-Ação (AHMPA) e suas contribuições para o levantamento de subsídios a serem utilizados na instrução dos Quadros e da Tropa e no progressivo desenvolvimento da Doutrina Militar da Força Terrestre, a cargo do Estado-Maior do Exército. O foco deste trabalho incide, portanto, sobre os principais autores e seus trabalhos literários destacando suas contribuições para o estudo e ensino da História Militar Crítica.
Nós, militares do Exército, nos acostumamos a realizar uma Crítica, hoje denominada Análise Pós-Ação (APA), depois de uma manobra ou exercício militar. Esta consiste em apontar os erros e acertos no exercício ou manobra e os destacar na instrução dos quadros e da tropa e/ou para que possam contribuir para o progressivo desenvolvimento da Doutrina Militar da Força, a cargo do Estado-Maior do Exército.
A palavra Critica para a maioria das pessoas, no Brasil, tem um significado de censura ou, na gíria castrense, de marreta. Ela foi substituída pela expressão APA, eliminando confusões frequentes sobre o seu significado negativo.
No meu livro – A Revolta do Contestado (1912 – 1916), nas Memórias e nos Ensinamentos Militares de seu Pacificador, o comandante das operações que resultaram na Pacificação Militar do Contestado faz uma profunda crítica da Operação de Pacificação hoje, com mais propriedade, a citada APA, traduzindo-a na forma de Ensinamentos Militares, e os inclui no seu Relatório ao Ministro da Guerra.
O pioneiro entre nós neste tipo de trabalho foi o Duque de Caxias, como Ministro da Guerra ao realizar, uma Análise Militar Crítica, ou AHMPA (Análise Histórica Militar Pós-Ação), da Batalha do Passo do Rosário, ocorrida em 20 de fevereiro de 1827. Análise solicitada, em 1854, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Instituição da qual ele era sócio honorário e que, desde 1925, é depositária de sua espada invicta, com a qual combateu em seis campanhas.
Mais tarde, em 1861, novamente como Ministro da Guerra e também Presidente do Conselho de Ministros, realizou a adaptação da Doutrina Militar de Portugal, às realidades operacionais sul-americanas que ele vivenciara no comando de Forças do Exército, na pacificação das Revoltas regenciais no Maranhão, em São Paulo, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul e na Guerra contra Oribe e Rosas, em 1851-52.
Nos demais casos de emprego da Força Terrestre do Brasil em operações de Guerras Externas e de Lutas Internas, não se tem conhecimento da realização de críticas militares das operações, ou APA, por seus comandantes, exceto o caso da FEB, em que o seu comandante, o Marechal João Batista Mascarenhas de Moraes, ex-comandante da Escola Militar no Realengo, nos legou um precioso acervo bibliográfico crítico, realizado com o apoio do General Carlos de Meira Mattos.
Este foi seu capitão na FEB, ex-comandante da AMAN e destacado chefe militar que, no posto de coronel, comandou a Força Brasileira que atuou em São Domingos, em missão da OEA, e da qual também, realizou uma preciosa Crítica ou APA, registrada em obra literária de sua autoria.
Ainda em meados do século passado, a publicação elaborada pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Marechal Castelo Branco e seu pensamento militar, de autoria do Cel Francisco Ruas Santos e do Major José Fernando Maia Pedrosa, registra exemplos de História Militar Crítica, ou AHMPA, realizados por aquele chefe militar e pensador militar brasileiro (Castelo), hoje consagrado, por justiça, patrono de nossa ECEME.
O Marechal Castelo Branco atuara como Oficial de Operações da FEB e, no pós- guerra, como instrutor da Escola de Estado-Maior do Exército influenciou, segundo o Cel Francisco Ruas Santos, em 1972 a introdução, na Academia Militar das Agulhas Negras, do Ensino Militar Crítico de História Militar à luz dos Fundamentos de Arte e Ciência Militar, os quais abordamos no Manual de nossa autoria Como pesquisar a História do Exército, aprovado pelo Estado- Maior do Exército e editado pelo EGGCF, em 1999 (2ª edição).
