Mitos a desconstruir IX: A Falência do Sistema Prisional como desculpa para liberar geral
Fabio Costa Preira
Procurador MP/RS
Acesse a série de artigos Mitos a Destruir do Autor no Diário do Observador
A falácia da falência do sistema prisional é outro mantra de nossos especialistas, na busca perene de flexibilizar nosso sistema de repressão penal, possibilitando a soltura de mais e mais criminosos de toda a espécie – homicidas, estupradores, latrocidas, corruptos etc. -, esquecendo a sociedade ordeira e honesta (grande maioria do povo brasileiro), pois na medida inversa da soltura irresponsável de criminosos, mais e mais a população fica prisioneira dos próprios lares, os quais vão ficando a cada dia mais parecidos com verdadeiros bunkers.
O tema, no entanto, exige um texto maior (desde já peço desculpas), pois costumam colocar no mesmo saco vários gatos. Quando usam a falácia da falência do sistema prisional, não raro misturam quatro temas: a possibilidade de a pobre vítima da sociedade – outro mantra falacioso -, ser, tão logo colocada no inferno da prisão, abduzida por alguma facção criminosa; o fato de nosso sistema falido não recuperar quem deu um passo errado; o encarceramento em massa no Brasil que prende demais e errado; a superpolução carcerária que ofende a dignidade humana dos presidiários.
Vamos por partes, como diria um dos grandes criminosos da história da humanidade, exemplo maior da impunidade no direito criminal mundial.
A primeira. Abdução do sentenciado por alguma facção criminosa, quando sustentam que tão logo alguém cai no interior da cadeia é seduzido por algumas das facções lá existentes. Epa! A tese falaciosa está baseada na inversão da realidade, pois as facções se formam no lado de fora dos presídios (ou não existem no lado de fora?), no interior estão apenas os membros que, por descuido, ou boa atuação policial, foram apanhados e compõem aquele baixo índice de crimes resolvidos no Brasil (falei sobre isso na oportunidade do mito o Brasil prende demais).
Na realidade, para evitar eventos como os acontecidos em presídios do Norte, com briga entre facções gerando a morte de vários membros das Gangs, foi criado o método de colocar em lugares distintos os grupos diferentes. Por isso quando é admitido no sistema o criminoso (vamos dar o verdadeiro nome aos bois) é perguntado e quando admite pertencer a alguma é colocado junto com os manos, e quando diz não pertencer a nenhuma há sempre um lugar com essa destinação especial.
A segunda. O sistema prisional falido não ressocializa o coitado do desviado. Sobre o tema importante lembrar, como referido por Bernardo Guimarães Ribeiro na obra Nadando Contra a Corrente, ser a prisão "meio de punir exemplarmente e excluir o criminoso perigoso do convívio social. O transgressor da lei penal é retirado a fórceps do convívio social para que, punido, repare seu erro e, principalmente, não permaneça como ameaça aos demais cidadãos". Além disso, deve servir a pena, igualmente, para dissuadir as demais pessoais que convivem naquela sociedade a não praticarem delitos.
Isso é o que está dito no Código Penal, quando ao determinar a aplicação da pena fala, no artigo 59, em reprovação e prevenção do crime. Claro, alguém ao ler esse artigo dirá, ah, mas a lei de execução penal fala na harmônica integração do condenado à sociedade. Sim, mas ninguém pode esquecer que isso como tarefa atribuída ao Estado é uma UTOPIA. Explico. Como dito pelo colega Fábio Costa Pereira, quando detonou o mito IV, a prisão não resolve, não se deve falar em ressocialização, mas em reabilitação e, para isso, depende que o criminoso se arrependa dos seus atos e busque sinceramente se reabilitar, pois ele é o protagonista do seu destino e ninguém mais.
Para quem não quer ver a realidade, vamos fazer um desenho.
A reabilitação é uma UTOPIA como dever do Estado, pois não depende só dele, para falar no tema é necessário dividir os condenados em três grupos, os irrecuperáveis, os que não querem se recuperar e os recuperáveis que desejam a reabilitação. Embora triste seja admitir, é cientificamente provado existir um grupo de criminosos irrecuperáveis (na atuação no Tribunal do Júri cansei de receber laudos do IML em incidentes de insanidade, dizendo ser o examinado portador de Psicopatia, modernamente chamada de TAS – transtorno antissocial de personalidade -, e os laudos sempre concluíam recomendando a segregação, dizendo não ser caso de internação em manicômios ou congêneres, pois não existe cura e o portador do TAS precisa ficar isolado sob pena de praticar novos delitos[1]).
