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A necessidade do conhecimento linguístico para a imagem institucional

Cap Camila de Almeida Paiva

Desde os primórdios, a comunicação é ferramenta vital das interações humanas. Por meio dela, sociedades se ergueram, se desenvolveram e se fortaleceram. A História nos ensina que forças militares de diferentes países se aliaram para combater um inimigo comum nos mais diversos teatros de operação. Com o advento da tecnologia, as distâncias entre culturas foram encurtadas, mas a comunicação entre os indivíduos ainda permanece imperiosa para as relações humanas, sejam elas no âmbito pessoal ou profissional.

O Exercício Viking, que é o maior exercício multinacional de treinamento para operações de paz do mundo, idealizado e liderado pela Suécia, agrega profissionais de várias nacionalidades e pode ser mais um exemplo de que sem comunicação, dificilmente objetivos são alcançados. O Exercício visa congregar atividades, ocorrências e eventos afetos às operações de paz de maneira simulada a fim de simular a realidade das missões e capacitar os seus instruendos – militares, policiais e civis – para que trabalhem de modo integrado nas missões de caráter multidimensional da atualidade, tendo a comunicação como peça chave.

Assim como nas edições anteriores do Viking, a edição deste ano contou, em cada um de seus diversos sítios remotos, com a participação dos três componentes essenciais em uma missão multidimensional, seja integrando a Audiência de Treinamento como players (jogadores), seja na Célula de Observadores, Treinadores e Mentores (OTM). Nesse contexto, a comunicação é de fundamental importância e indispensável para a integração entre os componentes e entre os sítios remotos e para o sucesso do Exercício em si. Nessa simulação de operação de paz, no caso a United Nations Mission in Midland (UNMIN), participaram vários profissionais militares, policiais e civis, representantes de diferentes países e idiomas, tendo o inglês como a língua franca do Exercício. Sem o devido conhecimento linguístico, as chances do não cumprimento da missão ou do cumprimento parcial e deficiente tendem a ser maiores, impactando negativamente o aprendizado e o desempenho dos participantes e, em última instância, o Exercício como um todo.

Tirando a observação acima do contexto de exercício simulado e trazendo-a para a realidade das operações de paz, incluindo as demais missões de cunho militar e internacional em que se faz necessária a comunicação em inglês (podemos citar outras línguas, no entanto, vamos limitar o foco no idioma de Shakespeare), é fácil perceber que a falta do domínio do idioma pode levar uma instituição ao insucesso e manchar sua imagem.

Quando uma determinada ordem é emanada pelo escalão superior de uma dada instituição, e seus escalões recipientes encontram dificuldades de entendimento da ordem, ou quando o fluxo inverso da informação (dos escalões inferiores ao superior) não é claro e objetivo, linguisticamente falando, o ruído na comunicação pode acarretar inúmeras ações negativas que podem levar a dúvidas sobre a capacidade profissional de indivíduos e das instituições que eles representam.

Podemos tomar como exemplo uma suposta situação em que tropas desdobradas no terreno de operações de paz são acusadas de abuso e exploração sexual. A alegação, caso irreal, pode se tornar concreta se não houver uma resposta oportuna, clara, com sentido e objetiva. E caso seja verídica, uma resposta igualmente objetiva, oportuna, clara, objetiva e imediata se faz ainda mais necessária e imperativa.

Em ambas situações, a ferramenta principal de resposta à sociedade local é a comunicação que ocorre por meio do uso eficaz e eficiente do idioma, seja ele qual for, inclusive o pátrio. E no que tange ao uso eficiente e eficaz do idioma, isso não significa não cometer erros ao utilizá-lo, o que seria uma imposição um tanto quanto inalcançável e injusta. Erros ocorrem no uso de qualquer língua, inclusive na materna. A questão é compreender e se fazer compreender de maneira lógica e não se expressar evitando, ao máximo, o acento próprio, ou tentando igualar a fala ao sotaque dos nativos de origem anglo-saxão, que possuem acentos distintos igualmente aos do português falado no Brasil. No que tange às expressões oral e escrita, os erros, desde que primários e com pouco impacto na comunicação, são naturais e aceitáveis. A busca deve ser por uma troca comunicacional em que não haja brecha para dúvidas que podem levar ao prejuízo da informação original. Emissor e receptor sintonizados na mesma estação.

