Matheus Pichonelli
Na quarta-feira, 06/12, uma multidão viu em pânico, uma multidão viu atônita o despertar de uma pulga atrás da orelha a partir de eventos políticos distantes apenas geograficamente. O primeiro, um Senado entrincheirado em Brasília após se recusar a obedecer uma ordem judicial que afastava seu comandante, Renan Calheiros (PMDB-AL), da presidência da Casa.
O segundo, o confronto, no Rio de Janeiro, entre policiais e manifestantes, alguns deles também agentes de segurança, contra medidas de contenção anunciadas pelo governo do Rio, que anunciou a falência pouco antes de fazer a festa de empreiteiras e congêneres durante os megaeventos realizados na capital fluminense.
Os eventos coroaram um esforço de anos em que as instituições foram montadas com tapa e sem sela como se fossem animais de carga. Deu no que deu – e, diferentemente do que poderia sugerir o candidato a deputado engraçadinho, pior do que está fica. E ainda dá para piorar bastante.
Relembre a trajetória em dez passos para saber como eles conseguiram.
Passo 1. Espere a eleição acabar. Vaze áudios obtidos ilegalmente, mesmo que boa parte das conversas tenham pouco ou quase nada a ver com investigações em curso. Rasgue os votos de uma eleição e tente emplacar uma agenda derrotada pelas urnas com a desculpa de que, em ano eleitoral, ninguém discute agenda alguma a não ser o sexo dos anjos.
Passo 2. Dê voz, legitimidade e espaço nas primeiras páginas e escaladas de telejornais aos jovens manifestantes treinados, orientados e pagos por quem não tinha votos para emplacar a sua agenda. Diga que eles representam “a” voz das ruas, e não “uma” das vozes. Deixe bem claro quem pode e quem não pode se manifestar – o que significa lembrar quem ganha catraca livre e quem ganha borrachada a depender da pauta. Observe se a estratégia altera de alguma forma a distribuição de verbas publicitárias entre os grupos donos de jornais, revistas e TV e que não podem ouvir falar em regulação econômica da mídia.
Passo 3. Espere a Presidência da República, pilar fundamental do sistema de governo, nas palavras de Joaquim Barbosa, desmoronar. Leve a desestabilização ao forno e coloque a maioria parlamentar que permitiu a troca de guarda para trabalhar.
Passo 4. Ignore, ou finja ignorar, que existem dois polvos gigantes no caminho até a Presidência: um presidente da Câmara pouco confiável e enrolado até a alma nos desvios da Petrobras e um presidente do Senado sob investigação em diversas frentes. Todos do PMDB, partido prestes a governar o país pela terceira vez sem que tenha obtido qualquer vitória eleitoral para a Presidência.
Passo 5. Tente ignorar o avanço das investigações com uma agenda de medidas ditas duras porém necessárias. Observe atentamente se cola o argumento de que o rombo em caixa é culpa do trabalhador, e não de quem obteve isenção milionária e não está disposto a mexer em seus privilégios. Solte patos nas ruas. Finja que ninguém percebe que o chefe da federação das indústrias que bancou o bando inflável quer ser governador e é filiado ao mesmo partido do presidente que herdará a cadeira vaga da Presidência.
Uma vez consumado o impeachment, após uma série de protestos contra a corrupção, forme um gabinete com figuras investigadas por corrupção. Sente e espere.
Passo 6. Faça exercícios diários de ginástica retórica para convencer a população, a essa altura ciente de que o exército da salvação está afiando a faca contra ela e alisando a própria pele, de que o termo “delimitar” as investigações, dito por um dos ministros num áudio também vazado, não significa “barrar”, muito pelo contrário. Mantenha o sujeito como líder, esteja onde estiver.
Passo 7. Conte com aqueles amigos instalados na Suprema Corte, que já advogaram para os partidos outrora no poder, para pedir vistas de decisões como os relacionados a temas prosaicos e nada importantes da vida pública: se um réu na Justiça pode ou não fazer parte da linha de sucessão da Presidência. Aja com naturalidade. Mantenha em banho-maria no Congresso propostas de regulação de vencimentos de magistrados caso precise atravessar a linha de segurança entre Poderes para devolver a retaliação.
Passo 8. Aguarde o presidente do Senado se tornar réu após quase uma década de denúncias e observe como uma decisão monocrática, sem a avaliação dos pares, é suficiente para alterar a linha de sucessão até o Planalto.
Passo 9. Mostre ao país inteiro que se um senador não pode receber uma notificação judicial, ninguém mais pode. Aguarde as consequências quando os pais que não pagarem pensão aos filhos (com ou sem ajuda de empreiteiras) citarem o senador como referência para colocar o cartaz de “me chute” nas costas dos oficiais de Justiça Brasil afora.
Passo 10. Faça de conta que não tem nada de estranho um servidor aposentado aos 55, que se tornou presidente sem receber um único voto para o posto e auxiliado por braços direitos agraciados com vencimentos acima do teto, dizer que, a partir de agora, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos, mais ou menos o limite da expectativa de vida de alguns estados brasileiros. Mantenha privilégios para determinadas categorias. Disfarce até segunda ordem a ausência de ideias para conter o desemprego em uma economia em plena crise de produção e modelos.
Aposte no slogan: Não pense em crise, trabalhe. Force até o limite das rugas o sorriso amarelo na premiação dos homens do ano promovida pela revista que te ajudou a chegar ali. Ao ver as fotos do evento, tente não ligar a conversa amigável entre o juiz implacável e o presidente do partido seis vezes citado em delações e que está tão perto da cadeia quanto estamos de voltar a acreditar nas instituições.