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Cel Montenegro – Impacto da ética sobre a tecnologia nos conflitos do século XXI

Série Conflitos do Século XXI

 

Série de artigos e pensamentos sobre os Conflitos do Século XXI desenvolvida pelo Cel Fernando Montenegro.

1 – Fragmentação dos Conflitos Contemporâneos

2 – Impacto da ética sobre a tecnologia nos conflitos do século XXI

Impacto da ética sobre a tecnologia nos conflitos do século XXI

 

Coronel Fernando Montenegro

Forças Especiais do Exército Brasileiro, Comandou a Ocupação do Complexo do Alemão, Doutorando em Relações Internacionais na Universidade Autônoma de Lisboa, Auditor do Curso de Defesa de Portugal

O estudo científico para identificar os novos desafios das forças de segurança e as respostas mais adequadas a cada um deles precisa iniciar com uma análise geopolítica.  A leitura de cenário precisa ter visão de futuro. Na última década, americanos e europeus combateram nas montanhas do Afeganistão, colombianos e peruanos disputam o controle de territórios com narcoguerrilhas e franceses desdobraram tropas para combater nos desertos do Mali contra nativos que se movem com velocidade num terreno que dominam. Mas é preciso perceber que há uma forte tendência na urbanização da população, levando à possibilidade da criação de cidades ingovernáveis. 

 

Um dos exemplos cássicos dessa tendência é o Rio de Janeiro, onde centenas de grupos armados com fuzis se deslocam entre as duas mil comunidades que, em sua maioria, estão sob o controle de milicianos e narcotraficantes. Só isso já evidencia uma pulverização de conflitos e  caracteriza um cenário de confrontos de diferentes matizes. Algumas vezes, embates ocorrem entre o Estado e criminosos, em outras vezes, disputas entre as próprias gangs territoriais.

 

Trinta anos atrás a maioria dos exércitos não estava preparada para confrontos urbanos de baixa intensidade de enfrentamentos da insurgência criminal. No Brasil, percebe-se uma rápida adaptação das Forças Armadas, com a evolução do equipamento das tropas, mecanização de unidades de infantaria do Rio de Janeiro e alteração nos módulos de instrução, além da criação do Centro de Instrução de Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Campinas-SP) e Centros de Adestramento especializados em mais de uma região.  Vale ressaltar também o incremento da carga horária, dos estudos de caso e das publicações acadêmicas sobre o tema nas escolas de formação, aperfeiçoamento e altos estudos.  

 

No Século XXI, a intolerância da opinião pública sobre baixas militares em operações aumentou, principalmente em conflitos fora do território dos países, levando a questionamentos sobre gastos orçamentários. Por sua vez, esse cenário favoreceu a consolidação do conceito das Companhias Militares Privadas, onde ex-militares recebem muito mais, a serviço de terceiros e sem o desgaste diplomático institucional no caso de óbito do agente.

Outra consequência foi a identificação da necessidade de se usar mais tecnologia para que a capacidade de observação, os ataques remotos, a excelência nas comunicações e a robotização possam proteger vidas de combatentes.

 

A observação de um terreno urbano é muito dificultada pela geografia. Os americanos normalmente monitoram as atividades de uma área antes de intervir através de satélites e drones por longos períodos. No Brasil, a estréia dos drones como plataforma de vigilância nas operações urbanas foi por ocasião da Operação São Francisco, quando as Forças Armadas permaneceram ocupando o Complexo da Maré em 2013 e 2014.

 

Robôs têm precedido a progressão de tropas israelenses e americanas para localizar e neutralizar dispositivos eletrônicos improvisados (IEDs) e permitir a visualização de resultados de ações no terreno, pois uma das maiores dificuldades existentes, especialmente nos armamentos modernos, é saber o resultado do fogo.  Finalmente, os robôs têm uma função relevante: reunir evidências para poder justificar as ações das Forças Armadas ou Policiais em relação à opinião pública, políticos ou um tribunal.

 

A grande questão de hoje nas democracias ocidentais que em breve chegará ao Brasil é se o uso de robôs é ético. De fato, não é a mesma coisa enviar um drone para fazer um “bombardeio cirúrgico” na província de Idlib, Nordeste da Síria, ou enviar uma equipe do Delta Force para eliminar Abu Bakr al-Baghdad, líder do Estado Islâmico.  No nível da decisão política, não é fácil. 

O problema é que, com um drone, a gradação na resposta é mais limitada.  Homens no terreno, significam elevado risco de baixas humanas, mas ainda podem parar de apertar o gatilho se uma criança estiver na frente do alvo.  Esta é a diferença entre uma arma transportada por um avião e um míssil: É muito mais difícil interferir no resultado de um míssil após ter sido enviado. Enquanto isso, há possibilidade de interferir na ação de um piloto de uma aeronave, até o último momento, ou dar flexibilidade do “bom senso” dependendo do que ele avaliar na situação. Com um drone, a condenação é menos flexível, o que pode representar um problema moral. 

 

Outro debate que se trava é em relação à questão da ética é muitas vezes colocado de maneira ingênua.  Quando se critica as intervenções militares de alguns países com bombardeios por vetores aéreos sem que  haja uma declaração de guerra, omite-se que há muito tempo russos, americanos,  franceses e o Reino Unido enviam forças especiais contra atores externos,  mesmo em tempos de paz, não começou com drones. Também vale dizer que os israelenses não hesitaram em caçar os responsáveis pelo atentado contra os atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique-1972, um por um.  

 

Em relação à ética, também vale mencionar a vertente da Guerra Eletrônica, que envolve desde a interferência nas comunicações das forças adversas até a interceptação de conversas com a finalidade se servirem como fontes de dados. Quando se opera num teatro de operações externo ao território nacional a liberdade é muito maior. Todavia, num evento como a Intervenção Federal na Segurança do Rio de Janeiro em 2018, não haveria como fazer isso indiscriminadamente.

A cidade torna-se uma gigantesca área com várias manchas criminais que também se deslocavam. Nesse cenário, as interceptações telefônicas só podem ocorrer com autorização judicial perfeitamente fundamentadas, o que dificulta muito o trabalho de Inteligência mas permanece dando à maioria da população as garantias individuais de privacidade nas comunicações. 

No Brasil, a primeira vez que essa dimensão foi empregada nesse tipo de operações foi na Operação Arcanjo (2010-2012), por ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha. Embora pouquíssimas autorizações de interceptação de telefones tenham sido concedidas, só a monitoração das transmissões de rádio tipo “talk about” já trouxeram excepcionais resultados na ocasião e direcionaram várias operações exitosas.

 

De tudo isso, vale ressaltar que uma tropa que opera fora do território nacional, possui normalmente uma regra de engajamento com muito mais liberdade de ação e menos questionamentos do que uma tropa que participa de operações de Garantia da Lei e da Ordem dentro do país.

A razão disso numa democracia é bem clara, qualquer resultado bom ou ruim terá reflexo nas eleições; nesse sentido, é sempre melhor errar para menos porque na construção da narrativa que predomina por parte da imprensa, é preferível que um policial ou militar tenha uma exposição maior ao risco do que um civil. Basta ver as repercussões da morte de agentes do Estado e a de civis.

É nesse sentido que existe um esforço de parlamentares ligados à Segurança Pública buscando a aprovação do excludente de ilicitude no caso de legítima defesa para os militares que têm participado dessas operações, como foi no caso do emprego de tropas federais durante o carnaval de 2020.

 

 

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