Tomando, novamente, o exemplo citado acima sobre o suposto caso de abuso e exploração sexual por parte da tropa, podemos inferir como a comunicação tem poder, sobretudo por meio da comunicação oral. Sem tal ferramenta e sem saber usá-la corretamente, riscos à legitimidade da missão e à imagem da instituição que a conduz e riscos, inclusive, à integridade física das instalações e dos integrantes são reais. A mídia, que deve buscar dados oficiais por parte das Forças, atua como o quarto poder e tem por objetivo informar a sociedade sobre fatos ocorridos nas esferas de responsabilidade governamental ou institucional. A narrativa utilizada pelos meios de comunicação dependerá muito da informação que for transmitida pelas Forças e ou instituições. Por sua vez, essa informação exercerá influência sobre a opinião pública, que pode reagir positiva ou negativamente ao que lhe for apresentado pelos veículos de imprensa. Daí, a necessidade de um domínio linguístico sólido, não perfeito, a fim de evitar danos colaterais por ruídos na comunicação.

Militares altamente capacitados na sua área de especialidade podem ser preteridos devido a essa dificuldade linguística. Tal observação pode ser injusta. No entanto, a fim de enfrentar os desafios crescentes, muitas vezes as instituições têm a urgência em desdobrar pessoal com a devida habilidade linguística a fim de cumprir a missão. Não tempo útil para o aprimoramento instantâneo e imediato do conhecimento do idioma. Isso não existe. É importante frisar que o idioma é uma habilidade que, tal como andar de forma equilibrada e correr com eficiência, demanda um processo que leva um tempo significativo para se consolidar e fazer com que o indivíduo o utilize de maneira confiante, preocupando-se mais com o conteúdo de sua fala e menos com a pronúncia e as estruturas gramaticais adequadas. Esse é um dos traços que caracteriza ser fluente ou não em dado idioma.

É ilusória a crença de que semanas ou poucos meses darão solidez e confiança no uso da língua, pois existe um processo que exige paciência e dedicação. É similar ao aprendizado do idioma pátrio, no qual estamos imersos desde a mais tenra idade e, ainda assim, encontramos dificuldades em alguns pontos. Apesar de ser de conhecimento de uma parcela significativa dos falantes não nativos de inglês, a desenvoltura satisfatória no idioma deve ser mantida regularmente e não ser alvo de preocupação somente quando a probabilidade de alguma missão internacional se avizinha. Devemos ir muito além da zona de conforto do “Disney English”, que é o nível de conhecimento do idioma suficiente apenas para sobreviver em viagens (muitas vezes de forma precária) a terras estrangeiras ou no ambiente onde o inglês é a língua oficial, causando inclusive fatores psicológicos como estresse e ansiedade nos indivíduos.

Outro ponto muito evidente é a mudança da linguagem corporal de quem não domina o uso do inglês. O observador um pouco mais atento percebe facilmente a desenvoltura natural do indivíduo para falar sobre um tema de seu conhecimento usando o idioma materno: gestos firmes, tom de voz confiante e contato visual frequente com seus interlocutores. O conteúdo e a forma de comunicá-lo não são obstáculos. Todavia, quando esse mesmo indivíduo precisa apresentar o mesmo conteúdo da sua área de conhecimento em inglês, notamos uma série de elementos como olhares vagos, hesitação, tom de voz baixo, gestual ansioso ou apático, comentários não pertinentes àquela situação (que por vezes exigem um determinado grau de formalidade) e estresse devidamente contido, porém perceptível.

Isso ocorre pela falta de confiança no uso do idioma. A depender do tema, esse comportamento pode impactar a forma que os interlocutores veem a capacidade profissional do indivíduo e, talvez, da instituição que ele representa. Pois não basta conhecer, é preciso saber transmitir. Surge, então, a necessidade imperativa da comunicação adequada e sólida no inglês (não perfeita, é justo relembrar) e da capacidade de utilizar o idioma em diferentes contextos, seja nos formais ou informais, e para públicos distintos.

O Exercício Viking, por se tratar de uma atividade internacional com vários atores estrangeiros, pôde evidenciar uma vez mais a necessidade de que todos nós temos do aprimoramento linguístico constante e regular, tal como é feito nos diferentes tipos de adestramento da tropa. Devemos ter a consciência de que a comunicação também deve fazer parte da estratégia militar para mostrarmos as capacidades e a força que já temos.

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Sobre o autor

Cap Camila de Almeida Paiva – A Capitão QCO Inglês Camila de Almeida Paiva, é instrutora e Ponto Focal de Proteção de Civis do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) desde 2017. Realizou a formação militar na Escola de Formação Complementar do Exército em 2010 e na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em 2018.

A oficial tem experiência em Operações de Paz da ONU (MINUSTAH, 2014) e cursos na área, como: Proteção de Civis (Índia), Coordenação Civil-Militar (Alemanha), Gender Advisor (Suécia). Participou no Exercício Viking 2018 e 2022. Atualmente, faz parte de uma equipe da ONU na revisão do Manual de Proteção de Civis. É pós-graduanda em Relações Internacionais e possui o diploma de proficiência em Inglês pela Universidade de Cambridge (CPE).

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