Marco Túlio Pires
O engenheiro e economista Carlos Américo Pacheco, empossado reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no final de 2011, tem uma dura missão pela frente: a ampliação da mais importante grife do ensino superior do país. Sua meta é dobrar o número de vagas nos cursos de graduação – pela primeira vez desde a criação do instituto, em 1947. "Podemos fazer isso sem comprometer a qualidade do ITA", diz Pacheco.
O ITA oferece atualmente 120 vagas para engenharia por ano. A partir de 2013, esse número deve subir para 240. "O Brasil carece de engenheiros especializados para levar ao próximo nível as indústrias de alta tecnologia que estão surgindo", diz Pacheco, em entrevista ao site de VEJA. "Precisamos de engenheiros de qualidade para lidar com questões estratégicas que estarão na agenda de médio e curto prazo do país"
O novo reitor, de 54 anos, foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia entre 1999 e 2002 e atuou como um dos principais articuladores dos projetos que resultaram na criação dos fundos setoriais e na Lei da Inovação, de 2004. No comando do instituto, pretende estimular a inovação, área que considera estratégica para o desenvolvimento do país. "Enquanto a inovação for um tema dos cientistas e dos gestores públicos, vamos avançar muito pouco", diz Pacheco. Confira abaixo trechos da entrevista:
O ITA quer duplicar o número de vagas para o ingresso na graduação. Por que duplicar e por que agora? A ampliação do ITA tem a ver com dois problemas que afetam o país atualmente: carência de engenheiros e má qualidade dos cursos. O Brasil está em uma condição muito ruim no que diz respeito ao número de engenheiros egressos por 1.000 habitantes. Precisamos de engenheiros de qualidade para lidar com questões estratégicas que estarão na agenda de médio e curto prazo do país, como a exploração do pré-sal, o desenvolvimento de tecnologias de defesa, o enriquecimento da indústria aeronáutica e o amadurecimento do setor aeroespacial. Por isso, é mais do que uma obrigação ampliar a escola. Podemos fazer isso sem comprometer a qualidade do ITA. No vestibular passado tivemos 400 alunos com nota mínima para ocupar as 120 vagas.
Quão longe está a duplicação do número de vagas? O projeto está formatado e nas mãos do Ministro da Defesa (Celso Amorim). A presidente Dilma determinou que todos os ministérios envolvidos, Planejamento, Fazenda e Defesa, realizassem a duplicação o mais rápido possível. A partir de agora, precisamos realizar licitações para os 250 milhões de reais em obras que serão concluídas em dois ou três anos. Vamos começar com os alojamentos e as instalações do ensino fundamental para ampliarmos as vagas do primeiro ano. A ampliação será um processo duro porque ela também implica a contratação de 150 professores de altíssimo nível que ainda não existem. Estamos conversando com a Capes e a Fapesp para formar esses profissionais no exterior ou criar um conjunto de pós-doutores vinculados à escola.
Na melhor das hipóteses, quando a escola começará a receber mais alunos? Nossa ideia é aumentar 120 vagas no vestibular de 2013. A expansão vai mudar a escala de operação do ITA.
Como assim? Estamos discutindo com várias empresas. Além da ampliação física e do quadro docente, queremos mudar duas coisas: a vinculação internacional da escola com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e outros centros de excelência no mundo. Queremos internacionalizar a escola, mas com foco nas áreas de interesse estratégico para o Brasil, que é a segunda questão. Estamos negociando com empresas de alta tecnologia, como a Petrobras, Embraer, Odebrecht e Telebrás, uma mudança na natureza da cooperação com elas.
Como será essa nova cooperação? Queremos envolver os alunos logo nos primeiros anos do ensino fundamental com os maiores desafios dessas empresas. Eles são apaixonados por desafios e pela resolução de problemas. Perdemos muito tempo esperando que eles façam estágio para se envolver com isso. Vamos criar uma carteira de desafios tecnológicos de engenharia de longo prazo para mobilizar equipes e criar novas formas de cooperação com a indústria. As empresas vão patrocinar esse conjunto de desafios e esperamos que os alunos se apaixonem por determinados conteúdos científicos tecnológicos. Essas atividades acabam fazendo com que o aluno progrida e escolha aquilo como campo de trabalho e vá progredindo em torno daquilo.
Um dos grandes diferenciais do ITA é ele estar ligado ao Ministério da Defesa e não ao Ministério da Educação. Como o ITA tira proveito disso? No passado, o ITA era mais diferente das outras universidades. Naquela época as instituições tradicionais viviam o regime de cátedra. O ITA foi criado em cooperação com o MIT e inovou completamente na grade escolar. Isso foi possível graças à flexibilidade da legislação do Ministério da Defesa. Foi uma completa inovação institucional.
