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Lorenzo Carrasco – Quem manda na economia é a pandemia


Lorenzo Carrasco
Resenha Estratégica
MSIa

 
Em 27 de abril, após demitir o seu segundo ministro em meio à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro apressou-se em prestigiar o superministro Paulo Guedes, afirmando ser ele quem manda na economia. Ao lado do presidente, com a soberba inflada, após alguns dias de chiliques juvenis desencadeados pelo anúncio do Plano Pró-Brasil da Casa Civil da Presidência, o “superministro” voltou a manifestar o seu habitual alheamento diante da realidade nacional, prometendo a quimera de que o País “vai voltar à tranquilidade muito brevemente, muito antes do que todos esperam”. Afinal, justificou, “surpreendemos o mundo no ano passado, vamos surpreender o mundo de novo (sic)”.

No universo paralelo habitado por Guedes, cuja coreografia é desenhada pelos arautos do “mercado” (leiam-se bancos, financeiras e outros especuladores), o pífio crescimento de 1,1% do PIB em 2019 “surpreendeu” positivamente apenas ao próprio ministro e seus corifeus. Por outro lado, puderam regozijar-se com o desempenho recordista dos bancos e do setor financeiro em geral, em meio aos cinco anos de estagnação socioeconômica vividos pela esmagadora maioria da população brasileira, refletidos nos índices igualmente recordistas de desemprego, subemprego, desalento e capacidade produtiva ociosa.

Para a quase totalidade dos brasileiros, salvo o reduzido núcleo de privilegiados que vive na bolha dos serviços financeiros de um “capitalismo sem risco”, a realidade está sendo escancarada pela pandemia, expondo as mazelas decorrentes do descompromisso histórico com a construção de uma Nação moderna e comprometida com o Bem Comum, em especial, as deficiências de infraestrutura física e serviços básicos de saúde, que estão agravando sobremaneira o combate à pandemia.

Para todos os brasileiros dotados de um mínimo de sensibilidade social e com um sentido de responsabilidade coletiva pela construção de um futuro compartilhado, a pandemia está evidenciando a absoluta inviabilidade de continuação do modelo “balcão de negócios” na organização econômica do País, que tem prevalecido, com ênfase especial, desde o início da década de 1990, com a primazia dos interesses representados mercados financeiros na formulação das políticas públicas.

A pandemia está evidenciando a imperiosa necessidade de retomada da antiga aspiração referente a um projeto nacional de desenvolvimento, da capacidade de planejamento do estado brasileiro, em má hora abandonada em favor das ilusórias vantagens da malfadada globalização financeira, cuja disfuncionalidade civilizatória ficou exposta de forma insofismável sob o ataque do coronavírus.

Tal empreitada exigirá um amplo empenho de todos os setores da sociedade, não apenas das suas forças produtivas, para um esforço que será equivalente a uma mobilização nacional correspondente a um estado de guerra total, que se estenderá por anos após o encerramento da emergência sanitária da covid-19 – ou seja, não poderá limitar-se a um mero programa de governo, mas transcenderia o atual mandato presidencial.

Da mesma forma, salta aos olhos que tal mobilização terá que ser dirigida pelo Estado – e não pelos mercados -, em estreita sinergia com a iniciativa privada e a sociedade em geral, missão para a qual o Estado brasileiro está plenamente aparelhado, tanto em capacidade de investimentos como com os quadros técnicos necessários.

Para tanto, porém, será necessário superar o crucial obstáculo das amarras ideológicas que, nas últimas décadas, têm ancorado o Brasil em um pântano de virtual estagnação, conformismo e mediocridade.

Como afirmou a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, em sua coluna no “Estadão” de 29 de abril: “A economia e a população brasileiras precisam mais do que nunca que tabus sejam abandonados em prol do bem maior: a atenuação da crise humanitária provocada pela epidemia e pela crise econômica.

O momento é de pensar seriamente o papel do investimento público, como estão fazendo vários países mundo afora, e de lembrar que nossas deficiências de infraestrutura não serão sanadas sem o envolvimento do Estado. A falsa dicotomia entre Estado e mercado caducou. Viremos essa página.”

“Talvez, seja a hora de buscar a porta de saída”, disse de Bolle, referindo-se à inadequação da equipe do prestidigitador Guedes para o pós-pandemia (evidentemente, as restrições de viagens a Miami, Nova York, Londres e Paris, talvez, os obrigariam a conformar-se com um confinamento dourado no Leblon e outros bairros chiques do Rio e São Paulo).

De fato. Quem está no comando é a realidade imposta pela pandemia. Tratemos, pois, de obedecer a ela e virar essa página.

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