A orientação de Estudo de História Militar Crítica, ou AHMPA, foi introduzida na AMAN em 1961 pelo então Cel Inf EM Francisco Ruas Santos, veterano da Defesa Territorial no Brasil no Pará, e depois na FEB, como integrante do 11º Regimento de Infantaria, de São João D’el Rei.
O ensino de História Militar deveria ser conduzido tendo por base a Diretriz nº 61 do Estado-Maior do Exército para as atividades no campo História Militar com os seguintes objetivos: contribuir para a formação dos quadros e da tropa; contribuir para o desenvolvimento da Doutrina Militar das Forças Terrestres Brasileiras; e preservar e divulgar o Patrimônio Histórico e Cultural do Exército.
Posteriormente, a Comissão de História do Exército, integrante do Estado-Maior do Exército, presidida pelo Cel Francisco Ruas Santos, publicou, em 1972, a História do Exército Brasileiro – perfil militar de um povo, resultado de um grande esforço pioneiro e coletivo de historiadores militares e de alunos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
A falta de crítica a uma operação de Guerra Externa ou de Luta Interna pode ser suprida pelo trabalho de história militar crítica realizado por profissionais militares, à luz dos fundamentos da Arte e da Ciência da Guerra (Princípios de Guerra, Fatores da Decisão, etc.) visando colher os necessários subsídios a serem utilizados nas instruções dos quadros e no desenvolvimento progressivo da Doutrina Militar da Força Terrestre.
Esses subsídios deverão ser compatibilizados com o que de melhor existir nas doutrinas militares de outros exércitos, para que possam servir de base para os trabalhos de desenvolvimento da Doutrina Militar elaborados pela 3ª Subchefia do EME.
Foi dentro do Espírito de Análise de História Militar Crítica que em 1978, como instrutor de História Militar na AMAN, já com grande experiência em assuntos de Historia Militar do Brasil, que coordenamos a elaboração dos livros: História da Doutrina Militar e História Militar do Brasil (Textos e mapas), contendo o novo Processo de Ensino de História Militar, adaptado ao ensino da História Militar Crítica à luz dos Fundamentos da Arte e da Ciência Militar. Estes livros foram extremamente úteis ao ensino de História Militar na AMAN até serem substituídos em 1999.
Mas, para ser possível uma AHMPA de uma Guerra Externa ou uma Luta Interna, constante da Teoria de História do Exército Brasileiro, que abordamos no tocante ao Emprego da Força Terrestre ao longo do Processo histórico do Brasil desde o seu Descobrimento no nosso citado Manual, é fundamental que ela seja resgatada por profissionais com cursos de História, capazes de caracterizar fontes primárias de História confiáveis por fidedignas, íntegras, autênticas e fundamentais para reconstituições históricas dos fatos acontecidos.
A seguir, cabe ao profissional militar realizar a AHMPA, à luz dos Fundamentos de Arte e da Ciência Militar, obtendo subsídios para a instrução dos quadros e da tropa e para o desenvolvimento progressivo da Doutrina Militar das Forças Terrestres do Brasil, a cargo do Estado -Maior do Exército.
Para esse objetivo muito contribuiu o exemplo legado pelo Marechal Setembrino de Carvalho com seu trabalho de História Crítica da Campanha do Contestado, consubstanciada no livro A Revolta do Contestado 1912 – 1916, nas Memórias e nos Ensinamentos Militares de seu Pacificador.
Enfim, este trabalho de História Militar Crítica é o que vêem procurando fazer, há 18 anos, a Federação de Academias de História Militar Terrestre do Brasil (FAHIMTB) e suas Academias federadas, sob minha orientação e com base nos meus 44 anos de intensa atividade relacionada com a História Militar do Brasil, como historiador e instrutor de Historia Militar.
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Sobre o autor:
O Cel Cláudio Moreira Bento é Historiador Militar e Jornalista. Presidenteda Federação de Academiasde História Militar Terrestre do Brasil (FAHIMTB) e da AHIMTB/Resende Marechal Mário Travassos, do Institutode História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS), da Academia Canguçuense de História (ACANDHIS), além de presidente Emérito fundador da Academia Resendense e possuir inúmerasoutras condecorações e títulos.