Reis Friede
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF/2), Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF),Mestre e Doutor em Direito.
Correio Eletrônico: reisfriede@hotmail.com
Mais do que em qualquer oportunidade, resta fundamental diferenciar, – no contexto do estudo da fenomenologia das “Novas Guerras” -, as expressões opinião pública e opinião do público, posto que uma não se confunde com a outra, muito embora seja corrente, na linguística popular, a pseudo-sinonímia entre ambas.
Em essência, a primeira reflete a opinião publicada, divulgada e, portanto, formal, manipulada (ou, no mínimo, manipulável) por sua própria característica formalizante e continente, e, portanto, pode ser traduzida de uma inverdade.
“A verdade é uma mentira bem contada.” (ANDRÉ MIRANDA; Sobre a Boneca de Pano Emília de Monteiro Lobato, O Globo – Rio Show, 13/01/2018, p.11)
“Muitas vezes a verdade é menos importante que a versão que se deseja acreditar.” (REIS FRIEDE; Fragmento de Palestra proferida na Escola Superior de Guerra sobre o Poder Judiciário no século XXI, em 02/08/2017)
A segunda, ao contrário, possui o conteúdo (e não apenas o continente ou o envoltório da forma), a substância e, por que não dizer, o mérito do substrato último da genuína opinião, ainda que oculta, por não manifesta (e, por esta específica razão, não passível de qualquer tipo de distorção ou mesmo manipulação).
A opinião do público é, nesse aspecto, a opinião do povo (transcendendo o simples conceito de opinião popular), diferentemente da opinião pública que, na maioria dos casos, é simplesmente a opinião de algum grupo ou de algum setor da sociedade, interessado, única e exclusivamente, em legitimar (ou mesmo mascarar) fatos e evidências (e/ou a própria percepção dos mesmos pelo povo ou por uma parcela da população de uma determinada localidade), por meio da divulgação e, consequentemente, formalização (manipulada e distorcida) da opinião do público, artificializando-a de modo a atingir propósitos políticos, sociais e militares como efetiva arma de guerra.
“A mídia (mormente em países em conflito) cria diariamente a sua própria narrativa sobre o mundo e a apresenta ao público como se essa narrativa fosse a própria história do mundo. Os fatos, transformados em notícia, são descritos como eventos autônomos, completos em si mesmos.” (JOSÉ ARBEX JR.; Telejornovelismo: Mídia e História no Contexto da Guerra do Golfo, São Paulo, USP, 2000, p.67)
“(…) a opinião pública não nasce no abstrato. Forma-se a partir da informação de que dispõe a sociedade. Nesse sentido, a opinião pública é, na maior parte das vezes, filha dileta da opinião publicada e divulgada maciçamente pelos meios de comunicação.” (RENATO DE MORAES; Constituição, Doa a Quem Doer, O Globo, 02/06/2018, p.17)
Na era contemporânea, notavelmente, a chamada “Guerra Informática” (em verdade, “embates informáticos”) passou a ter um destaque maior, – na especial qualidade de novo fenômeno inerente ao contexto das denominadas “Novas Guerras” -, tornando ainda mais crítica (e perceptível) a diferença entre a realidade projetada (através do que convencionou-se categorizar como “opinião pública”) e a realidade efetiva (ou opinião do público).
Sobre a netwar (ou seja, a chamada ‘Guerra Informática’, realizada pelo emprego sistêmico das ‘redes’ para controlar a mídia como instrumento de combate), a obra-padrão é The Advent of Netwar, de John Arquilla e David F. Ronfeldt, publicado pela Rand Corporation, que pode ser encontrada no site http://www.rand.org/publications/MR/MR789/ . (acesso em: 20/08/2018).
