Caio Barretto Briso
A sala gélida mostrada na foto ao lado, totalmente revestida de placas de espuma verde, lembra um filme de ficção científica. Absolutamente silenciosa, tem dispositivos de alta sensibilidade que identificam o menor sinal de fumaça e calor. Uma simples fagulha provoca a liberação de um gás inibidor de chamas idêntico ao utilizado nos principais centros de tecnologia do mundo — uma pequena ampola da substância, chamada FM 200, custa 10 000 dólares. Para chegar até a sala, é preciso atravessar um galpão de acesso restrito, ser identificado por diversas câmeras de vigilância e passar por uma porta blindada de aço pela qual poucas pessoas, quase todas Ph.Ds., têm trânsito livre. O espaço descrito acima, chamado de câmara anecoica, fica no Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), na Ilha do Governador.
Lá são realizados testes de precisão das antenas receptoras de sinais eletromagnéticos, usadas nos navios para identificar radares. A instalação é tão avançada que, para fazer uma parecida em sua sede, nos Estados Unidos, a fabricante de computadores Apple gastou 100 milhões de dólares. "Os principais sistemas de radares de nossa frota são regulados aqui nesta sala", explica o contra-almirante Maurillo Euclides Ferreira da Silva, diretor do IPqM. Além de realizarem provas de antenas, os 416 cientistas do instituto se dedicam a desenvolver sistemas para controle e monitoração de embarcações, guerra eletrônica e armamentos.
Centro político do país durante dois séculos, período em que foi capital da colônia, do Império e da República, o Rio de Janeiro tem uma forte tradição militar entranhada em seu passado. Com um efetivo estimado em 330 000 homens e mulheres em todo o país, aproximadamente 80 000 membros das Forças Armadas batem continência aqui. Apenas a Marinha mantém quase 70% de seu contingente em bases fluminenses.
Ao lado dos quartéis, a cidade concentra importantes polos de tecnologia e ensino, como o IPqM, o Instituto de Medicina Aeroespacial (Imae), mantido pela Aeronáutica, e o Instituto Militar de Engenharia (IME), do Exército. Tal presença evidencia uma vocação rara em comparação a outras cidades brasileiras, papel que será reforçado a partir do próximo dia 16, quando a cidade sediará os Jogos Mundiais Militares e receberá 6 000 atletas vindos de 112 países. Diz o almirante de esquadra Julio Saboya, secretário do Ministério da Defesa: "A opção pelo Rio para sediar as competições era óbvia. É um lugar estratégico por sempre ter sido um centro de formação de grandes oficiais".
Esses surpreendentes e pouco conhecidos núcleos de alta performance, instalados em solo carioca, são tão diversos entre si quanto as três Armas que os mantêm. O IPqM, para começar, cultiva o sigilo absoluto em relação aos estudos que conduz. Os computadores de seus laboratórios não estão conectados em rede para dificultar o vazamento de arquivos. Os pesquisadores são obrigados a assinar um contrato de confidencialidade e trabalham, nas salas mais restritas, sob a vigilância de câmeras.
Mas a forma mais radical de controle das informações se dá da seguinte maneira: ninguém, nem mesmo o comandante de cada unidade, tem domínio de todas as etapas dos projetos em andamento. É o que se chama de conhecimento compartimentado. "Cada especialista controla uma área, e existem senhas específicas para os diferentes tipos de arquivo", explica o capitão de fragata Guilherme Sineiro, chefe do setor de sistemas digitais. Há um motivo. A tecnologia produzida ali é resultado de altos investimentos e tem grande valor estratégico.
Um caso notório é o Sistema de Controle e Monitoração (SCM), já em operação em navios da frota de guerra nacional. Trata-se de uma espécie de cérebro das embarcações, capaz de identificar e corrigir as falhas mais imperceptíveis. Seu custo de desenvolvimento atingiu a cifra dos 5 milhões de reais. Se fosse comprado no exterior, um aparelho semelhante poderia sair por um valor cinco vezes maior.
Extremamente rigorosos na instalação da Marinha, a vigilância e o controle são um pouco menos rígidos em centros como o Instituto de Medicina Aeroespacial (Imae), da Aeronáutica. Isso não significa que o ambiente seja, digamos, descontraído. Na base, localizada no Campo dos Afonsos, treinam todos os pilotos militares do país, incluindo os da Marinha e do Exército. Por ano, são preparados cerca de 1 500 aviadores, entre eles 150 estrangeiros.