Necessário considerar, ainda, os condenados que não querem se reabilitar (isso no Brasil é comum, pois o crime compensa, e muito). Muito mais fácil o lucro fácil – o risco de ser apanhado é pequeno, mesmo descoberto não há a certeza da condenação e, caso condenado a pena será pequena e logo será agraciado com algum benefício -, eis a realidade brasileira, – muito melhor e mais fácil que levantar cedo, ter de pegar dois ou três ônibus, ficar 08 horas no serviço e aguentar um chefe, muitas vezes chato, para ganhar um salário mínimo por mês. Pois é!..
Nesse cenário, para a reabilitação somente resta em torno de 1/3, no caso o terceiro grupo, os recuperáveis que desejam se reabilitar. Novamente, basta buscar na internet e os estudos no Brasil hoje informam um índice de reincidência em torno de 60 a 70%. Vejam, essa não é aquela história de enxergar o copo meio cheio sendo otimista, ou meio vazio sendo pessimista, mas, sim de ser realista, está comprovado que em torno de 1/3 de nossos condenados não tornam a reincidir, exatamente aquele terço de reabilitáveis que querem e buscam, sinceramente, a reabilitação. Quanto aos demais o Estado nada pode fazer. Ou quem sabe uma lavagem cerebral, para mudar suas mentes?..
A terceira. O encarceramento em massa no Brasil. Esse mantra, talvez, um dos mais repetidos no Brasil dos últimos quarenta anos está baseado em uma enorme exploração e ideologização da estatística acerca dos números respectivos ao encarceramento no Brasil. Segundo uma frase atribuída a diversos autores a estatística é a arte de torturar os números até ele provarem o que queremos demonstrar. Já Benjamim Disraeli, ex-primeiro ministro inglês, dizia existir três tipos de mentiras "as mentiras, as grandes mentiras e as estatísticas".
Ao longo dos últimos dois ou três anos essa manipulação foi desmascarada e denunciada em inúmeros artigos na imprensa nacional, por várias pessoas, principalmente, pelo colega Bruno Carpes[2]. A exposição foi tanta que obrigou o Ministério da Justiça a evoluir na forma de coleta e exposição desses dados, embora ainda persista o erro básico de ser o único País do mundo a tratar como preso todo o apenado (mesmo os vinculados aos regimes sempre aberto e aberto). Resumo da pendenga é que, com os novos números (embora ainda não seja perfeita a avaliação), é possível determinar quem está realmente encarcerado no Brasil. Hoje o número é de 558.275 mil presos, gerando a taxa de 267 para cada 100 mil habitantes, colocando-o na posição 44.ª no mundo e 6.ª dentre os 13 países da America do Sul. Conclusão lógica, inarredável, inexiste encarceramento abusivo ou massivo no País que mais mata no mundo.
A quarta. Na realidade muitos de nossos especialistas fazem uma confusão, não há dúvidas, proposital entre encarceramento em massa e superlotação carcerária. Encarceramento massivo não existe, como visto, mas existe superlotação, aliás, no dizer de Carpes esse é um fenômeno mundial, e o Brasil, como mais da metade dos países que integram o ranking respectivo, possui um excedente de presos em relação ao número de vagas no sistema prisional. No Brasil, o cálculo aponta em torno de 161%, não muito diferente de, exemplificativamente, os 223% do Peru, os 153% da Indonésia ou os 149% da Colômbia.
No entanto, nossos desinformados especialistas arengam que tal situação fere a dignidade humana colocar e manter as pobres vítimas da sociedade aprisionadas em tais condições. Porém, mais importante, diria indispensável, é ouvir quem realmente sabe, pois trabalha empiricamente, inquirindo os maiores interessados no tema, os presidiários. Refiro-me ao trabalho do Professor Pery Shikida, no mais recente de suas pesquisas, entrevistou inúmeros presos detidos em três casas prisionais do RGS – detalhe, uma delas o Presídio central -, os entrevistados, em um dos itens da pesquisa, foram convidados a atribuir uma nota entre 0 a 9 para o estabelecimento no qual detidos. Resultado, 63% dos entrevistados atribuiu nota igual ou superior a 05 para a casa prisional. Logo, gostem ou não os especialistas, os apenados não concordam com a sua tese nessa temática.
