Tarcísio Takashi Muta
Presidente da Fundação EZUTE
Na era sistêmica em que estamos vivendo, as soluções para problemas complexos devem envolver uma visão holística em todas as etapas do seu desenvolvimento. O Brasil deve adotar de forma mais significativa conceitos, como “systems engineering”, aplicados há anos em países como os Estados Unidos, buscando melhorar sua produtividade e contribuir para superar a sua atual posição de país importador de tecnologias e exportador de produtos primários.
Nesse contexto, cabe entendermos alguns conceitos de “systems engineering”. Não utilizaremos o termo “engenharia de sistemas”, uma vez que é frequentemente confundido com sistemas de telecomunicação, desenvolvimento de programas de computador ou de sistemas de informação.
Podemos dizer que o conceito de sistema deriva da afirmação do filósofo grego Aristóteles de que “o todo é maior do que a soma das partes”. Assim, podemos entender sistema como um conjunto de elementos interconectados, de modo a formar um todo organizado e executar uma função específica. Com a chegada dos computadores, os sistemas passaram a agregar o software, mas ainda eram utilizados como ilhas isoladas. Em paralelo ao avanço da tecnologia da computação, os sistemas se tornaram mais intensivos em software e, interligados, evoluíram para os sistemas em rede. Mais tarde, assumiram novas dimensões, passaram a contemplar organizações e incorporaram a questão da governança. Chegamos, então, aos “sistemas de sistemas”, que realizam uma função maior do que a mera soma das funcionalidades dos subsistemas que o compõem.
Na sua definição clássica, Engenharia de Sistemas é um campo interdisciplinar da Engenharia que se concentra em como projetar e gerenciar sistemas complexos ao longo do seu ciclo de vida. Na sua forma moderna, essa metodologia teve origem no Bell Labs, braço de P&D da empresa norte-americana AT&T, na década de 1940. A partir do Bell Labs, aconteceram grandes realizações, como a invenção do transistor e o lançamento de um dos primeiros satélites de comunicações. Em função do sucesso dessa metodologia, outras organizações passaram a adotá-la em seus projetos, com destaque para a RAND e a MITRE, que até hoje permanecem prestando serviços para o governo dos Estados Unidos e são consideradas referências nessa metodologia.
Segundo a visão aqui proposta, o conceito de “systems engineering” toma outra forma. É uma metodologia com abordagem multidisciplinar que, a partir das necessidades do ser humano, enquanto organização, permite o delineamento, a modelagem e a conceituação sistêmica de uma solução, a especificação de um projeto, resultando no desenvolvimento de um sistema real e operante. Dentre as instituições nos Estados Unidos que reconhecem a importância desse pensamento, a MITRE, por exemplo, defende que a aplicação de “systems engineering” às organizações ajuda a dar forma e a alinhar a tecnologia para que essas organizações atinjam os seus objetivos, cumpram sua missão. Existe ainda uma visão mais ampla, colocada pela United States Air Force Academy: “(…) a especialização em “systems engineering” não existe para formar engenheiros de sistemas, existe para garantir que os nossos futuros pilotos, os oficiais nos nossos centros de operação, e os decisores no campo de batalha, pensem em termos sistêmicos (…)”. Essa afirmação remete ao pensamento sistêmico, o grande diferencial de “systems engineering”. Contrapõe-se ao pensamento reducionista, que foca em problemas isolados, e leva em conta as interações e inter-relações de um sistema com o ambiente no qual está inserido. Assim, o pensamento sistêmico introduz um olhar holístico que nos leva a uma visão de “systems engineering”, vai muito além da visão técnica e tem como propósito dar suporte ao aprimoramento das organizações em que é aplicado.
Assim, podemos considerar que o conceito de “systems engineering” é fundamentado sobre três pilares: as ciências físicas, que envolvem a matéria e a energia; a ciência organizacional e social, que trata aspectos humanos, comportamentais, econômicos e organizacionais; e a ciência da informação e conhecimento, derivados dos dois primeiros. Aplicá-la significa atuar com uma visão holística sobre as necessidades, os sistemas e o ambiente onde estão inseridos, ou seja, aplicar o pensamento sistêmico.
O governo dos Estados Unidos tem se beneficiado de organizações que incorporam o pensamento sistêmico. A MITRE, por exemplo, é uma organização sem fins lucrativos que, suportada por fundos do governo americano e operando diversos centros de excelência nos Estados Unidos, é uma referência em “systems engineering”. Seu relacionamento com o governo é diferenciado e recebe como incumbência buscar soluções para desafios nacionais e para as agências governamentais como, por exemplo, nas áreas de defesa, saúde e modernização da administração pública. Um exemplo foi o desenvolvimento do SAGE (Semi-Automatic Ground Environment), sistema de defesa aérea cujo desenvolvimento foi iniciado nos anos de 1950, primeira integração de computadores e sistemas de armas em larga escala.
No Brasil, a Fundação Ezute faz de “systems engineering” um importante instrumento na trajetória para a autonomia tecnológica e para a soberania brasileira. Na nossa visão, o conceito de “systems engineering” deve ser aplicado para atender às necessidades humanas, apoiando o governo e aprimorando as organizações. Nesse sentido, o pensamento sistêmico é aplicado à organização do conhecimento multidisciplinar em soluções para melhorar a produtividade no governo ou no setor privado. A Fundação Ezute trabalha pautada nesse ciclo: reúne e avalia o conhecimento de especialistas, combina conhecimento de diversas fontes, converte conceitos complexos em informações acessíveis ao tomador de decisão nas organizações, e entrega essas informações por meio de sistemas.
A evolução das organizações se deu a partir da era artesanal, passando para a era agrícola, desta para a era industrial e culminou com a era da informação, do conhecimento. Hoje, as organizações vivenciam uma nova era, a era sistêmica, marcada pelo pensamento sistêmico e que leva a um novo posicionamento, mais sustentável e de maior valor estratégico, fruto da visão holística, colaborativa, ética e intensiva em conhecimento.
Se avaliarmos essa evolução em termos de postura e geração de riqueza, o modelo industrial propicia o acúmulo de riqueza, mas é um modelo limitado e que se esgota. As organizações sistêmicas, por sua vez, são grandes geradoras de valor, que também resultam em riqueza para todos e o seu modelo mental é distinto, empregando a visão e comportamento holístico em direção à sustentabilidade, parceria, autonomia tecnológica e soberania.
Esse é o formato que reflete as organizações que são pautadas pelo pensamento sistêmico e o aplicam. Elas atuam em parceria, com sentido de continuidade e de forma complementar, com isenção, propiciando a geração de valor perene. O governo poderá ter grandes benefícios se aceitar e souber atuar em conjunto com organizações desse tipo.