Editorial – O Globo
Deixar crianças longe da escola foi um crime
O Globo
Editorial
12 Dezembro 2021
Foi um crime — não há outra palavra — manter as crianças longe da escola por tantos meses. Um crime de reparação longa e custosa, que deixará marcas profundas em toda uma geração. É essa a conclusão inescapável a tirar do relatório “A path to recovery” (Um caminho para a recuperação), iniciativa conjunta de Unesco, Unicef e Banco Mundial publicada neste mês.
O fechamento das escolas, avalia o relatório, afetou 1,6 bilhão de crianças em 188 países. Na média, foram 121 dias de aula totalmente perdidos e 103 parcialmente. O ensino remoto ou híbrido apresentou resultados insatisfatórios, e a perda de aprendizado foi brutal. Quase dois anos depois da eclosão da pandemia, as aulas não tinham voltado ao normal para mais de 400 milhões. O documento estima em US$ 17 trilhões, ou 14% do PIB mundial, as perdas ao longo da vida dos afetados. Obviamente, os danos não se resumem ao custo econômico.
“Crianças retrocederam na maioria ou em todo o conteúdo acadêmico que teriam adquirido, com as mais jovens e mais marginalizadas perdendo mais”, afirma o documento. Entre casos levantados em dezenas de países, o exemplo de São Paulo é explorado a fundo. Desde o início da pandemia, avalia o relatório, as crianças paulistas aprenderam apenas 27,5% do que teriam aprendido com aulas presenciais. Pelos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), recuaram ao nível de 14 anos atrás em matemática e de dez anos atrás em português.
O quadro paulista pode ser considerado até privilegiado em relação ao resto do país. No resto do mundo, o drama se repete: Índia, Rússia, Indonésia, Paquistão, Nigéria, Uganda, Estados Unidos, Holanda, Itália, Reino Unido, onde quer que tenha havido ensino remoto, houve queda no aprendizado.
Uma exceção notável foi o Uruguai. Por lá, duas iniciativas contribuíram para mitigar as perdas: o investimento (anterior à pandemia) na conectividade digital para todos os estudantes e a retomada mais rápida das aulas presenciais, sobretudo em zonas rurais e populações vulneráveis. Mesmo a reabertura parcial resultou em perdas menores no Brasil, constatou um estudo citado.
A questão agora é como resgatar o que foi perdido. “As consequências para a geração atual de crianças e jovens serão duradouras se não agirmos rápido”, afirma o documento. A primeira — e mais óbvia — medida é reabrir as escolas imediatamente. Nesse ponto, apesar das resistências e exceções, até que o Brasil já tomou a atitude sensata. Mas só isso não basta.
“Para evitar que as perdas se tornem permanentes, é essencial que os países implementem um pacote de recuperação do aprendizado; mesmo que o conjunto específico de intervenções possa ser diferente, o objetivo deveria ser garantir que as crianças e adolescentes fiquem na escola e alcancem pelo menos o mesmo nível de competência das gerações que não foram expostas à pandemia.”
As ferramentas sugeridas pelo relatório para isso vão da ampliação da carga horária à revisão de metodologia e pedagogia. Mas primeiro é preciso entender a urgência da questão. Ela deveria ser a prioridade imediata não apenas do ministério ou das secretarias estaduais e municipais de educação, mas de todos os candidatos que tentarão conquistar o voto dos brasileiros nas urnas no ano que vem. Ignorá-la seria cometer um novo crime contra as mesmas vítimas: nossas crianças e nosso futuro.