A eficácia do uso da técnica é variável. Entretanto, comprovado e inequívoco é o seu efeito mercadológico, ao menos nos EUA. Ao longo dos últimos anos, a credibilidade da grande mídia norte-americana – isto é, antiamericana – caiu vertiginosamente. Segundo pesquisa do ‘Project for Excellence in Journalism’ (Columbia University), a confiança nos jornais baixou de oitenta por cento para vinte por cento. Hoje, só um entre cada cinco americanos acredita nas notícias que lê. (…)” (OLAVO DE CARVALHO; Diferenças Gritantes, O Globo, 15/05/2014)
Aliás, nesse contexto analítico, nunca é demais lembrar a visão de MAX WEBER, segundo a qual repetir a mentira (interpretativa) por diversas vezes resulta em transformá-la em verdade (factual), o que bem reflete a concepção da formação da opinião pública pelos meios de comunicação de massa, mormente nos países que se encontram, de alguma forma, inseridos no ambiente de “Novas Guerras”, como, ainda, naqueles cujo regime político democrático é meramente aparente ou formal.
“Não existem (propriamente) fatos, apenas interpretações.” (FRIEDRICH NIETZSCHE; fragmento textual, 1887)
Ademais, resta oportuno consignar que opiniões (de modo geral) não exprimem certezas. Os fatos (ou seja, todos os acontecimentos inerentes à vida real) necessariamente possuem versões que são naturalmente traduzidas por narrativasque, entretanto, nem sempre correspondem à realidade.
“(O problema é que os fatos sempre) podem ser avaliados de maneira distinta e nomeados por meio de palavras e fórmulas diferentes.” (VLADIMIR PUTIN; Oliver Stone: As Entrevistas de Putin, Rio de Janeiro, Ed. Best Seller, 2017, p. 89)
A narrativa que despreza o valor do conhecimento dos fatos reais, e que simplesmente é ofertada, – ocultando e/ou dissimulando interesses muitas vezes inconfessáveis -, representa exatamente o que convencionou-se denominar de opinião pública, mormente nas sociedades pouco desenvolvidas, em que o valor da busca exaustiva pela verdade aparenta ser muito pouco atrativa (e mesmo pouco recomendável) por parte das elites dirigentes e, ainda com maior ênfase, nos territórios transnacionais que se constituem nas porções geográficas dominadas pelo espectro operativo das “Novas Guerras”.
“Uma questão que intriga (…) é constatar da facilidade com que opiniões tendem a ser tratadas como certezas e o quanto tais certezas privam as pessoas de sua lucidez (…) Versões ‘mais interessantes’ ou ‘mais agradáveis’(e, sobretudo, maciçamente repetidas) tendem a substituir o interesse pela verdade. Muitas pessoas preferem uma narrativa que é oferecida pronta, no lugar da exaustiva, e por vezes dolorosa, busca da verdade dos fatos. (…)”(LUIZ ALBERTO PY; Certezas Alheias, O Globo, 24/06/2018, p. 15)
Não é por outra razão que a história (na qualidade de disciplina científica) jamais pode se assentar em uma única versão, principalmente em situações(pontuadas pela geografia e/ou pelo tempo e, consequentemente, pelas circunstâncias) em que inexiste uma genuína Imprensa (e apenas e tão somente ‘veículos de comunicação’ cujo principal objetivo pode ser muito distante daquele “modelado” pelas democracias liberais, incluindo a irradiação de uma ideologiaou mesmo projeções de “ambientações” muito distantes da realidade), verdadeiramente comprometida com a busca pela chamada ‘verdade factual’:
“Quando se trata de aprender história, não devemos acreditar cegamente em uma versão apenas porque é mais divulgada, seja na mídia, em livros, internet, etc. Quanto mais fontes for possível consultar, melhor, uma vez que a história pode sofrer (lamentáveis) falsificações e omissões.” (MAURO KRAENSKI, CLADIMÍR PETRILÁK; 1964: O Elo Perdido, 1ª ed., Campinas, VIDE Editorial, 2017, p. 478)
Portanto, se é fato conclusivo que a liberdade de informação é um dos pilares fundamentais da democracia, é igualmente importante consignar que esta não se confunde com a ampla (e ilimitada) liberdade de opinião (típico do chamado “jornalismo opinativo”, que funciona muito bem como instrumento de dominação em um cenário de “Novas Guerras”), ainda que esta última também possa vir a ser, – mesmo que reconhecidamente em menor expressão (e envergadura) –, aspecto basilar do regime democrático.
“A liberdade de informação (e não a liberdade de opinião) é dever do jornalista e direito do público.”(BARBOSA LIMA SOBRINHO; Presidente da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, em 17/07/2000, O Globo, 12/04/2018, p. 17)