Search
Close this search box.

Fora da lei: as empresas tecnológicas que sonham em criar países próprios

Guilherme Haas

No último mês de dezembro, o empresário californiano Tim Draper, da área de investimentos em capital de risco, apresentou uma proposta de dividir o estado americano em seis partes, com leis diferentes para regular e beneficiar as diversas áreas econômicas da região.

De acordo com a ideia de Draper, a Califórnia poderia ser dividida em zonas que ajudariam a questão da imigração no Sul (que faz divisa com o México), a proteção de direitos patrimoniais, autorais e intelectuais em Hollywood, bem como a experimentação de produtos tecnológicos no Vale do Silício.

Projetos como esse, que visam a divisão de territórios em novos estados e regiões, surgem com frequência nos Estados Unidos, e praticamente todas as unidades já tiveram algum tipo de proposta de remarcação de limites e fronteiras. A diferença no caso de Draper é que o empresário espera levar seu projeto para votação preliminar no Congresso americano, isso se conseguir o apoio de 1 milhão de californianos.

Draper quer levantar essas assinaturas no decorrer de 2014, para que a proposta seja encaminhada ao Congresso em novembro. Na internet, há um site oficial da campanha através do qual é possível cadastrar o seu email para receber notificações da iniciativa.

O aspecto mais interessante desse caso é que ele reverbera polêmicas e provocações recentes de empresários e líderes do setor tecnológico que comentaram em público a necessidade de desburocratizar a legislação americana, especialmente na Califórnia e no Vale do Silício.

A possibilidade de ter um território de lei própria, específica e diferenciada para o setor tecnológico vem sido discutida há algum tempo, mais no campo hipotético do que prático, por diferentes figuras públicas. Em comum, há a percepção de que derrubar certos direitos de proteção abriria espaço para a experimentação e o intercâmbio de serviços e recursos.

Googleland: terra de experimentações

Uma dessas autoridades do ramo a falar abertamente sobre as barreiras legislativas e jurídicas que atrasam o desenvolvimento é o CEO da Google Larry Page. Em maio do ano passado, durante a Conferência I/O para desenvolvedores, Page respondeu a perguntas sobre o futuro da tecnologia, dos produtos da empresa e até mesmo sobre as relações da Google com suas concorrentes.

Foi nesse contexto de discutir as dificuldades do setor que Page comentou que, idealmente, gostaria de separar um território do mundo para realizar experimentações. O CEO falou ainda sobre o ritmo de mudanças no mundo e sobre como gostaria de testar produtos e serviços, mas disse que se vê impedido pelas legislações vigentes.

Em suas palavras: “Há muitas coisas interessantes que você poderia fazer que são ilegais ou não são permitidas pela regulamentação; e isso é bom porque não queremos mudar o mundo. Mas talvez pudéssemos separar uma parte do mundo, criar regiões seguras para a experimentação de coisas que não precisam ser implantadas em todo o mundo”.

Page aproveitou o espaço da conferência para criticar a política de suas concorrentes, sobre a dificuldade de formar parcerias, de criar serviços colaborativos e de trocar experiências. O executivo disse que a indústria está mais preocupada em fazer dinheiro do que em lançar produtos inovadores, e por isso não evolui como ele esperava.

Blueseed: mar de oportunidades

Há, porém, soluções possíveis para os desafios e os impasses do setor sem a necessidade radical de criar um território sem lei para a Google. Um projeto em processo final de financiamento e com previsão de lançamento para o último trimestre de 2014 pode levar empresas para trabalhar em águas internacionais.

O Blueseed é uma espécie de navio e ilha flutuante que ficaria ancorada a cerca de 20 km da costa da Califórnia, na altura da região do Vale do Silício, e portanto fora da jurisdição dos Estados Unidos. O espaço funcionaria como uma espécie de incubadora de projetos de tecnologia. Dentro dele, funcionários de diversas localidades do planeta estariam habilitados a trabalhar sem a necessidade de visto de imigração.

projeto já atraiu o interesse de mais de 175 startups de todas as regiões do mundo. De acordo com dados do ano passado, há várias companhias da Índia e da Austrália de olho na novidade, mas há também muitas empresas americanas que acreditam que o Blueseed pode ser um espaço rico para a troca de experiências e de vivências em tecnologia.

Pelas informações no site do projeto, os custos de aluguel de cabines no Blueseed variam entre US$ 1,2 mil (espaços compartilhados) e US$ 3 mil (individuais). O transporte entre a ilha flutuante e o continente será realizado por balsas com itinerários regulares.

Apesar de não exigir visto de trabalho, os estrangeiros que vierem a frequentar o Blueseed são orientados a tirar um visto de turista ou de negócio (B1/B2), mais fáceis de serem obtidos, para eventualmente ir até o continente e visitar o Vale do Silício.

A embarcação é vista como um centro de oportunidades para empresas iniciantes e startups que poderão ser orientadas e encaminhadas, conforme o sucesso, junto às grandes companhias do Vale.

A Califórnia tecnológica

É possível que no momento em que o Blueseed deixar a costa e partir rumo às águas internacionais, o projeto do empresário Tim Draper chegue ao Congresso americano para votação.

Porém, mesmo que aprovado em votação preliminar, o processo de criar uma legislação própria para um estado do Vale do Silício não ficaria pronto da noite para o dia, e certamente esbarraria nas vontades e necessidades de cada uma das empresas com sede na região.

Ao mesmo tempo, a divisão da Califórnia tem uma complicação política intransponível, que deve inviabilizar a proposta de Draper: redefinir o território em seis unidades exigiria um rearranjo no número de representantes políticos, o que não é bem visto nem pelos republicanos nem pelos democratas americanos.

Por essas e outras, é fácil entender o estado imaginado por Page, um território livre de tantas regras e leis. Se não é possível livrar uma terra de sua legislação, a solução parece mesmo se lançar em alto-mar e escapar da jurisdição dos estados nacionais. Mas é bom esse barco partir logo, antes que até os mares sejam reivindicados e burocratizados por órgãos internacionais. 

Fontes: Slate, Venture Beat, The Verge, Six Californias, Blueseed

 

 

Compartilhar:

Leia também
Últimas Notícias

Inscreva-se na nossa newsletter