Nota DefesaNet Publicamos a matéria do jornal Valor pela sua importância. Recomendamos a leitura cuidadosa da entrevista a qual o jornal VALOR deu muito destaque. O Editor |
Um dos maiores estrategistas do PT, e um dos nomes mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — com quem se entende “por telepatia” — o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu está em campanha pelo Nordeste de divulgação de seu livro de memórias e pela eleição de Fernando Haddad à Presidência da República.
Depois de sobreviver às idas e vindas da prisão nos últimos cinco anos, condenado no âmbito do mensalão e da Lava-Jato, Dirceu está em plena forma física e continua influente no partido. Os atos de lançamento da obra são verdadeiras plenárias petistas, onde é recebido — sempre com o punho erguido — por centenas de militantes, ao som das palavras de ordem: “Lula livre” e “Brasil urgente, Haddad presidente”.
“É uma exigência dos amigos que me apoiaram, tenho que agradecer, as pessoas querem me abraçar; em parte elas estão vendo o Lula, abraçando o Lula”, afirma nesta entrevista ao Valor, que concedeu no ônibus, no trajeto de Recife a João Pessoa (PB).
Homem forte do governo Lula, até ser abatido pelo mensalão em 2015, Dirceu tem sido procurado e ouvido por líderes do PT e da esquerda sobre os rumos das campanhas, estaduais e presidencial.
Ele nega envolvimento com a campanha de Haddad, mas está a par das pesquisas internas e pede votos para o petista em entrevistas para rádios e jornais regionais, em palestras para apoiadores.
Nas escalas, reúne-se com os líderes locais: em Salvador, esteve com Jaques Wagner; no Recife, com o senador Humberto Costa; na Paraíba, jantou com o governador Ricardo Coutinho (PSB). Antes do primeiro turno, ele terá visitado oito capitais do Nordeste, além de Belém, no Pará.
Ao Valor, ele diz acreditar em um embate final entre Haddad e o deputado Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno, com o capitão da reserva chegando nesta fase com um “eleitorado consolidado de 30% a 35% dos votos”, enquanto o petista terá de 20% a 25%.
Aposta que será possível transferir “quase a totalidade” dos votos de Lula para Haddad, e que no Nordeste, o petista alcançará 60% dos votos.
Ele não descarta as chances de vitória de Bolsonaro, mas não atribui ao candidato do PSL a campanha de ódio disseminada pelo país. Dirceu afirma que a incitação à violência começou com as agressões aos petistas a partir do mensalão.
“Se ganharmos a eleição sem o Lula será uma derrota política para eles que cuspiram em nós, rasgaram nossas bandeiras, nos expulsaram dos lugares públicos, isso é violência e ódio”. Provoca: “Agora querem culpar Bolsonaro?”
Condenado em segunda instância pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato, ele aguarda em liberdade o julgamento de um recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Em maio deste ano, ele cumpria o fim da pena relativa ao mensalão em regime domiciliar, quando teve de se entregar para o início da execução da pena de 20 anos e 10 meses imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) relativa à Lava-Jato.
Um mês depois, entretanto, o Supremo Tribunal Federal concedeu-lhe um habeas corpus para aguardar o julgamento do apelo em liberdade. A decisão extinguiu as medidas cautelares que haviam sido impostas pelo juiz Sergio Moro, como o uso de tornozeleira eletrônica ou restrições de viagens. Sua situação jurídica é a mesma de Lula, mas ele obteve o habeas corpus que foi negado ao ex-presidente.
Na turnê do livro “Zé Dirceu: Memórias”, ele viaja em um confortável ônibus alugado pela editora, acompanhado da companheira Simone e da filha de sete anos, Maria Antônia, a quem dedica o livro. Aos 72 anos, ele está bem e tranquilo. “Não fujo a prestar contas com a Justiça, eu cumpri minha pena, e se for condenado de novo, mesmo se for injusta, vou cumprir”.
Forjado na “luta e no combate”, ele só se dobra, nessa altura da vida, à criança que lhe impõe hora de voltar para casa. “Pai, que horas você chega?”, cobra Maria Antônia. “Antes de meia-noite”. Ela protesta. “Onze e quarenta e cinco”, negocia o líder político, antes de se dirigir ao jantar com o governador da Paraíba.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: O PT estará no segundo turno contra Jair Bolsonaro?
José Dirceu: As pesquisas indicam isso e a conjuntura política também. Bolsonaro tem um eleitorado consolidado de 30% a 35% dos votos, e o Haddad terá cerca de 20% a 25%. Então são 60% dos votos já mais ou menos consolidados, acho improvável que outro candidato chegue aos 20%. O Ciro [Gomes, do PDT] pode manter essa média de 13% a 15%, mas não acredito que passe disso.
Valor: Haddad ainda tem margem de crescimento?
Dirceu: Ele pode chegar nos 30%, não é impossível. Mas depende da campanha, dos debates, dos incidentes. Porque não existe candidato do governo nem dos governos do PSDB. No Nordeste, Haddad vai ter 60% dos votos, pode escrever.
Valor: O senhor tem receio do voto útil em Ciro Gomes, porque Haddad é o único que não vence Bolsonaro no segundo turno?
Dirceu: Não acredito em voto útil para o Ciro, mas vai funcionar para o Haddad que está na frente.
Valor: Bolsonaro cresce mais, depois que deixar o hospital?
Dirceu: No Brasil, 45% dos votos são nossos, e 45% dos conservadores. Se o Alckmin não consegue empolgar esse eleitorado, esses eleitores correm para o Bolsonaro, nem tapam o nariz. Se votaram no [Fernando] Collor e em Jânio [Quadros] por que não votariam no Bolsonaro?
