Rui Martins da Mota
Sem dúvida a Pandemia da COVID-19 foi o Cisne Negro das prospecções estratégicas, valendo-se da terminologia do analista Nassim Nicholas Taleb, o que provavelmente resultará na maior crise do século, com transformações intensas na geopolítica mundial. Considerando a dinâmica do poder e as tendências em curso, é possível prospectar linhas estratégicas para o Brasil no cenário internacional.
Segundo especialistas, os impactos econômicos globais da crise da COVID-19 poderão ser os maiores da História e certamente são únicos desde a Crise de 1929, que, na ocasião, acirrou o nacionalismo e gerou intervenção estatal na economia, maior protecionismo dos mercados nacionais e, em consequência, a redução do comércio internacional, emergindo o mundo em Regimes Totalitários e na própria 2ª Guerra Mundial.
Na atual crise pode-se identificar tendências semelhantes de retração econômica, redução do comércio internacional, contenção do processo de Globalização e interdependência mundial com o agravamento da guerra comercial, particularmente entre os Estados Unidos da América (EUA) e a China, que já se tornou o país mais industrializado do mundo (com 30% da produção mundial contra 16% dos EUA) e, possivelmente, em breve, “motor” da economia mundial.
A crise da COVID-19 traz dúvidas à capacidade do livre-mercado enfrentar Cisnes Negros, gerando descrédito ao Estado Neoliberal, ao reforçar o modelo de Estado-Nacional forte, capaz de regular e atuar nos mercados e garantir a segurança da Nação.
Este movimento já se observa em nações capitalistas expressivas, como o Japão e os EUA, que baixaram medidas de subsídios e proteção à produção nacional, ignorando os acordos internacionais de comércio, em franco desafio à China, o que também enfraquece o sistema de segurança internacional das Nações Unidas.
Há, ainda, outras duas tendências em curso, extremamente relevantes para o tabuleiro geopolítico mundial: o aumento da demanda por alimentos e a redução dos preços do petróleo. Projeções sobre o crescimento da população mundial somadas ao esgotamento da capacidade produtiva das potências agrícolas (EUA, China, Europa e Índia), que já beira os 90% de exploração de suas terras férteis, levam a conclusões neomalthusianas de uma crise de segurança alimentar sem precedentes, com déficit de 70% de alimentos em 2050.
Além disso, a água doce, essencial à vida, é escasso em muitas partes do Globo. Ou seja, seguindo esta tendência não haverá comida para toda a população mundial nas próximas décadas. O Brasil é a exceção neste quadro, destacando-se como celeiro do mundo, tendo menos de 20% de suas terras agricultáveis utilizadas, sendo uma potência agrícola com alto nível tecnológico aplicado à produção, além de possuir recursos hídricos suficientes para garantir a produção agrícola e a sobrevivência de sua população.
Neste cenário de guerra alimentar (comida e água), vislumbra-se o caos social e a potencialização de guerras entre nações. Lembremos de Machado de Assis, “ao vencedor as batatas”. Já a outra tendência, reforçada pela crise global da COVID-19, é a queda dos preços do petróleo, incitando disputas entre produtores, o que agrava ainda mais o quadro de insegurança internacional.
Vis-à-vis as tendências apresentadas, pode-se inferir linhas estratégicas para o Brasil, considerando os fundamentos do Poder Nacional (Homem, Terra e Instituições) em cada uma de suas expressões. No campo econômico, a inviabilidade de exploração do Pré-Sal deve ser considerada por conta da crise do petróleo, bem como a busca por alternativas energéticas que sustentem o desenvolvimento econômico e promovam a substituição da exportação de commodities, como o óleo bruto de petróleo, um dos principais produtos brasileiros de exportação.
As vantagens comparativas do Brasil no agronegócio, aliadas à tendência de aumento da demanda mundial por alimentos, torna-se a estratégia mais viável de participação no comércio internacional e entrada de divisas no País. É preciso ampliar o capital de investimento na agroindústria e em P&D agrícola para se obter maior vantagem competitiva e valor agregado nos produtos.
Assim, incentivos fiscais, investimentos em infraestrutura e educação são fundamentais para qualificação da mão-de-obra, redução do custo-Brasil e a necessária ampliação e diversificação da pauta de exportação. No campo político, o velho “Pragmatismo Responsável” do Governo Geisel nunca se fez tão imprescindível na Política Externa, que não pode se pautar por ideologias, mas sim pelo cálculo racional do interesse nacional.
A China, os países do Mercosul e os EUA continuam simultaneamente parceiros estratégicos fundamentais. No campo militar, a importância do fortalecimento da capacidade de segurança é reforçada com o cenário que se projeta, bem como a indústria de defesa se apresenta como fator estratégico de externalidades e diversificação de exportação. Neste caminho, o Acordo de Cooperação de Defesa Brasil-EUA, recentemente assinado, é um passo importante.