ROBERTA MACHADO
Há mais de um século, o modelo é o mesmo. O relógio marca a energia recebida, um funcionário confere pessoalmente a medição todos os meses, e a companhia distribuidora cobra o consumidor de acordo com a quantidade de eletricidade gasta. Agora, chegou a hora de dar inteligência à rede elétrica. A chamada smart grid abre uma via de mão dupla na desgastada relação entre concessionária e público, dando ao consumidor o poder de gerenciar o que gasta e de até mesmo produzir a própria energia. A medida, já em uso em países como Japão e Estados Unidos, deve ter os primeiros testes no Brasil a partir de 2013.
Com a rede inteligente, some a figura do leiturista e entra em cena o medidor digital, que envia informações periódicas diretamente para a distribuidora. O próprio consumidor pode conferir no novo relógio o consumo registrado até determinado momento e evitar sustos com a conta no fim do mês. O aparelho de última geração também permite a adoção da tarifa branca, que estipula cobranças diferenciadas de acordo com o horário. Mudar o banho para a hora de baixa demanda, por exemplo, pode significar uma economia sem a necessidade de cortes no consumo.
"Quando temos o valor da energia, temos a inteligência que vai nos permitir fazer a verificação no uso dela. É como a conta do telefone: nós sabemos o quanto estamos pagando porque a conta vem discriminada", explica Carlos Alerto Fróes Lima, engenheiro mecânico que escolheu a smart grid como tema de sua tese de doutorado na Unicamp. A companhia também ganha com a rede inteligente, pois os sensores avisam sobre qualquer problema na transmissão em tempo real, e ainda permitem a resolução de alguns deles sem a necessidade de um técnico.
Entre as novidades trazidas pela nova tecnologia, contudo, a mais significativa talvez seja a integração de milhares de novos produtores ao sistema: os usuários de coletores de energia renovável. Hoje, o consumidor já pode instalar células fotovoltaicas ou microgeradores eólicos em casa, mas, se ele gerar mais do que consome, o saldo excedente precisa ser estocado em baterias ou é desperdiçado. Já com a rede digital, cada morador pode ser também um fornecedor, ao enviar esses watts a mais de volta para a rede. Com isso, o valor da conta pode ser reduzido.
Além disso, o novo sistema representa uma importante economia para as redes, ao aproximar a fonte produtora de energia dos consumidores. Em vez de investir milhões conectando regiões distantes, o próprio consumidor poderá transmitir a energia para a subestação, que vai alimentar a vizinhança sem necessidade de viagens longas ou conversões da energia. A maior quantidade de eletricidade no sistema e a economia dos horários de pico também podem adiar os constantes investimentos nas usinas e transmissores.
Vai e volta
Para saber quanta energia vem e volta da rede, o consumidor pode requisitar um medidor especial para a concessionária. "Ele vai precisar de um medidor especial, que faz a medição tanto do consumo dele quanto do que ele está injetando na rede", esclarece André Pepitone, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No Distrito Federal, o público tem direito à mudança desde o último dia 15. Depois que o próprio morador se encarregar de instalar os painéis ou microturbinas em casa, ele só precisa entrar em contato com a fornecedora de energia para pedir a troca do relógio. A distribuidora tem um prazo de 82 dias para fazer o parecer e a vistoria e instalar o ponto de conexão.
"A conexão em si não requisita a smart grid, mas ela pode potencializar o conhecimento da forma de uso da energia, tanto consumida quanto gerada", ressalta Luiz Hernandes, coordenador do grupo de smart grid do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). O monitoramento, de acordo com o especialista, poderá ser feito diretamente pelo computador ou pelo smartphone. "Acompanhando no dia a dia, ele poderia tomar decisões de desligar os painéis e reduzir a carga, ou até maximizar a venda de energia para a rede, caso haja estímulo de tarifa nesse sentido", exemplifica Hernandes.
Em outros países, essa gestão é fundamental para um saldo positivo na conta mensal. Quando o sistema smart foi implantado na Austrália, por exemplo, os clientes recebiam pela energia gerada um pagamento três vezes maior que a tarifa cobrada pelas concessionárias. Já no Brasil, o cálculo deve ser um pouco mais simples — e menos animador. "O relógio mede as duas (energia gasta e produzida) e depois faz um encontro de contas. Se der menor, o consumidor só paga a diferença. Se ele injetou mais do que consumiu, leva um crédito por três meses", adianta Pepitone.