Valor: Então pela história, Bolsonaro está quase eleito?
Dirceu: Não é assim, naquela época [de Jânio] não tinha o PT e não tinha Lula. E quando elegeram Collor, o PT não tinha o eleitorado consolidado que tem hoje.
Valor: O senhor foi um dos articuladores do apoio do PSDB a Lula em 1989. Os tucanos apoiariam Haddad contra Bolsonaro?
Dirceu: O PSDB não comanda o eleitorado dele. Primeiro vamos ver quantos por cento do eleitorado vai votar no Alckmin. Os movimentos de alianças para o segundo turno vão começar a acontecer nesta semana, quando as forças políticas começarem a se posicionar. Valor: Quais forças políticas? Dirceu: A eleição não é só o candidato, é a base que ele conquistou. Entra em campo uma máquina no segundo turno de prefeitos e governadores, nós vamos eleger quase todos os governadores pró-Lula do Nordeste, isso é uma força muito grande.
Valor: Se Haddad for para o segundo turno, Ciro Gomes estará com ele?
Dirceu: O Ciro já está conosco, ele já declarou que vota contra o Bolsonaro, até o Fernando Henrique [Cardoso] falou isso
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“Se ganharmos a eleição sem o Lula será uma derrota política para os que nos expulsaram dos lugares públicos” |
Valor: Vocês estão preocupados em neutralizar o antipetismo para vencer Bolsonaro?
Dirceu: Não existe antipetismo, o que tem é o eleitor que não é petista, é natural que o eleitor conservador não vote no PT. Como falar de antipetismo se Lula tem 45% de intenções de voto? O PT tem 22% de rejeição, a mais baixa da série histórica, tem 29% da preferência dos brasileiros, será o partido mais votado para a Câmara dos Deputados.
Valor: Haddad não era o preferido do PT para o lugar de Lula…
Dirceu: Era sim, o PT tinha dois nomes desde o começo: Jaques Wagner e Haddad.
Valor: A maioria preferia Wagner, não foi uma espécie de traição ele dizer não ao Lula?
Dirceu: Não faço nenhuma crítica ao Wagner, é um direito que ele tem. Ele foi franco e sincero desde o começo, quando disse que não queria, nós é que ficamos insistindo. Ele já deu provas mais do que suficientes de que é leal ao Lula e ao PT.
Valor: E o que o senhor acha de Haddad no lugar de Lula?
Dirceu: A maior vantagem do Haddad é que ele quer ser candidato, lutou pra ser e vai ser presidente.
Valor: Uma ala do PT reclama do estilo dele como prefeito de São Paulo, reservado e avesso a agendas com o povo.
Dirceu: Veja, 40% do PT sempre votou contra mim [para os cargos de direção do partido]. Isso faz parte do partido. Ele foi prefeito de São Paulo, fez um bom governo. Perdeu a eleição em 2016, e daí? O Fernando Henrique também perdeu a elei- ção pra prefeito de São Paulo [para Jânio em 1985].
Valor: Há no PT quem receie que ele repita Dilma Rousseff no estilo de governar, quanto à falta de acesso e de diálogo.
Dirceu: Dilma é Dilma, Haddad é Haddad. Todo mundo no PT conhece o Haddad da prefeitura, sabe defeitos e as qualidades dele. Como eu, as pessoas aprendem. Quem não aprende não vai a lugar nenhum. O Haddad, como qualquer ser humano, aprende.
Valor: Se Haddad se eleger, há quem diga que não conseguirá governar …
Dirceu: Isso aí falavam do Lula [em 2002], mas ele foi eleito e nós demos um banho de governo. Haddad vai assumir, se for eleito, e vai melhorar o ambiente político e a economia, vamos fazer a reforma tributária e do sistema bancário e financeiro.
Valor: Mas dizem que Haddad não controla o PT, quem vai governar? Dirceu: Do PT nós damos conta. Valor: Vocês esperavam que Lula, mesmo preso, transferisse votos?
Dirceu: Quando ele fez as caravanas pelo Nordeste [no começo do ano] isso estava claro. Dois terços do eleitorado é Lula.
Valor: No livro, o senhor diz que foi “abandonado à própria sorte” no mensalão. Tem mágoa de Lula?
Dirceu: Não tenho mágoa nem ressentimento, se tivesse estava morto há muito tempo.
Valor: Foi um erro Lula não se candidatar em 2014?
Dirceu: Claro que foi, mas ele tem as razões dele, um dia ele vai falar.
Valor: Quando se falaram pela última vez?
Dirceu: Depois de 2013, eu nunca mais conversei com o Lula. Valor: Nem por carta? Dirceu: Lula não gosta de carta. Pelo menos não gostava. Na transição de governo [em 2002] eu mandei uma carta pra ele, e ele falou: não faça mais isso. Mas fiz cartas pessoais pra ele quando estava preso.
Valor: O PT errou na indicação dos ministros do Supremo?
Dirceu: O PT indicou todos que tinham antecedentes que justificam a indicação. Se o [Edson] Fachin mudou, se o [Luís Roberto] Barroso mudou, se a Cármen Lúcia mudou, é problema deles. Cada um vai ter que explicar um dia por que toda a história anterior que eles tinham mudou.
Valor: Lula merece ser indultado se o Haddad ganhar a eleição?
Dirceu: Lula não aceita perdão nem prisão domiciliar e nem tornozeleira eletrônica. Mas esse é um poder discricionário do presidente. O [ministro] Barroso deu uma liminar assumindo o poder de presidente da República [ao mudar decreto de Michel Temer], é o Barroso quem deveria sofrer impeachment.