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Brasil precisa retomar o binômio Segurança e Desenvolvimento

Brasil precisa retomar o binômio Segurança e Desenvolvimento

 

Resenha Estrategica do MSIa

A pandemia de Covid-19 já havia provocado sérias avarias na nau das ilusões econômicas brasileira, que se encontra virtualmente à deriva desde 2015. Agora, a guerra na Ucrânia se encarrega de deixá-la em condição crítica, com um autêntico disparo de míssil hipersônico contra a cadeia logística de alguns dos insumos mais fundamentais para o seu funcionamento, em especial, combustíveis e fertilizantes.

O problema é que a nau brasileira, ainda entre as 15 maiores do mundo, está incapacitada por um software de navegação infestado por um vírus ideológico que condiciona a sua navegação segura à atração de investimentos privados, preferencialmente estrangeiros, e ao afastamento quase total do Estado dos assuntos econômicos, com a liquidação das suas restantes empresas estratégicas ou a sua conversão em fábricas de dividendos, como preparação para a privatização.

Essa sequência das duas crises externas configura uma “tempestade perfeita”, a qual representa uma grave ameaça para uma nau já fragilizada e sem salva-vidas para todos os ocupantes, principalmente, os numerosíssimos passageiros da terceira classe e os clandestinos no porão. Todavia, para enfrentá-la, torna-se imprescindível a “limpeza” do software de navegação, ao qual se aferra fanaticamente o programador-chefe Paulo Guedes, boquirroto vendedor de sua versão mais recente.

Os resultados aí estão, na esteira de um processo de acomodação passiva do País à dinâmica da “globalização” financeira e seus instrumentos de guerra híbrida contra países em desenvolvimento, exemplificados na politização das questões ambientais e indígenas. Na pandemia, o Brasil viu escancarada a sua dependência externa de medicamentos, insumos para a sua produção, equipamentos e suprimentos básicos de saúde pública, muitos dos quais anteriormente produzidos aqui, sem falar nos prejuízos verdadeiramente incalculáveis decorrentes de dois anos de restrições econômicas e sociais. O conflito aprofunda a vulnerabilidade, expondo a inconsistência de um dos maiores produtores mundiais de alimentos ser um dos maiores importadores de fertilizantes (em grande medida, da zona de guerra) e os previsíveis impactos negativos da paridade internacional dos preços dos derivados de petróleo adotada pela Petrobras desde 2016, quando a empresa trocou as políticas de Estado por uma agenda de interesses dos mercados financeiros. Basta recordar que quase 70% do transporte de cargas no País é feito em caminhões consumidores de óleo diesel, produto que a Petrobras optou por importar (deixando as refinarias nacionais parcialmente ociosas) e que poderá faltar nos mercados internacionais.

A privatização da Eletrobras tende a agravar ainda mais esse cenário borrascoso, pois a empresa ainda exerce um papel vital na estruturação do setor elétrico nacional, que sem ela ficaria quase totalmente dominado por uma pletora de interesses segmentados, tanto privados como de estatais estrangeiras, deixando os consumidores ainda mais à mercê de tarifas inteiramente controladas pelos mercados.

Definitivamente, esse vírus ideológico precisa ser extirpado do software econômico brasileiro. Não há registro histórico de algum país do grupo dos 40 mais desenvolvidos tenha atingido tal condição sem uma estreita sinergia entre o Estado e os setores produtivos em geral; em lugar algum, os “mercados” foram os vetores supremos do desenvolvimento, como vendem os mascates da “escola de programação Paulo Guedes”. EUA, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul, Canadá, Suécia, Finlândia etc. – nenhum destes países entregou os seus destinos econômicos aos “mercados”, como o Brasil vem fazendo desde a década de 1990.

O próprio Brasil tem exemplos históricos relevantes, pois virtualmente toda a infraestrutura física moderna que serviu de base para a rápida industrialização do período 1930-1980 foi construída pelo Estado, que também contribuiu decisivamente para a expansão da produção de bens de consumo, insumos básicos e bens de capital. Valem destacar o Primeiro e o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (I e II PND), com o binômio Segurança e Desenvolvimento dos governos Médici e Geisel, idealizados para enfrentar a crise gerada a partir de agosto de 1971, quando os Estados Unidos decidiram abolir o sistema de Bretton Woods, provocando as ondas de instabilidade monetária e a financeirização da economia mundial. Processo ao qual se seguiram as crises do petróleo e da dívida, provocadas pelo choque arbitrário de juros estratosféricos do presidente da Reserva Federal, Paul Volcker.

Evidentemente, os tempos da crise atual são outros, mas ela é mais profunda que a da década de 1970, pois representa um ponto de inflexão do ordenamento jurídico internacional, que requer uma reconstrução das bases de uma autoridade mundial legítima, com pleno respeito aos princípios da segurança dos Estados nacionais no contexto de uma ordem multipolar. Neste espaço de mudança, manifestam-se muitos riscos para a própria segurança dos Estados, pelo que se exige a utilização de todos os instrumentos de defesa econômica para garantir uma certa estabilidade interna. No caso brasileiro, abrir mão do controle das empresas estatais de energia e do sistema financeiro e bancário estatal constitui não apenas irresponsabilidade, mas, não menos, propensão ao suicídio nacional. O Brasil precisa retomar com a maior urgência a sinergia entre Estado e iniciativa privada, sem a qual nenhum país deixa o porto do subdesenvolvimento, e promover uma retomada do desenvolvimento com uma ampla inclusão social.

E há um componente externo que não pode ser desconsiderado: a crescente interdependência das economias de todo o mundo e a emergência do eixo eurasiático como o novo centro de gravidade geoeconômico e geoestratégico do planeta. Diante dele, o Brasil ganha a enorme responsabilidade de atuar como o centro de gravidade da integração física e econômica da América do Sul, processo que qualifica o subcontinente como um contrapeso positivo à integração eurasiática. Ou seja, ao binômio segurança e desenvolvimento, podem-se acrescentar a integração sul-americana, como diretrizes para a retomada do projeto nacional brasileiro.

Para tal retomada, o Brasil dispõe de todos os requisitos objetivos: uma vasta base produtiva (no momento, subutilizada), grande força de trabalho disponível (em grande medida, involuntariamente ociosa), massa crítica de pesquisadores, engenheiros e técnicos qualificados, reservas cambiais suficientes para enfrentar grandes tormentas (parte das quais poderia perfeitamente ser investida em atividades geradoras de valores, como infraestrutura) e vastos recursos naturais.

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