Não se pode menosprezar o papel do Mercosul na distensão geopolítica no extremo do continente, e como alavanca no comércio entre os países do bloco. Foi graças à perspicácia dos presidentes José Sarney e Raúl Alfonsin que Brasil e Argentina, no início dos respectivos processos de redemocratização, em meados da década de 80, estabeleceram as bases diplomáticas para a criação do bloco comercial, com a adesão de Uruguai e Paraguai.
Assim como é preciso reconhecer os avanços, tem-se de admitir os problemas. Faz tempo que o Mercosul, como união aduaneira, não atende mais aos interesses brasileiros e passou a servir de camisa de força para o país.
O bloco trincou, por força da crise econômica e institucional argentina, e entrou em crise pelo crescente protecionismo do vizinho. Uma contradição em termos com o conceito de união aduaneira, cujo mecanismo básico da tarifa externa comum foi jogado no lixo pela Casa Rosada.
Tanto quanto isso, o Brasil atola na anemia do Mercosul numa fase em que no mundo se multiplicam acordos comerciais, com novos blocos e/ou acertos bilaterais, e o país, por força do tratado do qual passou a fazer parte a Venezuela, fica de mãos atadas por necessitar da aprovação de todos os parceiros para assinar algum desses tratados. O Uruguai, por exemplo, só faltou sentar-se à mesa para selar um acordo comercial com os Estados Unidos. Foi impedido pelo Mercosul.
No fim de semana, O GLOBO trouxe uma radiografia dos danos já sofridos pelo comércio exterior brasileiro no próprio mercado latino-americano, amplificados pela perda de competitividade da indústria nacional, causada por erros internos de política econômica.
O peso brasileiro nas importações no continente, entre 2008 e 2011, caiu de 11% para 9,7%, espaço ocupado por China, Estados Unidos, Índia e União Europeia. O Brasil perdeu vendas no valor de US$ 7,4 bilhões, basicamente manufaturados.
Entre as causas, destaca-se o protecionismo argentino, diante do qual Brasília é muito condescendente, a perda de competitividade em si brasileira e a agressividade chinesa. Com a consolidação da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru), mais aberta a acordos, e próxima aos EUA, o peso brasileiro ficará ainda menor.
O Itamaraty precisa analisar com seriedade a conversão do Mercosul de união aduaneira numa área de livre comércio, como já foi. A integração econômica continua, mas, com o fim da tarifa externa única – como se o Mercosul fosse um único país, o que já não é -, cada membro tem liberdade para negociar acordos bilaterais com quem quiser. Sem vetos.
Argentina e Venezuela, refratários ao livre comércio, podem praticar o retrocesso que desejarem. Mantém-se a relativa coesão geopolítica no Cone Sul, e o Brasil fica em condições de rever sua política de inserção nas cadeias produtivas globais, algo urgente para o setor industrial.