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Acidentes quase puseram em xeque projeto dos caças Gripen

Claudia Varejão Wallin

Há vinte anos, quando um dos primeiros protótipos do caça Gripen se despedaçou no centro da capital sueca diante de uma multidão atônita e desesperada, muitos questionaram a sabedoria da decisão política de empregar anos de pesquisas e milhões de coroas suecas no desenvolvimento de um caça nacional de última geração.

Mas a fórmula sueca acabaria por provar a eficácia do engenho doméstico: hoje a terceira geração de caças Gripen-NG, da fabricante sueca Saab é reconhecida como uma aeronave avançada, com boas vendas em todo o mundo. Na semana passada, o governo brasileiro anunciou que renovará a frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB) com a aquisição de 36 aeronaves Gripen-NG, da fabricante Saab.

O avanço da indústria de defesa sueca, que hoje desponta entre os grandes fabricantes do setor, tem sua origem na antiga política de neutralidade do país.

"Como era um país neutro, a Suécia tinha que erguer a sua própria indústria militar – aviões, navios, submarinos, equipamentos, armamentos. Pode-se dizer que o caça Gripen, assim como os modelos que o antecederam, são resultado da tradição de neutralidade da Suécia", disse Christer Åström, considerado um dos principais especialistas em defesa da Suécia, em entrevista à BBC Brasil.

Mas o projeto dos caças Gripen, inaugurado na década de 80, era especialmente ambicioso: não se tratava apenas do desenvolvimento de um caça-bombardeiro, mas de um amplo e abrangente sistema de defesa. O sistema incorporava desde componentes de voo, controles de mecanismo em terra e manutenção, a sistemas de comunicação com armamentos.

Uma característica central diferenciava o Gripen de outros projetos anteriores: ele usa sofisticadas tecnologias de ponta, mas pode ser produzido a um custo mais baixo.

Turbulências

Não foi, porém, uma trajetória sem turbulências. A história dos caças Gripen começou no fim dos anos 70, quando uma série de estudos foi conduzida para o desenvolvimento de um sucessor para o caça sueco Viggen, que entrava no fim de seu ciclo operacional. No momento em que o projeto JAS Gripen foi apresentado, no início da década de 80, os partidos políticos de esquerda se mostraram céticos.

"A principal controvérsia era se a Suécia deveria comprar um caça já desenvolvido e testado (um caça americano, por exemplo), que seria mais barato, ou desenvolver uma nova geração de caças suecos, que custariam mais caro, mas colocariam o país na liderança tecnológica do setor", observa Annika Brändström, em relatório da Escola Nacional de Defesa Sueca.

A decisão de produzir um caça nacional, em vez de importar, foi fortemente influenciada por considerações políticas, como o forte potencial de geração de empregos no país. Em junho de 1982, o Parlamento sueco aprovou a decisão de autorizar o desenvolvimento de 30 caças JAS Gripen, com a opção de estender o contrato para outras 110 unidades.

Na época, outros países europeus planejavam, simultaneamente, caças semelhantes.

"O Rafale, o Mirage 2000 (França), o LAVI (Israel) e o europeu Eurofighter foram alguns dos projetos de caças concorrentes lançados nos anos 70 e 80. Estes aviões eram considerados 'instáveis' e tinham características diferentes daquelas dos caças suecos anteriores. Problemas com os sistemas de controle de vôo e uma série de acidentes e quedas ocorreram com quase todos os projetos", destaca Annika Brandström.

Com a Suécia, não foi diferente. Já na etapa inicial do projeto, a construção dos protótipos sofreu uma série de atrasos, provocados em parte por problemas graves no sistema de navegação. E os primeiros tempos do Gripen seriam sombrios.

No dia 8 de agosto de 1993, um domingo, a cidade de Estocolmo esteve perto de sofrer uma tragédia humana. Milhares de pessoas estavam reunidas no centro da capital sueca para um festival anual, e uma das principais atrações do dia era um show aéreo em que o caça JAS 39A Gripen voaria sobre o público. Poucos minutos após o vôo, o piloto foi subitamente ejetado do caça, que iniciou uma queda fulminante diante de uma multidão em pânico. O avião se chocaria contra a ilha de Långholmen, no centro da capital, a cerca de 30 metros da ponte de onde milhares de pessoas assistiam ao espetáculo.

Ninguém – nem o piloto – saiu ferido seriamente. Mas as imagens do avião em chamas geraram um debate sobre a credibilidade do Gripen, e em última instância sobre a própria existência futura do projeto. Afinal, não era a primeira vez: quatro anos antes, no dia 2 de fevereiro de 1989, o primeiro protótipo do JAS 39-1 havia caído durante seu sexto vôo quando tentava aterrissar na cidade de Linköping, sede da fábrica da Saab. O mesmo piloto, Lars Rådeström, protagonizara as duas quedas.

"Apesar dos dois acidentes, os políticos que apoiavam o projeto do Gripen nunca desistiram, e lutaram até atingir os resultados de excelência planejados para o avião", contou o especialista Christer Åström.

Vendendo para o mundo

Exportar era preciso: vender os novos caças no mercado internacional era essencial para tornar o projeto lucrativo, e situar a Suécia no mapa da concorrência como um dos líderes do setor.

"A primeira exportação foi um contrato de leasing de 14 caças Gripen para a Hungria e a República Tcheca. Na década de 90, a África do Sul tornou-se o primeiro país a comprar os caças, num total de 28 aviões. Desde então, a Tailândia adquiriu 12 modelos Gripen, e a Suíça assinou uma carta de intenção para comprar 22 caças, sendo que o anúncio oficial da compra é esperado para o próximo verão europeu", destacou Åström, acrescentando que o governo sueco acaba de encomendar 60 novos caças para a Força Aérea do país.

Na Saab, o porta-voz Rob Hewson oberva que, desde aqueles incidentes, o caça sueco continuou a ser continuamente aperfeiçoado. E o atual modelo, a ser produzido em parceria com o Brasil, corresponde à terceira geração de caças Gripen da Saab.

"Apenas as pessoas na Suécia ainda se lembram da queda do avião em 1993. Fora da Suécia, o acidente foi visto e compreendido como parte do processo de risco durante a fase de testes de vôo. Uma vez superados aqueles incidentes, que foram na verdade ocorrências relativamente normais da etapa de testes, o Gripen tem demonstrado um nível exemplar de segurança operacional", disse o porta-voz à BBC Brasil.

Para o especialista Christer Åström, o segredo da fórmula do Gripen está na eficiência do modelo.

"O Gripen possui apenas um motor, é extremamente sofisticado e é bem mais barato em comparação ao Boeing F/A-18 Super Hornet, ao Rafale da francesa Dassault e também ao europeu Eurofighter Typhoon. Os custos operacionais do Gripen são significativamente menores do que os dos demais caças, que possuem motores duplos. É interessante notar que o Gripen pesa a metade do que pesam os outros modelos da concorrência. E é um avião eficaz, com tecnologia de ponta e equipado com armamentos de última geração", disse Åström, lembrando ainda que o Gripen participou com êxito das operações da Otan na Líbia há dois anos.

Superado um sombrio começo marcado por acidentes, acrescenta Åström, o Gripen está atualmente entre os caças mais vendidos do mundo, ao lado dos americanos F/A-18 Super Hornet e F-16 Fighting Falcon.

Segundo o porta-voz da Saab, a terceira geração de caças Gripen é uma sofisticada aeronave produzida por um país "pequeno e inventivo, que cumpriu a meta de desenvolver aviões com excelente nível operacional que não custassem uma fortuna".

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