Guilherme Fiuza é jornalista
Donald Trump ainda não estreou, mas o pranto desesperado de Hollywood em memória de Barack Obama já é o Oscar de melhor comédia. Não se sabe ao certo o que o agente laranja vai aprontar no poder. O que se sabe e se viu foram os lábios trêmulos e a voz embargada de Meryl Streep defendendo um governo marqueteiro, populista e medíocre. Cada um com a sua comoção.
Hollywood acredita em Robin Hood. Ou, mais precisamente: metade quer acreditar, e metade finge que acredita. A Meca do cinema conhece o poder de uma lenda — tudo está bem se acaba bem (com bons personagens e muita emoção). Foi assim que alguns astros hollywoodianos ungiram Hugo Chávez e Nicolás Maduro como heróis dos pobres sul-americanos. O sangue derramado, a liberdade ceifada e a devastação econômica não entraram no filme. Não devem ter cabido no roteiro.
A lenda de Obama começa com um final feliz. Coisa de gênio, sem precedentes. No que pôs os pés na Casa Branca, o presidente foi agraciado com o Nobel da Paz — o primeiro Nobel pré-datado da história. Quem haveria de contestar a escolha, diante do sorriso largo, da elegância e do alto astral do primeiro presidente negro dos EUA, exorcizando a carranca do Bush?
O problema de uma história que começa com final feliz é você ter que assistir ao resto de olhos fechados, para não estragar. Foi o que fez a claque mundial de Barack Obama nos oito anos que faltavam.
Os críticos dizem que foi um governo desastroso. Inocentes — não sabem o que é uma temporada com o Partido dos Trabalhadores. O Partido Democrata fez um governo medíocre, recostado à sombra do mito. E para corresponder à mitologia, aumentou alegremente as taxações e a dívida pública (100%), porque é assim que faz um Robin Hood. A diferença é que na vida real há uma floresta de burocratas no caminho, engordando com o dinheiro dos pobres. Uma Sherwood estatal.
Esse populismo perdulário, de verniz progressista, ancorado num líder identificado com os menos favorecidos — receita conhecida dos brasileiros — costuma ser muito saudável para quem está no poder. O problema é o bolso do eleitor, que não se comove com presidente fanfarrão, canastrão ou chorão. As caras e bocas de Obama devem ter enchido os olhos de Meryl Streep — mas, quando esvaziam o bolso do contribuinte, não tem jeito. A economia americana engasgou com as prendas estatais do presidente bonzinho, e as urnas mandaram a conta.
Só que a lenda está a salvo disso tudo, e a claque não se entrega — como foi visto na histórica cerimônia do Globo de Ouro. O transtorno da elite cultural americana é tal, que os bombardeios de Obama ficam parecendo chuva de pétalas — mesmo quando destroem um hospital. Um cara tão gente boa não pode ser um dos presidentes que mais agiram contra as investigações da imprensa no país — e claro que o megaesquema de espionagem do caso NSA foi sem querer. Barack é do bem.
Dizem que Donald Trump vai provocar uma guerra mundial. É o chilique com efeitos especiais. Mas se isso acontecer, se o planeta virar mesmo um cogumelo, a claque do Obama estará de parabéns. Graças a ela, aos patrulheiros das boas maneiras ideológicas, aos gigolôs da virtude, enfim, a toda essa gente legal que vive de industrializar a piedade, o bufão alaranjado emergiu. Ele é a resposta dos mortais à ditadura dos coitados.
Só um caminhão de demagogia sobre imigrantes, impondo o falso dilema da xenofobia, poderia transformar um muro em protagonista eleitoral na maior democracia do mundo. Xenófobos são sempre retrógrados — a civilização foi feita de migrações. Mas imigrantes e refugiados ganharam passaporte diplomático no mundo da lua dos demagogos, onde sempre cabe mais um.
Demagogia atrai demagogia — em igual intensidade e sentido contrário. Aí veio o troco do agente laranja, e agora Meryl Streep está fingindo que a escolha dos americanos discrimina Hollywood. É de morrer de pena.
É duro ver artistas esplendorosos fazendo papel de tolos com cara de revolucionários. Resta aos fãs fazer como eles: fechar os olhos para não estragar a história. E resta ao mundo parar de mimar os coitados profissionais. Eles custam caro.
Obama se despediu repetindo o “Yes, we can”. Não, companheiro. Não podemos mais viver de slogans espertos e governantes débeis. A paz mundial não avançou um milímetro enquanto o Nobel pré-datado engatinhava em seu gabinete, entre outras gracinhas ensaiadas. A Faixa de Gaza e o Estado Islâmico não têm a menor sensibilidade para as atrações da Disney.
Obama disse que Lula era o cara. A Lava-Jato provou que era mesmo. Cada um com sua lenda. E você com a conta. Mas não fique aí parado. Faça como a Meryl: chore.