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Novas Manifestações Democráticas e Antigas Dificuldades Republicanas

 


Major PMSP Eduardo de Oliveira Fernandes

Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança, especialista em Ciências Sociais, Bacharel em Direito,  professor de Ciência Política e Sociologia da Violência da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e da Faculdade Meritus de Ciências Humanas e Sociais. É autor da dissertação de mestrado intitulada de “Propostas de contenção e dissuasão do terrorismo criminoso praticado por facções do crime organizado” e do livro ”As Ações terroristas do crime organizado”.
 E-mail: edofer@uol.com.br

 

A recente onda de manifestações públicas verificada em território nacional, embora represente uma carga legítima de indignação e se constitua em uma caixa de ressonância das mais variadas demandas, ainda é um fenômeno social que carece de melhor dissecação e instrumentalização etiológica.
           
A mídia, de uma forma geral, insiste em tratar o tema de forma a superestimar e enquadrar os eventuais desvios ou excessos das ações de polícia no mesmo patamar ou até mesmo em direta concorrência com saques, incêndios criminosos, depredações, invasões de prédios e repartições públicas, práticas de violência, reservando aos agentes responsáveis pela aplicação da lei um tratamento indigente típico de “O Incrível Exército de Brancaleone”.
           
O desconhecimento do papel da polícia em um Estado Democrático de Direito tem provocado, de maneira recorrente, interpretações reducionistas e, por vezes, precipitadas sobre o que realmente a sociedade espera de sua atuação para situações agudas como as das atuais manifestações e que envolvem diretamente a segurança pública, ordem pública, direito de ir e vir, preservação do patrimônio, respeito às autoridades constituídas e, sobretudo, o direito de manifestar-se.
           
Uma análise rasa e, por vezes, repetida é a de que estamos diante de manifestações pacíficas e democráticas, sendo certo que em alguns momentos e apenas em alguns singulares episódios, uma minoria, composta naturalmente por alguns pretensos infiltrados, utiliza do recurso da violência, sem que isso macule, o papel de seus supostos líderes, que nesse caso estão blindados pelo fato de serem os legítimos porta-vozes do discurso vernacular da mudança.
           
Do outro lado do front, o Estado e seu governo de plantão com os já conhecidos pressupostos de legalidade, legitimidade e detenção do monopólio da violência legítima, prostram-se diante da maldita e bem encaminhada herança política e eleitoral, caso decidam pelo enfrentamento de hordas e grupos que recorram ao uso indiscriminado da violência, mesmo que diante de flagrantes atos criminosos exibidos, na maioria das vezes, em horário nobre da televisão e diante de olhares atônitos dos incautos telespectadores.
           
Seja pela ação ou omissão e até mesmo da sempre lembrada e indigente pecha do já superado entulho autoritário, o aparelho policial do Estado e, sobretudo, a Polícia Militar, instituição responsável pela preservação e manutenção da ordem pública, tanto pela sua missão constitucional como pela sua vocação legalista, jamais se afasta da incansável lida de exibir o seu rosto, independente do desafio que lhe é imposto, ora diante de uma manifestação supostamente ordeira ou na difícil tentativa de conter e dissuadir a ação de grupos insurretos, fato este facilmente demonstrado pela mídia nos últimos dias quando das mais variadas explicitações de violência.
           
Convém lembrar que, se de um lado, os valores democráticos permitem ocupar ruas e corredores de grande acesso e tráfego incessante, em nome de pretensas reformas, em posição diversa, mas ainda em perfeita consonância com os mesmos princípios norteadores, os ideais republicanos não podem ser esquecidos, sob o risco de a res publica (coisa pública) ser relegada a um plano inferior.
           
A defesa dos valores republicanos e democráticos é parte inalienável de uma agenda intocável de qualquer sociedade que tencione alcançar uma razoabilidade mínima de convivência social madura, garantindo o bom funcionamento do Estado, governo, sociedade civil e de todos os demais entes, incluindo nesse rol as pessoas físicas e jurídicas.

A ordem pública, por seu turno, em virtude de constituir-se uma faculdade imprescindível para a garantia das relações entre os diferentes atores sociais e políticos, precisa ser garantida pelas instituições responsáveis por sua defesa, mesmo que para tal tenhamos que conviver momentaneamente do uso progressivo de armas não letais, tais como bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e com o concurso de grupos de policiais especializados e preparados, empunhando cassetetes e escudos em nome de uma esquecida maioria que necessita trabalhar, estudar e realizar as suas mais comezinhas regras de convivência.
           
O desafio intransigente de se manter a segurança e a ordem pública pressupõe uma ação enérgica visando à garantia da estrutura político-social, sem a qual poderemos alcançar um quadro mais ameaçador a que se convencionou nominar de quebra da ordem interna (segurança esta proporcionada ao próprio Estado, antepondo-se a ameaças internas), pelo que, de forma extravagante, extrapolaremos o concurso das forças policiais (responsáveis pela segurança proporcionada pelo Estado aos indivíduos, incluindo seus bens e direitos), necessitando da intervenção das Forças Armadas, situação esta não desejada por nossa perene sociedade democrática e que certamente provocará críticas e interpretações de há muito tempo já muito conhecidas.       

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