Série Conflitos do Século XXI
Série de artigos e pensamentos sobre os Conflitos do Século XXI desenvolvida pelo Cel Fernando Montenegro. 1 – Fragmentação dos Conflitos Contemporâneos 2 – Impacto da ética sobre a tecnologia nos conflitos do século XXI |
Fragmentação dos Conflitos Contemporâneos
Coronel Fernando Montenegro
Forças Especiais do Exército Brasileiro, Comandou a Ocupação do Complexo do Alemão, Doutorando em Relações Internacionais na Universidade Autônoma de Lisboa, Auditor do Curso de Defesa de Portugal
Quando se observa as quatro gerações de guerra, percebe-se que a evolução da tecnologia influencia e altera a forma dos conflitos. Essa evolução tecnológica também depende da natureza dos conflitos, cuja grande característica hoje é a fragmentação. Durante a Guerra Fria, havia dois principais modelos. A guerra que estava sendo constantemente preparada, com milhões de soldados e blindados da OTAN e do Pacto de Varsóvia mobilizados permanentemente na Europa, ou seja, uma repetição das guerras mundiais, e a guerra revolucionária, caracterizada por confrontos do tipo guerrilha contra exércitos convencionais.
No auge deste período da bipolaridade havia uma corrente de estudiosos que descreviam o século XX como sendo a “Era das Pequenas Guerras”. Isso porque, a guerra convencional existente entre os blocos liderados pelas potências atômicas tornou-se praticamente impossível de eclodir em função da ameaça nuclear e verificava-se uma expansão dos conflitos na periferia, que passaram a ser denominados como de “baixa-intensidade”, “guerrilha”, “irregular”, “assimétrico” etc.
Com a evolução dos armamentos, as concentrações de meios militares tornaram-se muito vulneráveis. Desde a Guerra Civil Americana, a metralhadora obrigou as formações de infantaria a se dispersarem e usar o terreno para se abrigar; a evolução da artilharia acentuou isso na I Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, diante de um artefato nuclear, uma concentração de centenas de milhares de combatentes ou blindados passa a ser um alvo altamente compensador. Atualmente, a evolução tecnológica da artilharia convencional permite que, num campo de batalha, possam ter desempenho similar ao de uma arma nuclear de pequeno calibre.
A brusca mudança de cenário pós-Guerra Fria levou as guerras tradicionais a um colapso. O último modelo de confronto à moda antiga foi a Guerra Irã-Iraque, na década de 1980. É improvável que seja testemunhado esse tipo de conflito em um futuro próximo; não só porque as concentrações militares são vulneráveis, mas também porque ninguém tem meios para travar guerras tão longas com armamentos sofisticados e caros, hoje os beligerantes têm acesso a outros métodos.
Observe-se a Guerra do Golfo no início de 1991: o resultado (previsível) foi determinado pela campanha de bombardeio americana anterior à invasão. Os Estados Unidos tiveram uma superioridade decisiva: o resultado era conhecido, independentemente da duração do conflito.
A maioria das guerras de hoje não é travada entre Estados, como alguns atores foram desmembrados, as contendas ocorrem muitas vezes entre entidades políticas (legítimas ou não), decorrentes: do enfraquecimento de nações, da perda do monopólio da violência pelos Estados, da divisão de países e/ou movimentos separatistas.
Vale dizer que esse é o único tipo de guerra em que os americanos foram derrotados, como exemplo cita-se a guerra do Vietnã. É esse o tipo de conflito que está acontecendo no Vale dos rios Apurimac, Ene e Mantaro (VRAEM) do Peru, favelas do Rio de Janeiro, selvas colombianas, Iraque, na Síria, na República Centro-Africana, no Sahel, Mali, Síria ou na Nigéria.
O resultado mais marcante desse tipo desse fenômeno no terreno é a fragmentação dos conflitos. Hoje, a superioridade tecnológica, de equipamento e de adestramento das Forças Armadas de algumas potências militares é tal que se torna impossível serem enfrentadas em um campo de batalha convencional, e isso acaba ocorrendo de outra forma.
Consequência: o campo de batalha clássico desaparece em sua forma tradicional para dar lugar a vários micro campos de batalha ou mesmo combates em que não há frentes nem retaguarda, quando ocorrem atentados de terroristas ou insurgência criminal.
As Forças Armadas e de policias devem ser reestruturadas para ter capacidade de responder a hipóteses que ainda nem se conhece e que ocorrerão dentro e fora do território nacional. Se for necessário intervir no Complexo do Alemão, Cabeça do Cachorro, Haiti, África ou qualquer outro lugar, é necessário equilibrar as forças quantitativa e qualitativamente, além de identificar a medida exata de utilização de blindados, helicópteros, efetivos humanos, drones e outros vetores.
Nota DefesaNet
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Cel Montenegro – O Sangue Azul dos Policiais do Rio de Janeiro
O Cel R1 EB Fernando Montenegro analisa questões fundamentais relacionadas às ações policiais do RJ
Fevereiro 2020 DefesaNet Link