Maynard Marques de Santa Rosa
“Quando se manipula a opinião pública com apelos antinaturais, provoca-se uma repressão dos instintos. (…) Os manipuladores podem alcançar sucesso temporário no início, mas acabam por fracassar no longo prazo” (Marie Louise von Franz).
O diagnóstico da eminente psicoterapeuta da equipe de Jung, em 1961, soa como profecia de futuro do projeto sinistro dos construtores sociais brasileiros. A meta visada é a destruição da cultura burguesa. A estratégia consiste na manipulação da opinião pela mídia engajada e na infiltração da militância em postos estratégicos do Estado e cátedras das universidades, e no aliciamento de artistas e intelectuais influentes.
A propagação contínua das narrativas levou os ideólogos a terminarem convencidos da validade das próprias teses, alienando-os da realidade dos fatos. Julgando ter o Brasil alcançado o estágio da “crise orgânica da revolução passiva que semeavam, avançaram com o decreto 8243 de 23 de maio de 2014, uma incongruência jurídica conhecida como “Decreto dos Comissários”, que acabou frustrado. As eleições de 2018 completaram a derrocada. A insegurança grassou entre os intelectuais engajados e a tese de von Franz ficou comprovada. Permanece, porém, contaminado o clima psicológico produzido pelo prolongado bombardeio midiático, a reafirmar o prognóstico de Marie Louise: “A repressão dos instintos causa dissociação neurótica e enfermidade mental”.
Para completar, os costumes nacionais ainda ruminam a resiliência do patrimonialismo, uma enfermidade genética que corrompe os negócios públicos e favorece a manipulação ideológica. Em sua obra Os Donos do Poder, Raymundo Faoro identificou-lhe a origem no conselho transmitido por Álvaro Paes, Vedor-Mor do Reino de Portugal, a El-Rei D. João I, em 1385: “Senhor, fazei por esta guisa: dai aquilo que vosso não é, prometei o que não tendes e perdoai a quem vos não errou”. Após a Revolução de Avis, a prática de administrar os bens públicos como se fossem privados incorporou-se aos costumes da Coroa Portuguesa e repassou-se para o Brasil durante o processo colonial.
O “establishment tradicional”, uma metáfora que ilustra os comentários midiáticos, não passa da expressão moderna do estamento patrimonialista. O conluio de interesses produziu um leviatã de muitas cabeças, que se enraíza nos três Poderes do Estado e nos setores dominantes da sociedade, nutrindo-se, parasitariamente, dos recursos públicos. Sofreu o impacto das eleições de 2018, perdendo força no Executivo; aturdiu-se no Legislativo, mas manteve-se incólume no Judiciário, onde ocupa os bastiões dos tribunais superiores, conquistados ao longo das três últimas décadas.
A Corte Suprema virou caixa de ressonância dos partidos de oposição. A pletora de decisões polêmicas sugere uma alienação preocupante. A invasão das prerrogativas discricionárias do Executivo tornou-se rotina. A intrusão no processo legislativo segue o impulso do ativismo judiciário. As próprias garantias constitucionais tornaram-se letra morta. A persistente afronta ao senso de justiça é um perigoso subterfúgio capaz de motivar erupções de violência.
A questão do poder forense tem preocupado sociólogos e juristas desde o Iluminismo. Alexis de Tocqueville, na memorável obra Da Democracia na América, publicada em 1835, advertiu: “Os juízes federais não devem ser apenas bons cidadãos, homens instruídos e probos; é preciso que sejam, também, estadistas, que saibam discernir o espírito de seu tempo e enfrentar os obstáculos, quando correm perigo a soberania da União e a obediência às suas leis. (…) Se a Suprema Corte viesse um dia a ser composta de homens imprudentes ou corrompidos, a federação teria a temer a anarquia ou a guerra civil (Pág. 95).
A sabedoria do Eclesiastes mostra que tudo tem o seu tempo determinado. O momento presente é tempo de observar e falar. Em um futuro imprevisível, há de chegar o tempo de derrubar e o de edificar, quando, então, renovar é preciso.