Edson Kuramoto
A indústria nuclear no mundo inteiro vem reavaliando políticas e procedimentos operacionais das usinas nucleares depois do terremoto e do tsunami que atingiram o Japão em março, provocando o acidente na central de Fukushima. As lições a serem aprendidas com esse grave episódio vão balizar ações para reforçar a segurança das instalações nucleares quando desafiadas por tragédias naturais e Fukushima, para o setor, representa uma oportunidade histórica de aperfeiçoamento – e não de recuo, como disseminaram críticos apressados da energia nuclear.
O fato é que a maioria dos países que possuem usinas nucleares decidiu manter seus programas, por reconhecer a importância dessa fonte em sua matriz energética. Foi o caso da França, Rússia, Índia e República Tcheca, que anunciaram publicamente, logo após o acidente de Fukushima, a continuidade de sua programação. O próprio Japão afirmou que manterá a energia nuclear em sua matriz, aprimorando a segurança das usinas localizadas em áreas sujeitas a tsunamis.
Estados Unidos e Inglaterra, que terminaram em maio suas primeiras revisões pós-Fukushima, não promoveram alterações em seus programas nucleares. Na Inglaterra, oito locais foram oficialmente confirmados como potencialmente adequados para abrigar novas unidades nucleares até 2025. Mais: Holanda, Polônia, Arábia Saudita, Egito, Austrália, África do Sul e Paquistão divulgaram sua disposição em começar ou dar continuidade à construção de usinas nucleares. Atualmente, 64 reatores estão sendo construídos no mundo.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), 90 usinas nucleares serão construídas até 2030, em uma projeção pessimista, e 350, numa projeção mais otimista. Isso porque as razões que levaram os países a optarem pela energia nuclear continuam, como as preocupações com o aquecimento global, o crescimento do consumo de energia, o constante aumento do preço dos combustíveis fósseis, em virtude do decréscimo das reservas mundiais, e a instabilidade política na principal região produtora de petróleo.
É importante ressaltar que os anúncios feitos pela Alemanha, Itália e Suíça sobre a interrupção de seus programas nucleares dizem respeito a decisões tomadas muito antes de Fukushima e que têm mais a ver com processos políticos internos desses países do que com a questão nuclear em si.
Para além de questões políticas, o que de prático está sendo feito no setor nuclear em relação ao acidente de Fukushima é a elaboração de um Plano de Ação, apresentado pela AIEA em 13 de setembro. O plano visa aumentar a segurança das usinas nucleares e existe um grande incentivo por parte da agência para que os países membros implementem as propostas, entre as quais se destaca a necessidade de se assegurar que a localização e o projeto de centrais nucleares incluam sistemas de proteção contra combinações raras e complexas de eventos externos.
Outra medida fundamental é a de que o projeto da instalação inclua necessariamente um "site seco", como medida de defesa contra inundações, bem como maior diversidade de sistemas críticos de segurança, separados fisicamente. As usinas devem contar com fontes alternativas para os casos de perda total de energia externa, dos dissipadores de calor ou dos sistemas de segurança de engenharia. Tais equipamentos devem estar armazenados em lugar seguro e em condições de fácil e rápido deslocamento.
Em sintonia com essa revisão global, o Brasil está procedendo a uma avaliação de seu programa para adequá-lo às recomendações de segurança da agência. Um dos itens principais se refere à prevenção contra abalos sísmicos e é bom ressaltar que Angra 1 e Angra 2 foram projetadas para resistir a eventos externos graves como terremotos e ondas de até 5 metros. Além dessas providências, durante o governo Lula foi iniciado o processo de criação da Agência Reguladora Nuclear Brasileira, o que está em consonância com a recomendação de independência da autoridade regulatória mundial do setor. O país também tem realizado de maneira sistemática os treinamentos do Plano de Emergência de Angra dos Reis.
Entretanto, outras medidas devem ser tomadas para garantir o desenvolvimento da tecnologia nuclear no país. É necessário modernizar e adequar o arcabouço legal do setor, como realizado em praticamente todos os países que dominam a tecnologia nuclear, para atender a demandas decorrentes de novas realidades da indústria, em virtude da reestruturação do Programa Nuclear Brasileiro. Entre outras questões, é preciso redefinir o licenciamento nuclear e ambiental, retirando as superposições de competências existentes atualmente, e conceber o Nuclear Act nacional, além de implementar uma política de formação de recursos humanos para reposição do atual e envelhecido quadro de especialistas.
No que se refere à segurança, não há qualquer razão para que o Brasil não prossiga com seu programa nuclear. O Brasil é um dos três países do mundo que dominam a tecnologia nuclear e possuem grandes reservas de urânio (os outros são EUA e Rússia). Angra 3 ficará pronta em 2015 e o planejamento energético até 2030 prevê a construção de pelo menos mais quatro usinas. Como vem acontecendo no cenário mundial, o país busca equacionar as dificuldades na composição de uma matriz energética segura e limpa, optando por incluir a energia nuclear. A contramão disso é comprometer o desenvolvimento do país ou investir no aquecimento global.
Edson Kuramoto é presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben)