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O que move os homens-bomba

HUMBERTO TREZZI
Jornalista resenhou o livro para o caderno Cultura de Zero Hora

O uso da autoimolação como forma de terrorismo existe desde tempos imemoriais – vide a seita dos Assassinos, na Pérsia da Idade Média, que deu origem ao termo universal pelo qual são conhecidos os homicidas. Aniquilavam o inimigo, mesmo à custa da própria vida. Mas nunca, como em 11 de Setembro de 2001, no ataque às Torres Gêmeas de Nova York, o mundo tinha se impactado tanto diante de um pelotão de matadores suicidas. Foram quase 3 mil vítimas. Por quê? O que faz pessoas renunciarem à vida em nome de uma causa? Iluminar essas questões é a tentativa do psicanalista gaúcho Nelson Asnis. Ele buscou a resposta em ruas do Oriente Médio e com migrantes muçulmanos radicados no Brasil. O resultado é Homem Bomba -– O Sacrifício das Pulsões.

Freudiano até a medula, Asnis tentou ao longo de anos descobrir se o mecanismo desencadeador dos homens-bomba se aproxima daquele do suicida clássico – a morte para encerrar uma dor psicológica insuportável, como solução para um sofrimento muito intenso. Freud, pontua Asnis, deduziu que o homem está submetido sempre a duas pulsões antagônicas, a da vida (Eros ou erótica) e a da morte (Tanatos ou destrutiva). É do choque entre as duas e do controle das pulsões que surgem as civilizações. Ora, para o suicida melancólico (depressivo), pôr fim à vida seria uma forma de autopunição, a pulsão mortífera colocando fim a um mar de contradições internas.

O livro demonstra que o suicídio, por atentar contra a maior benesse humana, é condenado totalmente pelas três grandes religiões monoteístas: o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Tirar a vida seria uma decisão que cabe apenas a Deus, não aos homens. Sequer em meio ao sofrimento seria permitido ao humano a fuga suicida, por estar renunciando a um bem divino.
 

“"Se esse jovem não tem esperança, é fácil ser cooptado. Uma parte das pessoas que vivem dentro desse universo acha que realmente é essa a saída… Já os líderes, eles sabem muito bem o que estão fazendo. Não vou dizer que eles não tenham fé, mas digo que eles manipulam os textos sagrados deliberadamente para cooptar esses jovens. Por que eles não colocam o próprio filho?”"

Simone, 25 anos, casada, com Ensino Superior, muçulmana tradicionalista.

“"Mas aí, nesse caso, é uma coisa de defesa, porque ele não está se suicidando, ele está lutando… e sabe que o preço da luta dele é entregar o seu corpo, entregar a sua vida. Não tem outra arma para lutar a não ser aquela… Não é um suicídio, não é uma vida posta fora por ‘Ah, estou deprimido, estou com medo, vou me matar’… Isso é opinião minha. É o patriotismo como questão de sobrevivência, não da sua, porque ele vai morrer ali mesmo, mas dos que vão ficar. Uma garantia de boa sobrevivência para os que vão ficar”,"

Ivo, 65 anos, solteiro, com Ensino Superior, muçulmano com valores fundamentalistas


Asnis logo descobriu, por meio de entrevistas, que o mecanismo freudiano das pulsões e a noção de pecado imposta pela religião passa longe da mente dos homens-bomba. Para algumas formas fundamentalistas de culto, sobretudo dentro do islamismo, o suicida que leva junto seus inimigos estaria cometendo um ato heroico – o oposto da covardia depressiva. Aquilo que para os ocidentais é um ato terrorista seria, para muçulmanos radicalizados, motivo de júbilo.

Em cinco entrevistas com muçulmanos de diversas nações, fica claro que a maioria absoluta deles condena qualquer forma de suicídio, inclusive a dos homens-bomba. Eles informam também como os fundamentalistas escolhem, em seu rebanho, os que poderão virar instrumento da morte: gente influenciável, de situação econômica desfavorável, sem vínculos maiores com namoradas, obediente aos ditames da religião – inclusive ao ditame que recomenda acordar às 4h para a primeira reza do dia. Asnis nos explica que, em alguns lugares do Oriente Médio, a família do suicida recebe estímulos: até US$ 5 mil como doação por parte da organização terrorista, auxílio em alimentos e, sobretudo, garantia de homenagens. O homem-bomba e seus parentes passam a ser considerados mártires.

 – Alguns jornais publicam fotos do homem-bomba em meio à família, traçando um perfil heroico do morto – registra o psicanalista.

Ou seja, o suicídio encarado como valentia e não como covardia. Mesmo que o preço dessa bravata sejam várias vidas de inocentes, pessoas que apenas passavam pelo local do atentado.

E como driblar essa armadilha filosófica, que resulta em mortes reais? As respostas parecem estar com os próprios muçulmanos. Dentre os entrevistados do livro, quase todos demonstram compaixão – aquele que deveria ser o atributo-mor das religiões. Condenam de forma severa o suicídio e o assassinato, mesmo de desafetos. Encaram o homem-bomba como um traidor dos princípios do islamismo, já que só a Deus é permitido tirar vidas. Acreditam que ao terrorista está reservado o inferno, não o paraíso. E não encaram o atentado como gesto altruísta, já que morrem nele muitas pessoas que nada sabem sobre a causa desfraldada pelo assassino. Ou seja, a preservação da vida ainda é um valor absoluto, inclusive para os que têm fé intensa.

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