Razões das Derrotas Norte-Americanas nos Diversos Conflitos Contemporâneos
Reis Friede
Desembargador Federal; Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR). Correio eletrônico: reisfriede@hotmail.com
Os (relativos) insucessos, – e mesmo as incontestes derrotas militares -, dos Estados Unidos, em alguns conflitos localizados, podem (também) ser perfeitamente explicados pela recorrente e equivocada análise situacional, por parte dos agentes estadunidenses envolvidos (líderes políticos e também militares), como, igualmente, pela própria distorção perceptiva quanto à real dimensão do conflito.
No caso da Guerra da Coreia (1950-53), bem como no emblemático episódio da Guerra do Vietnã (1964-75), por exemplo, resta conclusivo que, em ambos os casos, não houve uma percepção clara, por parte dos líderes norte-americanos, de que não se tratava, nas hipóteses sub examen (como poderia aparentar através de uma análise superficial), de um simples confronto envolvendo pequenos países (desprovidos de capacidade econômica e militar) e, sim, ao reverso, de um conflito direto (no primeiro caso) e indireto (no segundo) com a China, com todo o seu (imensurável) potencial humano, acrescido de um amplo apoio econômico e militar da antiga União Soviética.
Provas irrefutáveis de tal premissa, – particularmente na Guerra da Indochina -, residem (além da condenável autolimitação do emprego do vasto poderio estadunidense, que, dentre outras consequências, permitiu o estabelecimento dos chamados "santuários comunistas" em territórios fronteiriços ao Vietnã do Sul) no (extraordinário) fato de que, não somente inocorreu, na hipótese, a mobilização de tropas regulares do Exército norte-americano (a Guerra do Vietnã foi travada, em sua maior parte, por conscritos e voluntários), como, ainda, durante as duas principais ofensivas contra o Vietnã do Sul, – ou seja, a ofensiva do Tet em 1968 e a denominada ofensiva Leste ou da Primavera em 1972 -, verificou-se, em ambos os casos (sem qualquer ressalva digna de menção), uma inconteste vitória militar norte-americana (através da efetiva contenção militar do adversário vietcong – e regular norte-vietnamita – nos dois eventos) com a marcante diferença.
Todavia, de que, na primeira hipótese, os Estados Unidos possuíam 530.000 soldados (sem contar os expressivos contingentes dos aliados, notadamente a Coreia do Sul, com 50 mil soldados), mas, em contrapartida, a China e a União Soviética apoiavam (plenamente) o Vietnã do Norte com todo o tipo de suporte econômico e militar (inclusive a primeira incentivando diretamente a mencionada ofensiva e contando com aproximadamente 320.000 efetivos estacionados no território do Vietnã do Norte), ao passo que, no segundo caso, as tropas terrestres estadunidenses, não obstante somassem pouco mais de 20.000 soldados, o Vietnã do Norte, em situação diametralmente oposta, já não contava com o apoio irrestrito da China (e nem de seus numerosos efetivos em seu território) e, muito menos, com o suporte econômico e militar da União Soviética, posto que ambas nações, em função da dinâmica das relações internacionais, estavam (muito mais) interessadas, neste segundo momento histórico, nos benefícios de uma distensão política com os EUA (do que propriamente com a eventual resolução definitiva do conflito vietnamita, a exemplo do que já havia ocorrido com a Coreia), sem mencionamos os graves incidentes fronteiriços entre a China e a URSS, que colocaram (diretamente) em lados opostos, especialmente a partir de 1968/69, antigos aliados comunistas, não obstante as reconhecidas divergências ideológicas que já existiam, entre ambas nações, desde a morte de STALIN e, especialmente, após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, ocasião em que NIKITA KRUSCHEV proferiu o seu famoso Discurso Secreto, condenando o stalinismo.
Na hipótese dos conflitos mais recentes, no Iraque (2003-2011) e no Afeganistão (2001-2014), faltou, de igual forma, uma maior nitidez perceptiva, por parte dos políticos e militares estadunidenses, no sentido de que também não se tratavam (ainda que com reconhecidas características de natureza de guerra irregular) de (simples) confrontos localizados, mas, em sentido diametralmente oposto, de conflitos de natureza transideológica, envolvendo o movimento transnacional jihadista ou, como bem descreve HUDSON (VALERIE M. HUDSON; Foreign Policy Analysis: Classic and Contemporary Theory, 2 ed., Boulder, Colorado: Rowman & Littlefield Publishers, 2013), um complexo e multifacetado conflito civilizatório de contraposições (pseudoexistenciais humanas) com matizes no Islã radical (e, consequentemente, em uma distorcida e equivocada interpretação do Alcorão).
O extraordinário sucesso dos Estados Unidos na Guerra do Golfo em 1991, portanto, mais do que qualquer outro fator isolado (inclusive de natureza tecnológico-militar), tem como principal componente o fato de que (naquele exato momento geopolítico) não existia, de um lado, nem uma superpotência (plenamente ativa) apoiando o Iraque, como, de outro, igualmente não havia um movimento (verdadeiramente organizado e, sobretudo, política e militarmente eficiente), de índole transnacional e transideológica, e de natureza jihadista, contrário aos interesses dos Estados Unidos, mormente porque (dentre outros importantes fatores) a coalizão internacional, liderada pelos EUA, de forma muito inteligente, incluiu 15 países islâmicos (Arábia Saudita, Bahrein, Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Marrocos, Níger, Omã, Paquistão, Qatar, Senegal, Singapura, Síria e Turquia) no combate a uma causa comum: uma praticamente unânime e, consequentemente, condenável invasão (territorial) de um país soberano por outro (ambos muçulmanos).
Mais recentemente, podemos também citar, em necessário reforço argumentativo, que a icônica vitória do bloco saudita, em 6 de julho de 2017, – quando as forças de KHALIFA HAFTAR conseguiram retomar a cidade de Benghazi, na Líbia, que estava nas mãos de rebeldes islamistas -, somente foi possível (ou, no mínimo, amplamente facilitada) quando o Qatar, pressionado pelo embargo imposto pelos países do Golfo Pérsico e pelo Egito, finalmente deixou de apoiar (economicamente) os rebeldes, permitindo o necessário desequilíbrio de forças que acabou por conduzir à vitória do comandante militar líbio e de seus aliados sauditas.