Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
O ex-ministro José Dirceu deixou a sede da Justiça Federal em Curitiba, no fim da tarde de ontem, com uma tornozeleira eletrônica; vai morar em Brasília, com a mulher e a filha de 7 anos, enquanto aguarda novo julgamento no Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, em Porto Alegre.
Sua libertação, por decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na terça-feira, representa uma forte inflexão nos rumos da Operação Lava-Jato. Foi uma espécie de freio de arrumação na atuação do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, que já vinha sendo alvo de críticas do ministro Gilmar Mendes, por causa das “prisões prolongadas”.
Além de Gilmar, votaram a favor da libertação de Dirceu os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli; contra, Celso de Mello, decano da Corte, e o ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin. A decisão está em linha com a libertação de outros réus condenados em primeira instância que estavam presos em Curitiba, mas tem importância simbólica muito maior.
Em duas sentenças de Moro, Dirceu foi condenado a mais de 31 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Já cumpria preventiva (sem prazo determinado) desde agosto de 2015, sob a alegação de que havia risco de cometimento de novos crimes.
O entendimento do STF, no entanto, é de que já não há risco de prática de novos delitos e que, agora, a prisão só poderá ser efetivada se Dirceu for condenado na segunda instância — no caso, em julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que ainda não tem data para acontecer. Essa decisão vinha sendo esperada havia meses no mundo jurídico, até porque o ministro Gilmar Mendes nunca escondeu sua insatisfação com a condução dada à Lava-Jato pela força-tarefa e pelo próprio Moro.
Aconteceu num momento particularmente importante, porque o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, recentemente, havia declarado interesse em colaborar com a Justiça durante interrogatório conduzido por Moro. Depois da decisão, reconsiderou a questão e dispensou o advogado que havia contratado para negociar a delação.
Ontem, Edson Fachin reiterou seu entendimento sobre a matéria e negou um pedido de liberdade de Palocci, preso desde setembro do ano passado, em Curitiba, pela Operação Lava-Jato. Foi uma decisão monocrática, em pleno acordo com o regimento do STF, mas com uma diferença fundamental.
Fachin decidiu levar a questão ao plenário do Supremo para que os outros 10 ministros tomem uma decisão final, ou seja, a Corte pode chancelar ou revisar a interpretação dada pela Segunda Turma às chamadas “prisões prolongadas”.
Palocci responde por suposta prática de corrupção e lavagem de dinheiro, acusado pelo Ministério Público de receber propina da Odebrecht para beneficiar o grupo em contratos e licitações da Petrobras. Seu advogado contesta a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já havia negado sua liberdade.
A Quinta Turma do STJ considerou risco de cometimento de novos crimes de lavagem de dinheiro por Palocci. Fachin sofreu sucessivas derrotas na Segunda Turma, mas pode virar o jogo no plenário do STF, formado também pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.
Luta interna
Há um grande debate jurídico sobre a Lava-Jato, no qual se digladiam as grandes bancas de advocacia, que denunciam a violação de direitos dos seus clientes, e os procuradores e juízes federais, que alertam contra as tentativas de cercear a operação. O juiz Moro sofre uma campanha permanente por causa das prisões preventivas e operações de condução coercitiva, sendo acusado de autoritário.
Essa campanha é ainda mais virulenta, porque um dos réus da Operação Lava-Jato que está sob sua responsabilidade é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo depoimento deverá tomar no próximo dia 10. Lula politizou a questão e promete “duelar” com Moro na audiência, o que faz subir a temperatura política.
Com o avanço da Operação Lava-Jato, a partir da chamada lista do ministro Fachin, ou seja, das investigações que estão sendo feitas pela força-tarefa, o ex-presidente Lula saiu do isolamento. Dezenas de políticos de outras legendas, principalmente do PMDB, PP, PSDB e DEM, também estão sendo investigados.
Com isso, formou-se uma ampla coalizão contra os chamados “excessos” da força-tarefa de Curitiba e de Moro. Essa coalizão tem grande influência nos tribunais superiores, nos quais todos os ministros, bem ou mal, tiveram um “padrinho” político. Ou seja, há muita luta interna nos tribunais. O destino da Lava-Jato dependerá do desfecho dessa luta.