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Em que pesem as dúvidas reavivadas pelo acidente de Fukushima e o grande potencial hidrelétrico, solar e eólico (ventos) ainda disponível no Brasil, faz sentido concluir Angra 3 e construir outras quatro novas usinas previstas no planejamento energético do governo federal. Falta, porém, resolver quatro pendências cruciais.
O Brasil já produz 2% de sua eletricidade por meio das usinas termonucleares Angra 1 e 2. As reservas brasileiras de urânio ocupam a sexta posição mundial e seriam suficientes para alimentar seis reatores pelo prazo de 250 anos. É uma das três nações, com EUA e Rússia, a deter jazidas e tecnologias de enriquecimento necessárias para utilizar o combustível.
São razões bastantes para o país prosseguir no projeto de dominar o ciclo completo da energia nuclear -com fins pacíficos, como está na Constituição. Para tanto, o programa precisa ganhar escala.
A primeira pendência é a licença definitiva de operação de Angra 2. Constitui um absurdo burocrático que a usina esteja em operação desde o ano 2000 sem a permissão legal. Um termo de ajustamento de conduta foi firmado pela Eletronuclear (estatal subsidiária da Eletrobrás) com o Ibama e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), mas a licença continua barrada pelo Ministério Público Federal. O poder público tem a obrigação de desatar esse nó.
O segundo ponto sem definição afeta o plano de retirada da população de Angra em caso de vazamento. O esquema existente depende da rodovia Rio-Santos, notoriamente malconservada e propensa a deslizamentos. Após Fukushima, veio à tona estudo da Eletronuclear para realizar a evacuação também por mar, com a construção de embarcadouros.
A terceira indefinição diz respeito à criação de uma agência reguladora autônoma para o setor, que seria desmembrada da Cnen. É uma demanda que vem do exterior, principalmente: pelo padrão internacional, a agência fiscalizadora não deveria ser também executora da política nuclear.
A Cnen é, por exemplo, acionista controladora das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa que extrai urânio e produz o combustível nuclear. O governo federal anunciou no final de 2008 o plano de criar tal agência, mas ela não se materializou.
Por fim, persiste a situação incômoda -sob a luz do desastre no Japão- de interinidade "branca" em que a diretoria da Cnen vem sendo mantida. O novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, parece inclinado a substituir o atual presidente, Odair Gonçalves, no cargo desde o primeiro mandato de Lula, mas não se definiu sobre a sucessão.
Em quaisquer condições de temperatura e pressão, o tema nuclear é estratégico e sensível -mais ainda sob a onda de choque produzida desde Fukushima. A confiança da população é decisiva para a exploração racional dessa energia. Não é nada tranquilizador ver o governo manter tantas indefinições a seu respeito.