SAMUEL PESSÔA
Folha de São Paulo
24 Dezembro 2017
Nelson Barbosa, em sua coluna de sexta-feira (22) neste espaço, argumentou que a equipe econômica de Temer errou ao priorizar primeiro a PEC do Teto dos Gastos e em segundo lugar a reforma da Previdência.
Se a reforma da Previdência era tão importante, por que motivo a equipe econômica priorizou a PEC que estabelece um teto ao crescimento do gasto público?
Segundo Nelson, houve oportunismo do governo de Michel Temer -deixou a tarefa mais difícil para outros governos- ou, talvez, tenha sido somente um erro de cálculo dos "fiscalistas de planilha do Ministério da Fazenda".
Nelson está errado e parece não ter entendido a lógica de nossa economia política, isto é, como as políticas públicas são criadas e implantadas no contexto da disputa entre grupos com diferentes interesses numa sociedade democrática. Para ele, se a maior pressão sobre o Orçamento é a Previdência, vamos primeiro reformar a Previdência. Essa é, a meu ver, a resposta "de planilha". Infelizmente não é a resposta correta dada nossa economia política.
A reforma da Previdência ficou perto de ser aprovada em meados do ano, segundo experientes analistas políticos. Não houve falta de capital político para aprová-la. O que ocorreu foi que, quando a aprovação da reforma se materializou, a Procuradoria-Geral da República produziu de forma acelerada denúncia contra Temer.
É evidente que a intenção de Rodrigo Janot foi abortar a tramitação da reforma previdenciária. E o motivo é claro. A reforma, diferentemente do que se alardeia, não é somente do INSS. Ela mexe muito com o serviço público federal. E, após seis meses da aprovação, com o serviço público dos Estados e dos municípios.
Ou seja, a reforma foi abatida pelas corporações do serviço público. Aliás, de longe, o grupo que mais pressionou contra a reforma agora em dezembro.
Nada garante que, se a ordem cronológica entre teto e reforma da Previdência tivesse sido trocada, alguma ação análoga não teria ocorrido.
O gasto público tem crescido além do PIB desde 1992. O diagnóstico da PEC do Teto é que esse crescimento insustentável é consequência de nossa economia política -particularmente, consequência da ação dos grupos de pressão, que, por algum motivo ainda não esclarecido pela ciência política, são particularmente fortes no Brasil.
Adicionalmente, há o diagnóstico de que a manutenção desse estado de coisas nos devolverá ao ambiente econômico da década de 1980, de triste memória.
Ou seja, a PEC do Teto é uma muleta para auxiliar nossa sociedade a disciplinar nosso conflito distributivo. Se o teto for rompido, consequências ocorrerão. E essas consequências -vedam-se alta de salários e contratação de novos servidores, aumento real de salário mínimo, renovação de desonerações etc.- facilitarão a aprovação de outras medidas, inclusive a reforma da Previdência.
O limite constitucional ao crescimento do gasto público visa mudar os incentivos da política e, portanto, o comportamento. Se funcionará ou não, são outros quinhentos. O abismo inflacionário está conosco. Mas certamente o teto do gasto não é fruto de planilha. A planilha indicaria o caminho de Nelson.
Se Nelson deseja ajudar o país, deveria tentar convencer os deputados petistas -partido com o qual tem laços- a apoiar o atual projeto. É bom não esquecer que, se os petistas tivessem apoiado a reforma de FHC -que, como sempre lembra Nelson, perdeu por apenas um voto-, nós não estaríamos nesta situação.