Maynard Marques de Santa Rosa
General-de-Exército Reserva
O efeito mais lesivo das campanhas internacionais de preservação da Amazônia foi a massificação do paradigma nas novas gerações nacionais. Com exceção das mentes mais esclarecidas, a maioria dos jovens confunde sustentabilidade com preservação “in natura” do meio-ambiente.
Essa opinião, orquestrada nos Poderes da República, resultou em uma legislação draconiana, que inibe os empreendimentos e mantém a população nativa refém dos favores do Estado. Na verdade, o que tem de ser preservado é o equilíbrio ecológico, que implica a institucionalização de protocolos compensatórios de impacto ambiental.
A Bacia Amazônica é um ambiente fechado e isolado do restante do continente. A fisiografia a transforma numa entidade geopolítica autônoma. Nesse bioma, o fator ecológico e não a vontade humana é que determina a forma de vida da sociedade. A atividade coletiva tem o rio Amazonas como eixo gravitacional e espinha dorsal de uma rede de 20 mil Km de vias navegáveis, vitais para a circulação.
Portanto, a Amazônia é uma entidade singular, com vocação política autônoma. Não foi por outro motivo que o Grão-Pará teve toda a sua formação independente do Brasil, durante 209 anos, até o colapso do pacto colonial. A Independência veio com a incorporação ao Império, em 1823, e a esperança em uma ordem mais justa do que a da Metrópole.
Frustrada a expectativa, a reação dos nativos eclodiu na Cabanagem, como explosão espontânea, entre 1835 e 1840, movimento no qual se deu a catarse das injustiças históricas do sistema colonial. Nesse turbilhão, a soberania brasileira só foi salva graças às convicções de Eduardo Angelim, líder da Revolução.
A Cabanagem consumiu 30 mil vidas, equivalente a 20% da população total, e foi reprimida pela força das armas, ao custo de um trauma que ainda sobrevive nos arcanos do inconsciente coletivo. Embora tenha-se diluído a agressividade original na miscigenação dos nativos com as ondas de migrantes nordestinos, durante o ciclo da borracha do último quartel do século XIX e início do século XX, o antagonismo permanece latente, a advertir que os assuntos amazônicos não podem ser tratados sem considerar o interesse local.
As políticas federais para a Região sempre foram reativas e descontínuas. Até a Primeira República, consistiram nas negociações de fronteiras, matéria em que muito devemos ao Barão do Rio Branco. A questão amazônica só aflorou à agenda nacional, após o colapso do mercado da borracha, em 1914, ao suprimir 40% da balança comercial brasileira. Mesmo assim, a primeira providência concreta só veio no contexto da 2ª Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e os territórios federais do Guaporé, Rio Branco e Amapá.
Na década de 1950, o governo Juscelino construiu a rodovia Belém-Brasília, para criar alternativa de acesso à Região no caso de crise, como foi a dos apagões de Manaus e Belém, quando a frota de submarinos alemã bloqueou a foz do Amazonas. O Programa de Integração Nacional das décadas de 1960 e 1970 focou na implantação da infraestrutura econômica regional, mas ficou inacabado, devido à crise do petróleo.
Posteriormente, os investimentos concentraram-se na geração de energia, mas em favor das demais regiões. O abandono da Amazônia foi observado pelo eminente professor Armando Mendes, ao concluir em suas obras que ela permanece relegada à condição de latifúndio político.
Os indicadores atuais mostram que a Região continua subdesenvolvida, e sua base econômica prossegue dependente do extrativismo e dos incentivos do governo federal. Todos os estados amazônicos seriam inviáveis sem as transferências obrigatórias da União. 43,1% da população (quase 7 milhões de pessoas) vive abaixo da linha de pobreza (com 5,5 US$, por dia), mas o crescimento vegetativo é de 3,07 %, quase o dobro da taxa média nacional (1,8%).
A renda-per-capita é pouco maior do que a metade da renda-per-capita nacional (56,7%), e o IDH (0,681) é inferior ao do país (0,727). O produto regional contribui com apenas 8,6% para o PIB nacional, apesar de ser a Região a maior e mais rica do Brasil em recursos naturais.
A Zona Franca de Manaus estagnou-se, com tendência declinante, como demonstram os indicadores estatísticos. Entre 2010 e 2018, sua contribuição para o PIB do Amazonas caiu de 25,92% para 23,41%. Os benefícios originais, projetados para toda a Amazônia Ocidental, ficaram restritos à região metropolitana de Manaus, demonstrando o seu esgotamento como modelo de desenvolvimento.
Se a economia permanece estagnada enquanto cresce a população, cai a renda per capita e prolifera a insatisfação social. O risco aumenta na proporção da taxa de crescimento urbano. A favelização das cidades reflete o esvaziamento rural. A Região precisa de novas alternativas de desenvolvimento, enquanto é tempo.
O desconhecimento da Bacia Amazônica e a inculcação do paradigma da preservação provocam nos planejadores políticos uma espécie de reducionismo lamentável. Os problemas estratégicos da Região parecem reduzidos à questão ambiental. Enquanto isso, aumenta a repressão dos órgãos federais aos ilícitos, ecoando as pressões externas do momento, numa imitação involuntária das diligências dos antigos colonizadores.
Reprimir o avanço da fronteira agrícola com métodos policiais é como replicar o processo de combate ao tráfico de drogas; o resultado é incerto, mas o efeito psicológico é certo. Subestimar o arquétipo implica risco à coesão nacional. Melhor seria admitir o fenômeno, regulamentá-lo e implantar uma estrutura adequada de fiscalização.
O Brasil precisa criar condições para o empreendedorismo privado, aproveitando os recursos naturais existentes; revisar a legislação, para adequá-la ao interesse nacional; enfim, recuperar a esperança da população nativa, cujos anseios não podem ficar restritos à ação da sua pífia representação política.
A criação de um mercado regional autônomo pode ser a solução natural para o problema do desenvolvimento. Desenvolver a Amazônia é uma necessidade interna que transcende a magnitude das pressões externas. A presença do Estado é a garantia da lei, da soberania nacional e da preservação das riquezas ambientais para as gerações futuras.