Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
Publicado 17 Abril 2016
Dilma não é uma santa, muito menos uma coitadinha. Quando assumiu o poder, conhecia os “ralos” da administração
A sobrevida do governo Dilma Rousseff se deve a dois fatores: o uso indevido da máquina pública para manter uma base minoritária na Câmara, com objetivo de impedir a aprovação do pedido de impeachment, uma tarefa inglória; e a mobilização de movimentos sociais organizados, de há muito aparelhados pelo PT, cooptados pelo governo e financiados com dinheiro público. Talvez seja essa a diferença principal entre sua situação e a de Collor de Mello, cuja base de apoio de dispersou na votação de seu impeachment.
Todos os prognósticos independentes apontam para uma vitória da oposição, que já não se restringe ao PSDB, DEM, PPS e Solidariedade, como quando tudo começou; agora ela é protagonizada pela coalização de ex-aliados do governo em torno do vice-presidente Michel Temer, formada pelo PMDB, PP, PR, PSD e PRB. O bloco formado pelo PT, PCdoB e PSOL, com as dissidências dos partidos que se deslocaram do governo, está sendo articulado homem a homem, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com ajuda do ex-deputado Walfrido dos Mares Guia, um aliado de primeira hora, grande operador.
Onde foi que a Dilma errou? Em quase tudo. Como disse aquela faxineira no Anhembi, no dia em que a presidente foi vaiada espontaneamente pela primeira vez: “tudo em que ela põe a mão dá errado”. No atacado, errou na concepção de governo, burocrático-autoritária, e na “nova matriz econômica”, voluntarista por excelência.
Mas também errou no varejo da operação política da base de governo e do pacto empresarial (agronegócio-indústria automobilística-empreiteiras) que herdou de Lula. Seu problema maior não era com a oposição, pois a presidente nunca gostou dos aliados que tem. Trombou também com os parceiros de negócios do Estado, porque achou que iria arbitrar suas taxas de lucro quando já não tinha autoridade para isso, por causa da roubalheira que fazia parte do pacote de sua candidatura em 2010.
Dilma não é uma santa, muito menos uma coitadinha. Quando assumiu o poder, conhecia os “ralos” da administração. Como o ex-presidente Lula, sabia do que se tratava quando eclodiu o caso de Pasadena, a refinaria do Texas comprada de forma fraudulenta. Tentou por todos os meios salvar as empreiteiras envolvidas no escândalo da Lava-Jato, mas não conseguiu “melar” as investigações, como gostaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A presidente da República não faz autocrítica dos seus erros, talvez porque não os reconheça ou porque entraria em conflito com a base social que lhe restou: os movimentos sociais e círculos artísticos e intelectuais que ainda a defendem e fazem muito barulho contra o impeachment. Uma autocrítica verdadeira, no mínimo, dividiria esses setores, espalhando desânimo e decepção.
É mais fácil demonizar a oposição, usando a desgastada imagem do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dispensa apresentações.
Às vésperas da votação do impeachment, a disputa nos bastidores do Congresso se tornou mais acirrada, ao mesmo tempo em que o PT intensificava a mobilização de rua para intimidar os “coxinhas” que pretendem ir pra rua, numa espécie de pré-estreia do que o MST e outras organizações “militarizadas” que apoiam o governo prometem fazer para “resistir ao golpe”.
A forma como a Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional atuaram na sexta-feira merece uma boa explicação do ministro da Justiça, Eugênio Aragão.
Cortina de fumaça
A Constituição está sendo respeitada. A narrativa do golpe de Estado sustentada pela presidente Dilma é uma grande cortina de fumaça para seus erros e três outros ingredientes da crise: o esquema de corrupção que operava nas entranhas do governo de forma sistemática e organizada, sob comando do PT; a recessão da economia, que deve chegar a 3,8%, com generalizada redução da renda familiar; e a crise social, com desemprego em massa e degradação das condições de vida da população.
O governo Dilma já não tem nenhuma chance de dar certo. Por que tantas pessoas bem-intencionadas, cultas e inteligentes se lançam às ruas para defendê-lo? Por que existe uma tal de ideologia, que é sempre uma forma distorcida da realidade, sobretudo quando travestida de “verdade absoluta”.
O discurso nacionalista e classista, que atribui a crise ao imperialismo e à luta de classes, ainda tem certa audiência, embora não tenha a menor possibilidade de produzir uma saída para a situação que o país enfrenta. Além disso, o simples fato de o vice-presidente Michel Temer assumir o poder não é garantia de uma solução fácil para crise. Ela não existe. O que pode existir é um governo mais competente e representativo para enfrentá-la.