Por outro lado, impossível deixar de mencionar, ao menos de passagem, nesse artigo o fato dessa superlotação ser fruto não só da inoperância ou falta de vontade política do Estado, mas, também, e fundamentalmente, obra de ONGs e outras entidades (algumas delas, sabidamente, sustentadas por dinheiro que surge aos borbotões de organismos internacionais) e outras com viés enviesado, interessadas na desestabilização do sistema. Isso precisa ser denunciado, pois a população honesta e ordeira de nosso país, grande maioria, necessita conhecer a realidade. Chega de falácias!.. Tudo não passa de desculpas para o libera geral.
As entidades mencionadas usam isso como método, e não se trata aqui de teoria da conspiração, pois estou afirmando um fato publicamente por elas admitido. Basta colocar, caros leitores, na internet a expressão agenda nacional pelo desencarceramento 2017-2018 e olhem o escrito no item 01, lá está concentrada a ideia-chave: suspensão de qualquer verba voltada para a construção de novas unidades prisionais ou de internação, (sugiro, também, a não edificante leitura do item 06, onde pregam a criação de mais garantias na LEP, e o 10, no qual pretendem, a quase total, extinção da polícia).
Como funciona o método. Os grupos mencionados pressionam os Governos para não destinarem dinheiro para construção de presídios (fruto dessa pressão política o Funpen em 2016 acumulava em torno de R$ 3.8bi), são atendidos e a população carcerária excede, cada vez mais os limites, e eles fazendo a confusão mencionada, saem a pregar a necessidade de desencarceramento, pois é uma barbárie o encarceramento excessivo feito pelo Brasil punitivo. Pronto, eis a receita do CAOS!…
Pior, é ver alguns agentes públicos, com o dever de proteger a sociedade, encamparem o discurso sem perceber do que realmente se trata. Por isso o Brasil assiste a criação, sem lei, e por quem não possui competência para legislar sobre o tema, da audiência de custódia, ambiente criado para o criminoso expor seus senões em relação ao tratamento dispensado durante a prisão, como se fosse uma verdadeira ouvidoria, e, em contrapartida, a vítima é solenemente esquecida. Como consequência da narrativa, vemos uma pregação nacional acerca da necessidade de união das instituições do Estado para desencarcerar. O que era principal, a resposta social ao crime, passou a ser secundário, e o que sequer secundário deveria ser, o soltar criminosos para que estes não tenham o incômodo de estarem presos, transforma-se, como num passe de mágica, no principal.
Para finalizar, não, o sistema prisional brasileiro não está falido. Falido está o sistema progressivo brasileiro – único no mundo a admitir a progressão de regime com o cumprimento de apenas 1/6 da pena. Falida está a Lei de Execução Penal Brasileira com a previsão de incontáveis benefícios para os ofensores da Lei, alguns parecendo até escárnio com a população ordeira (permissão de saidinhas, por exemplo, no dia das mães para matricidas, etc), tanto e tão diversificados benefícios não encontram similar no mundo civilizado. Sintetizo. FALIDO está o sistema de proteção ao criminoso, de toda espécie (pobre ou rico, preto, pardo ou branco, letrado ou iletrado) criado e incentivado no Brasil, quando abrem seus ouvidos a grupos como os citados acima, ao invés de ouvir a voz das ruas e prestar atenção nas experiências comprovadas empiricamente, deixando a população brasileira à mercê da bandidagem. FALIDO, está o sistema leniente de combate ao crime estabelecido há anos no Brasil, pois ninguém aguenta mais. Até quando o povo brasileiro será enganado e menosprezado.
E que Deus tenha piedade de nós!
[1] Desafio os leitores a colocarem no Google as palavras Psicopatia e TAS. Encontrarão vários estudos científicos sobre o tema (inclusive, um feito com detentos brasileiros em 2003, o qual demonstra um grau de reincidência de 77% em Psicopatas e só 21% em não-psicopatas).
[2] Aconselho a leitura do último artigo do Dr. Bruno, com o título "Os números do sistema prisional e a persistência dos fatos", com esse título é possível encontrá-lo na internet.