O Imae é o maior núcleo de estudos sobre o impacto que as condições adversas do voo têm sobre a saúde humana. Em câmaras que simulam o ambiente de uma aeronave, chamadas de hipobáricas, os alunos experimentam os efeitos da hipóxia (baixo teor de oxigênio). Em meio ao teste, eles devem responder a questionários com perguntas banais. Quando alguém não consegue lembrar mais o nome da própria mãe, por exemplo, é hora de interromper o exercício. "Os pilotos precisam se preparar para agir rapidamente em casos assim, pois nesse momento estão prestes a perder a consciência", diz o coronel Eduardo Camerini, diretor do Imae. Ali também se investigam os acidentes aéreos do país, com base na análise dos corpos das vítimas.
Na tragédia do voo 447 da Air France, em 2009, o coronel Camerini foi ao Recife acompanhar as autópsias dos corpos recolhidos no Oceano Atlântico. Três anos antes, no choque entre o jato Legacy e o avião da Gol, já havia sido o primeiro a constatar que o Boeing se desintegrara no ar. "Percebi isso ao ver que os corpos dos passageiros estavam nus. As roupas se soltaram durante a queda livre", afirma.
Não é de hoje que os militares desempenham um papel de destaque no avanço científico. Tecnologias nascidas no sigilo da caserna beneficiam toda a sociedade. A comida enlatada e o café solúvel surgiram da necessidade de os soldados se alimentarem no front na primeira metade do século XX. A propulsão a jato, o uso de radares, o domínio da energia nuclear e as primeiras gerações de antibióticos e anti-inflamatórios são consequências diretas da II Guerra Mundial. Com a mesma desenvoltura com que atuam em conflitos, engenheiros fardados costumam trabalhar igualmente em obras civis.
É o caso do U.S. Army Corps of Engineers, uma das unidades do Exército americano. A frenética atividade na ocupação do Iraque nos últimos anos não impediu que o grupo fosse designado para obras domésticas de emergência, como a reconstrução dos diques rompidos pelo furacão Katrina na cidade de Nova Orleans, em 2005. Por aqui, segue-se a mesma cartilha, com engenheiros do Exército dando expediente tanto na missão de paz em meio à devastação do Haiti quanto no projeto de transposição do Rio São Francisco. No caso brasileiro, eles saíram do prestigiado Instituto Militar de Engenharia (IME).
Na imensa maioria das universidades brasileiras, os alunos frequentam as aulas sem se preocupar com o comprimento dos cabelos, se usam bermudas ou jeans, tênis ou chinelos — afinal, certa dose de rebeldia, ao menos na aparência, é normal na vida acadêmica. Nas escolas militares, e particularmente no IME, as coisas não funcionam assim. Sediado em um prédio sisudo na Praia Vermelha, o instituto cultiva um regime rigoroso.
Os estudantes envergam o uniforme completo da corporação, sempre impecável. Não existem as salas dos centros acadêmicos nem bares barulhentos para a farra do pós-aula. A disciplina é, mais do que conduta, indissociável do ensino. Regularmente, os alunos participam de acampamentos militares que duram uma semana e envolvem missões relacionadas à especialidade que estudam. O quase insignificante índice de evasão — menos de 5% — mostra que a linha dura é aceita, até porque eles não têm alternativa. Mas há compensações no horizonte. "Quando saí do IME, pude escolher o emprego que eu queria", diz Lucas Bittencourt, 25 anos, diretor do site de compras coletivas Peixe Urbano.
Herdeiro de uma história que remonta a 1792, o IME é descendente direto da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, a primeira escola de engenharia das Américas. Após diversas mudanças de nome e endereço, assumiu o formato atual em 1959. Com mais de 100 engenheiros formados por ano, sem contar os 300 alunos que cursam mestrado e doutorado, o instituto investe firme em pesquisa.
Nos últimos dois anos, patenteou treze projetos. Um deles, liderado pelo tenente-coronel Alaelson Gomes, é revolucionário: uma forma de blindagem, mais leve e barata, que utiliza blocos convexos de cerâmica e é capaz de suportar tiros de munição antiaérea. "Aqui dentro há uma cultura fortíssima de inovação", orgulha-se ele. Em meio a pequenos blocos do material que criou, Gomes é apenas um exemplo do conhecimento que avança para além dos muros dos fortes e quartéis.