Thread do jornalista Daniel Rittner (Jornal Valor), postado no Twitter (@rittner_daniel). Conciso e traz a mais informativa análise sobre affair OCDE |
Daniel Rittner
O caso da carta de Mike Pompeo colocou um tema árido nas mesas de botequim.
É legal ver o interesse, mas antes de entrar na torcida e cair na polarização, vale aprofundar. Pode ser chato, mas evita falar bobagens apaixonadas.
Vamos falar com mais propriedade sobre OCDE?
O caso da carta de Mike Pompeo colocou um tema árido nas mesas de botequim.
É legal ver o interesse, mas antes de entrar na torcida e cair na polarização, vale aprofundar. Pode ser chato, mas evita falar bobagens apaixonadas.
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— Daniel Rittner (@rittner_daniel) October 10, 2019
1) A carta é frustrante? Com todas as letras: sim, é bem frustrante. Mas não surpreendente.
Trump deu apoio público e irrefutável à entrada do Brasil na OCDE. Mas já havia feito isso bem antes com a Argentina. Gosta de Macri e era amigo de Franco, o pai de Mauricio. É pessoal.
2) Em maio, durante a conferência anual de ministros dos países-membros, o diretor-geral da OCDE, Ángel Gurría, montou um plano de entrada gradual: ARGENTINA e ROMÊNIA na frente, depois o Brasil e o Peru, finalmente Croácia e Bulgária — todos os atuais candidatos.
3) EUA e UE têm visões distintas.
UE querem uma ampliação robusta da OCDE. É algo meio óbvio: uma organização econômica internacional continuará sendo importante sem China, Rússia, Índia, Brasil?
Só que os europeus (espertinhos) querem manter sua predominância na organização.
4) Os EUA temem que a OCDE vire uma espécie de "ONU da economia": uma organização inchada, desfuncional, com debates inócuos.
O governo Trump é antiglobalista, despreza instituições multilaterais. E, como já ouvi em Washington, nem entende esse interesse todo do Brasil na OCDE.
5) O Brasil já aderiu voluntariamente a 72 dos 248 instrumentos legais e normativas da OCDE. Outros 135 estão em análise. Nenhum outro candidato fez mais.
Isso é bom. Muitos chamam a OCDE de "clube de países ricos". Não é. É um clube de boas práticas. Brasil está no bom caminho.
6) EUA querem dar um empurrão na candidatura argentina porque acham que isso pode ser um último trunfo de Macri na corrida eleitoral. Besteira de americano. Se ele subir um palanque montado na Bombonera e disser que a Argentina entrou na OCDE, vai ser vaiado.
7) Por tudo isso, é um erro estratégico dos EUA dar apoio explícito à Argentina e à Romênia, e não. Mas os EUA não deixaram de apoiar o Brasil. Só não deram apoio imediato.
De qualquer forma, volto ao ponto de antes: é frustrante, sim.
8) O Brasil foi precipitado e abriu mão do tratamento especial e diferenciado para países emergentes na OMC. Era a contrapartida assumida por Bolsonaro em troca do apoio de Trump. Foi precipitado. Outros não fizeram isso. Convinha esperar.
9) Vamos ser sinceros? Os governos Temer e Bolsonaro dão importância exagerada à OCDE. É bom fazer parte dela? Provavelmente sim. Vale tanto esforço? Não.
Nenhum país perde investimento por estar fora da OCDE. Que o diga a China. Que o diga o próprio Brasil de FHC e Lula.