Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
Certa vez, o ex-prefeito carioca César Maia, fazendo uma autocrítica de sua gestão, disse que o seu maior erro foi dar uma entrevista no exterior sobre a situação da cidade depois de um temporal que havia inundado vários bairros do Rio de Janeiro.
Os estragos eram maiores do que a habitual capacidade de resposta da administração, o que ele só descobriu quando chegou. É mais ou menos a situação do presidente Michel Temer em relação às manifestações de protesto contra seu governo: no exterior, avaliou mal o que estava acontecendo.
O Palácio do Planalto precisa se convencer de que está diante de uma oposição dura e organizada, formada por forças que estão encasteladas em muitos órgãos e repartições federais e controlam os movimentos sociais, dos sem-teto e sem-terra às principais centrais sindicais.
Além disso, o PT não luta pela volta da presidente Dilma Rousseff, cuja saída do Palácio da Alvorada foi vista com alívio por deputados e senadores da legenda, apesar da retórica contra o impeachment. Luta para desestabilizar o governo Temer, mobilizando outras forças e setores insatisfeitos com a crise.
Até agora, a maioria da população não aderiu aos protestos contra o governo, embora os índices de aprovação sejam baixíssimos. Os trabalhadores também não estão engrossando os protestos, quando nada porque o desemprego bate à porta das famílias.
Mas as corporações da alta burocracia, servidores públicos e funcionários de estatais já sentiram o cheiro de animal ferido e logo começarão a pressionar o governo. A greve dos bancários deflagrada ontem, alavancada pelos funcionários do Banco do Brasil, será um bom termômetro do ânimo da tropa.
Na cozinha do Palácio do Planalto, criou-se o fetiche de que a aprovação definitiva do impeachment funcionaria como uma espécie de bálsamo milagroso, tanto do ponto de vista da economia como da política. A forma como foi aprovado pelo Senado, porém, mostrou que a situação não é bem essa. Dilma Rousseff foi poupada de uma punição mais dura, ao preservar o direito de exercer cargos públicos, numa votação que serviu também para mostrar que o presidente Temer não pode contar com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que tem a sua própria política. Ou seja, existe um polo de poder no Congresso que não está alinhado e pode surpreender em momentos decisivos.
Os ministros do chamado núcleo duro do governo também ainda não se convenceram de que não são um governo de salvação nacional, mas um governo de transição, cuja legitimidade é dada pelo fato de que Michel Temer foi escolhido vice pela presidente deposta e com ela foi eleito, sendo, por isso mesmo, o seu sucessor legítimo em caso de impeachment.
Numa situação como essa, a sustentação popular dependeria de uma operação política das mais complexas, ou seja, recompor a sua base conquistando o apoio dos que faziam oposição ao governo e tendo como adversários os ex-aliados majoritários. Isso não acontecerá no curto prazo; quiça, só no final do governo, se for bem-sucedido.
O pirão
Talvez seja um grande equívoco supor que tudo se resolverá com o ajuste fiscal e as reformas propostas para a economia, principalmente a da Previdência e a trabalhista. No mundo inteiro, essas reformas foram feitas a fórceps, por governos eleitos para isso, como na Inglaterra de Margareth Thatcher, ou que se depararam com situações ruinosas após as eleições, caso recente da Grécia de Aléxis Tsipras. O Brasil não está numa situação, nem noutra.
Não há saída de curto prazo para a economia, só há uma luz no fim do túnel na política: as eleições de 2018. A manutenção do calendário eleitoral é o melhor antídoto contra a narrativa do golpe. O problema é como aprovar as reformas e chegar até lá com as forças que aprovaram o impeachment unidas.
Não haverá grande apoio popular às medidas de ajuste fiscal, esse apoio somente virá depois, se as mudanças na economia resultarem em mais investimentos, mais oportunidades de negócios e mais empregos para a maioria. O sucesso do governo depende mesmo é de apoio político no interregno entre as eleições municipais e a sucessão de Temer.
Esse apoio, porém, não será possível se o PMDB e outros partidos da antiga base governista atuarem como faziam no governo Dilma, ou seja, na base do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, esperando que a antiga oposição lhes dê sustentação só porque apoiou o impeachment. A opinião pública está com ojeriza a tudo o que acontece em Brasília.
Ou seja, por mais que o presidente Michel Temer ande discutindo a relação com os aliados, é preciso que as forças que o apoiam tenham uma agenda pactuada, ainda que o preço disso seja reduzir a sua amplitude. Essa agenda ainda não está clara, tanto que o governo enfrenta dificuldades para aprovar as propostas mais estratégicas do ajuste fiscal — como o teto para os gastos públicos — por falta de apoio da sua própria base.