Andrea Jubé
De Brasília
Valor 08 Janeiro 2021
O ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Sergio Etchegoyen, general de Exército da reserva, afirmou ao Valor que a invasão ao Capitólio americano por apoiadores do presidente Donald Trump deixa uma grande lição que o mundo democrático e os agentes políticos, no Brasil e em outros países, não podem ignorar.
No entanto, Etchegoyen não vê a democracia brasileira exposta a risco semelhante. Para o general de quatro estrelas, que foi chefe do Estado-Maior do Exército, os simpatizantes de perfil extremista do presidente Jair Bolsonaro que atentaram abertamente contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado representam uma minoria barulhenta, mas sem poder de fogo.
“Dizer agora que a invasão do Capitólio é uma prévia do que pode acontecer aqui é antecipar o reforço a uma narrativa que hoje se opõe incondicionalmente ao governo Bolsonaro, é torcer pra isso acontecer, é trabalhar contra o país”, rechaçou.
Ex-ministro na gestão do presidente Michel Temer, ele não vê risco de episódio semelhante ocorrer no Brasil, apesar do comportamento radical de um segmento de apoiadores de Bolsonaro.
O general usa uma metáfora — “o Brasil já enfrentou até covid-48” — para explicar por que a democracia brasileira tem histórico de resistência. Ele cita dois impeachments presidenciais, sucessivas crises econômicas internacionais, boicotes, crise do petróleo, e ressalta que em nenhum desses episódios recentes houve interferência dos militares.
“Nunca os militares se manifestaram para corrigir para lá ou para cá”.
Nesse contexto, ele cita uma ação recente de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal como exemplo mais eloquente de ameaça à Constituição Federal, se comparada a atos ou declarações do presidente Bolsonaro.
“Qual a atitude efetiva do Bolsonaro, em termos de desapreço à Constituição Federal, comparável a de alguns ministros do STF que não se constrangeram em agredir a gramática para dar sustenção à esdrúxula tese de apoio à reeleição, na mesma legislatura, dos presidentes das duas Casas do Congresso?”
Hoje atuando na iniciativa privada, como presidente do Instituto Brasileiro de Autorregulamentação no Setor de Infraestrutura (Ibric), o general afirma que com o episódio da última quarta-feira, Trump entrou para a galeria dos infames.
“Os americanos estão pagando o preço de um presidente que deu seguidas mostras de desequilíbrio ao longo do seu mandato, mas, também, de um sistema eleitoral frágil que nunca quiseram arrumar, e foi oportunamente explorado por um “grande manipulador”, disse.
O general testemunhou de perto a posse conturbada do presidente americano George W. Bush em2001, quando se estabeleceu em Washington para chefiar a Comissão do Exército naquele país, onde morou por três anos. A eleição de 2000 foi outro episódio de contestação ao sistema eleitoral americano, em que os democratas pediram a recontagem dos votos na Flórida, sob suspeita de fraude.
Para Etchegoyen, a estratégia executada por Trump de manipulação de seus apoiadores pelas redes sociais culminou no atentado ao Congresso americano, um feito que nos obriga a refletir sobre “por que isso ocorreu, e o que fizeram com as mídias sociais”.
“Não se pode ser contra as mídias sociais, mas é essencial opor-se e denunciar o mau uso delas. Como todos os espaços no mundo, os espaços na internet foram também capturados pelo crime, pelo mau caratismo, pela má fé”, observa. A democracia brasileira, entretanto, ao seu ver, está blindada.
“A gente despreza a força da nossa democracia: a cada tosse, achamos que ela não vai aguentar”.