Quais foram os pontos mais marcantes dessa inovação? O ITA introduziu um dos primeiros programas de pós-graduações do Brasil. Há 30 anos criou-se a primeira universidade brasileira a integrar o mestrado com a graduação, algo que hoje está se generalizando. Além disso, há o fato de que todos os alunos estão lá em tempo integral. Isso criou um regime chamado disciplina consciente. É uma espécie de código de honra da escola.
Como esse código de honra funciona? É o comportamento dos alunos em relação à ética. O Centro Acadêmico (CA) tem um departamento interno que cuida de ocorrências questionáveis entre os alunos, uma cola na prova ou algum tipo de comportamento inapropriado. A escola solicita que o CA se manifeste primeiro. A análise é feita e se o aluno for culpado, a situação é resolvida entre eles. A escola também pede que o professor não fique na sala de aula durante as provas ou que elas sejam realizadas nos alojamentos. Esse ambiente estimula a autonomia dos alunos e cria um ambiente completamente diferente de outras escolas. Os alunos são brilhantes, responsáveis e acabam tendo um comportamento mais meritocrático. Isso não existe em outras escolas de engenharia.
O vestibular do ITA é elaborado com alto grau de complexidade, com assuntos que nem sempre são vistos pela maioria das escolas de ensino médio. Isso é um fator determinante para a qualidade da instituição? O fato de o vestibular ser difícil funciona como uma espécie de marketing para a instituição. Todo aluno de cursinho sabe que as questões do ITA são mais difíceis. Isso reforça a imagem de a escola ser diferente e melhor do que as outras. O vestibulando do ITA não é um aluno comum – é um aluno muito bom.
Os objetivos do ITA hoje são os mesmos de quando ele foi criado? Não. O ambiente em que o instituto foi criado, tanto acadêmico quanto empresarial, mudou. O ITA não foi concebido para ser mais uma escola de engenharia. Ele foi o primeiro passo para a criação de uma indústria aeronáutica. Simultaneamente ao ITA, criaram-se vários institutos ao redor da escola. Foi um projeto que gerou um ambiente econômico e outras instituições de apoio. Hoje, esse ambiente está consolidado. A Embraer é uma realidade. Quando cheguei ao ITA, a empresa estava dando os primeiros passos, nem dominava a tecnologia de motor a jato. Hoje ela é robusta, uma das principais montadoras de aeronaves do mundo. Agora o ITA tem vários concorrentes. Durante seis décadas tivemos o monopólio da formação de engenharia aeronáutica. Atualmente existem cursos na UFMG e na Universidade Federal de São Carlos, por exemplo. O ITA também tem que competir com excelentes institutos de engenharia, como a USP, Unicamp e UFMG.
Qual a diferença entre o ITA de hoje e aquele em que o sr. estudou? Hoje o ITA tem áreas novas. Não se trabalha mais apenas com aeronáutica. Temos engenharia da computação e criamos há dois anos a engenharia aeroespacial. Além disso, a pós-graduação cresceu enormemente. Era muito pequena quando eu estudava e hoje possui 1.100 alunos. A instituição também se abriu para a cooperação com empresas privadas, em especial com a Embraer. Existem laboratórios temáticos dentro do ITA que complementam a formação do engenheiro de acordo com seu interesse e vão muito além da formação básica. Outra coisa que mudou foi o interesse: na década de 70, as áreas de eletrônica e mecânica eram as mais procuradas. Hoje, aeronáutica e computação são as mais demandadas.
A área espacial, por exemplo, seria uma área de interesse para o Brasil? Sim. Estamos criando uma indústria de defesa mais robusta do ponto de vista financeiro. A entrada de empresas com fôlego financeiro na questão da defesa, como a Embraer, Odebrecht e o interesse manifestado da Camargo Correa e Andrade Gutierrez, dá uma musculatura para a indústria de defesa brasileira que não existia há algum tempo. As empresas que fornecem equipamentos aeroespaciais sempre existiram, mas elas sempre sofreram as instabilidades das encomendas do governo e tiveram crises sistemáticas. A entrada dos grandes players vai gerar uma demanda por engenharia muito grande.
