Shállon Teobaldo
Jornal ABC
26 Dezembro 2020
A poucos dias de vestir o traje de piloto pela última vez no comando de um caça F-5, só de olhar para o céu ou falar sobre o assunto o tenente-coronel aviador Thiago Romanelli Rodrigues já sente saudade e se emociona. Comandante do 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação, conhecido como Esquadrão Pampa, da Força Aérea Brasileira (FAB), o piloto gaúcho de 41 anos, que começou a carreira aos 18, se prepara para deixar os voos de lado no início de 2021 e assumir o planejamento estratégico da FAB, em Brasília.
"É muito gratificante poder compartilhar um pouco da oportunidade que eu tive, das minhas experiências, ver o quanto a gente evoluiu como esquadrão. Hoje vejo os pilotos mais novos e percebo o quanto eles são melhores que eu, e isso é prova daquilo que eu considero mais importante: que precisamos estar sempre formando pessoas e profissionais melhores que nós", enfatiza Romanelli.
A decisão pela aviação
A história de como tudo começou é curiosa. Até os 13 anos de idade, Romanelli tinha certeza de que seguiria a carreira de jogador de futebol. Zagueiro das categorias de base do Grêmio, chegou a jogar com Ronaldinho Gaúcho na adolescência. Foi em uma viagem pelo clube para participar de um torneio em Minas Gerais que o então menino viajou de avião pela primeira vez. "Quando entrei na aeronave e tive aquela experiência percebi que, na verdade, não queria ser jogador, mas sim piloto de avião", conta.
Como ele ainda não sabia, o investimento para estudar Ciências Aeronáuticas e fazer as milhares de horas de voo exigidas em um aeroclube era muito alto para seus pais. Foi no Ensino Médio, no Colégio Tiradentes da Brigada Militar de Porto Alegre que Romanelli ouviu falar da FAB pela primeira vez. Nesse momento, decidiu então que se esforçaria para se tornar um aviador. "Minha mãe ficou assustada, perguntando da onde eu tinha tirado a ideia, se queria matar eles do coração, pensou que eu tinha ficado louco. Hoje ela já saiu do desespero total, mas se perguntar, ela vai dar graças a Deus porque vou parar de voar".
Um voo inesquecível
"A gente nunca está preparado para o último dia, o último minuto, nunca. O voo inesquecível da minha vida será o último. Independente de como seja, vai ser o momento em que, quando eu pousar, vou saber que não vou mais voar como piloto de caça. Não sou muito chorão, mas acho que será inevitável", diz Romanelli, ao antecipar as emoções sobre o dia que se aproxima. Mesmo depois de tanto tempo no ar, a sensação ainda é definida por ele como "maravilhosa". Sentimentos diferentes, mais experiência e segurança, mas com o mesmo prazer em voar como na primeira vez. "Está passando um filme na minha cabeça; o que ficam são as boas lembranças".
Desistir nunca foi uma opção
Para Romanelli, a grande realização para um piloto de caça é voar num esquadrão que atua em um avião de primeira linha da aviação de caça. "Para mim, que fiz a prova de ingresso na FAB aqui no 5.o Comar, ter a possibilidade de, em 2006, ser transferido para o primeiro do 14.º grupo de aviação, sendo natural do Rio Grande do Sul, servir próximo da minha família foi uma enorme conquista", diz.
A formação para atingir o objetivo também está carimbada na memória do piloto, que relembra os dias e noites de muito estudo para, enfim, voar num caça. "Desistir nunca foi uma opção. Isso é um desafio pessoal; sou um cara que gosto muito de me colocar em xeque, então nunca pensei em não ir até o fim e sou muito feliz com a minha escolha e por tudo que a FAB me permitiu viver."
Susto em colisão com pássaros
Em uma profissão de alto risco, como a de Romanelli, sempre existe a possibilidade de acidentes. O piloto, em um de seus primeiros voos, viveu uma experiência angustiante, mas sem graves sequelas. "Foi no meu primeiro ano. Estávamos voando mais para o sul do Estado, próximo a Bagé. Eu estava sendo capacitado no avião e numa navegação a baixa altura colidi com um bando de pássaros, o que quebrou meu canopi (cobertura da cabine de pilotagem), acertou parte do meu rosto, quebrou minha máscara, entrou restos nos meus olhos, me arranhou, foi um grande susto. Por sorte, o pássaro bateu do lado do assento e não tive fraturas", relembra. Aos pilotos inexperientes, fica a dica do tenente: "O lance do piloto de caça é se adaptar à velocidade, pois os tempos e movimentos são muito distintos".
Operação de guerra em Canoas
Ao longo dos mais de 20 anos de carreira, Romanelli participou de muitos exercícios operacionais da FAB e até alguns internacionais. Segundo ele, o mais importante foi a Operação Red Flag, em 2008, nos Estados Unidos, onde teve a oportunidade de participar de uma das práticas mais complexas e importantes do mundo na aviação. A vivência com colegas que estiveram em guerras reais foi enriquecedora. "É um aprimoramento fundamental para a Força Aérea, pois nosso objetivo é a pronta resposta, estarmos sempre preparados para o que pode acontecer", explica.
Em novembro deste ano, Romanelli participou no comando e na pilotagem do Exercício Operacional Tínia que reuniu mais de 35 aeronaves e cerca de 500 militares para treinamento de guerra regular em Canoas e Santa Maria. Durante 23 dias, os oficiais da FAB praticaram simulações de ações como reconhecimento aéreo, ataque, reabastecimento em voo, posto de comunicação no ar, defesa aérea, defesa antiaérea e transporte aéreo logístico. "Temos no RS uma área vocacionada para a atividade aérea. A operação foi um sucesso, conseguimos cumprir tudo que foi proposto", salienta.
Nota – Vídeo de 2008 onde aparece o então Capitão Romanelli rumo à CRUZEX IV.