Qual o papel do ITA dentro do cenário de inovação nacional? O exemplo do ITA mostra que se tivermos perseverança, é possível fazer coisas impressionantes. O Brasil será, inexoravelmente, a quinta economia do mundo. Seremos um mercado importante e teremos uma indústria diversificada. Por exemplo, dentro do agronegócio somos líderes de produção e de algumas tecnologias. Precisamos olhar para toda a cadeia, em todas as direções, inclusive naquilo que não somos líderes, como máquinas agrícolas. Temos que olhar o agronegócio não só como uma fonte de exploração de alimentos para o mundo, mas todo o conjunto, das vacinas para animais até as máquinas. Por que não investimos nisso, dado o tamanho do mercado e do nosso porte?
De que modo a aproximação da inovação com a área econômica pode ajudar o Brasil? Enquanto a inovação for um tema dos cientistas e dos gestores públicos, vamos avançar muito pouco. O fomento à ciência não é instrumental para realizar inovação. O mais indicado é uma política econômica sólida. Trata-se de uma questão tributária, de legislação de incentivo e da participação das empresas. A partir do início do governo Lula, conseguimos progressivamente aumentar o interesse e o instrumental de apoio econômico para a área de ciência, tecnologia e inovação. O problema é que, mesmo quando acertamos, nossa velocidade de reação é menor que a do resto do mundo.
Por quê? São ineficiências públicas e privadas. A nossa gestão pública é muito enrijecida. Tenho absoluta convicção de que no momento atual ninguém teria coragem de criar um ITA como foi feito em 1947: iniciar um projeto do zero, no meio de uma instância agrária, para construir uma indústria aeronáutica em um país essencialmente agrário. Hoje teríamos que provar para um sem fim de órgãos que o projeto possui demanda e que é viável. O ITA foi um projeto com um grau de utopia e audácia inviáveis no Brasil do século XXI. Um gestor público do BNDES ou da Finep não conseguiria reunir os recursos necessários para levantar uma indústria inédita no país.
Isso é um problema? Muito grande. Não conseguimos definir prioridades. No passado conseguimos priorizar algumas coisas, como a Embrapa, a Embraer e a Petrobrás. Hoje o governo tem dificuldades de selecionar prioridades por causa de um problema de esvaziamento de competência da burocracia pública. O setor privado tem se diversificado e as universidades estão constituídas: todo mundo quer ser prioritário. Com exceção do pré-sal, todas as outras seleções de prioridades são difíceis.
O Brasil deveria se especializar em áreas de alta tecnologia que já domina ou deveria explorar a criação de novas indústrias? Essa é uma questão muito difícil. A inovação tecnológica é decisiva em todas as áreas para a competitividade industrial e agronegócio. Precisamos de um conjunto de leis amplo, horizontal e que sirva todos os setores para o apoio da inovação tecnológica. Os mecanismos de incentivo são essenciais, porque não vamos corrigir nossos defeitos no curto prazo. Precisaremos de muito tempo para que resolvamos nossos problemas sistêmicos de competitividade: câmbio, custo de capital, carga tributária alta, infraestrutura ruim, burocracia…
O que o Brasil poderia fazer em curto prazo para estimular a correção desses defeitos? Precisamos aumentar muito a produtividade. O principal motor para isso é a inovação. E isso tem que acontecer em todo o tecido industrial. O Brasil deve focar nas áreas em que quer ser player global.
Perfil
Instituto Tecnológico de Aeronáutica
Criado com a intenção de iniciar a indústria aeronáutica brasileira, o ITA agora tem a missão de ajudar o Brasil a ser líder global em áreas estratégicas de alta tecnologia.
O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) foi o primeiro passo de um projeto para a criação de uma indústria aeronáutica no Brasil. Foi fundado em 1950, em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos. A Embraer, empresa brasileira e uma das maiores montadoras de aviões do mundo, é uma consequência direta da criação do ITA.
O ITA não está atrelado ao Ministério da Educação e sim ao Ministério da Defesa. Isso quer dizer que a instituição tem liberdade para escolher uma grade curricular diferente das faculdades tradicionais, ligadas ao MEC. Até 1996, a escola só aceitava o ingresso de homens.
Hoje, o ITA é uma das organizações do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA), órgão ligado à Força Aérea Brasileira. O vestibular do ITA é considerado um dos mais difíceis do país e abrange conteúdo que muitas vezes não é visto pela maioria das escolas de ensino médio.
Todos os anos, a escola forma 120 engenheiros em áreas como eletrônica, aeronáutica, aeroespacial e computação. A meta é que 240 alunos ingressem no ITA a partir de 2014. As obras de ampliação vão custar 250 milhões de reais.