Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
A cúpula do PT ainda está atordoada com o resultado das eleições municipais, como aquele lutador de boxe que foi à lona e levanta dando socos no ar, completamente grogue, sem se dar conta de que foi a nocaute. Acredita que a narrativa do golpe varrerá para debaixo do tapete tudo o que aconteceu.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comporta da mesma maneira, como se fosse possível separar o fracasso do governo Dilma Rousseff dos seus dois mandatos e escapar da Operação Lava-Jato, embora os dois principais artífices de sua ascensão ao poder, os ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci, estejam presos. Mesmo que matem no peito o escândalo da Petrobras, como fizeram Delúbio Soares e João Vaccari Netto, o cerco está se fechando.
Como veterano líder sindical, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe que a vida de um metalúrgico no chão da fábrica é muito mais dura do que a de um médico, bancário ou professor, sobretudo quando se trata da defesa de seus direitos e reivindicações. Um líder sindical deixa de ser metalúrgico quando perde uma eleição e estabilidade no emprego, porque a reação patronal costuma ser implacável e dificilmente outra empresa lhe oferecerá trabalho. Não é à toa que os dirigentes sindicais se encastelam nos sindicados e fazem o diabo para neles permanecerem.
Um balanço da direção nacional do PT concluiu que 50 mil militantes do partido serão desalojados de seus cargos em razão das eleições municipais, nas quais sofreram uma derrota arrasadora, a começar por São Paulo e São Bernardo. Provavelmente, poucos abandonarão a luta política; porém, com certeza, muitos deixarão de ser petistas, uns por oportunismo, para manter os cargos, outros porque o desemprego os fará refletir mais seriamente sobre o colapso do petismo.
Não é uma tarefa fácil refletir sobre o próprio fracasso. No caso da derrota petista, há dois aspectos combinados: o primeiro é o envolvimento do partido no escândalo da Petrobras, que vem sendo desnudado pela Operação Lava-Jato. Essa é a parte mais fácil do diagnóstico, pelo menos para os que não se beneficiaram diretamente do esquema, embora seja muito difícil reconstruir a imagem da legenda.
A parte mais difícil é reconhecer que o projeto político deu errado, porque a velha cultura nacional-desenvolvimentista, esquerdista e voluntarista, continua sendo um refúgio ideológico, ao empolgar uma parcela da juventude e possibilitar ao PT a realização de alianças à esquerda contra o governo Temer.
O verdadeiro fracasso, porém, está no esgotamento de um modelo que mistura capitalismo de Estado e populismo, que surgiu na transição de um país agrário e rural para uma civilização urbano-industrial, a partir da Revolução de 30. Lula patrocinou a recidiva desse modelo, numa nova fase do capitalismo brasileiro e da globalização.
O colapso do populismo no Brasil ocorreu com a ultrapassagem do modelo de Vargas, caracterizado pela atuação conservadora do Estado e pelo nacionalismo, pelo reformismo dinamizador de Juscelino, que não conseguiu eliminar as desigualdades e distorções estruturais do país. A tentativa de reverter essa ultrapassagem, no governo Jango, resultou na crise de 1964 e na substituição, pelo regime militar, do projeto nacional desenvolvimentista pela ideologia da modernização.
Três dilemas
Com a democratização do país, porém, a cooperação e a competição externas passaram a ser variáveis naturais do nosso desenvolvimento e objeto de desejo das elites e das camadas médias urbanas, o que ficou demonstrado na eleição de Collor de Mello e, depois, nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Com a eleição de Lula (graças ao novo protagonismo de sindicatos e movimentos sociais na política nacional, diga-se de passagem, proporcionado pela crítica ao populismo e pela estabilização da economia), o eixo do modelo se deslocou da ideologia da modernização para a ideologia do consumo, o ingrediente principal do neopopulismo lulista.
Além disso, a chamada “nova matriz econômica”, que garantiu a reeleição de Lula e, depois, a eleição de Dilma Rousseff, nada mais foi do que a retomada do velho modelo de capitalismo de Estado nacional desenvolvimentista, num ambiente internacional que lhe era hostil, tanto do ponto de vista econômico como político. Vem daí o colapso do petismo.
No livro A quarta revolução, a corrida mundial para reinventar o Estado, os jornalistas britânicos John Mickethwait e Adrian Wooldridge (Portfólio/Penguin) registram que os governos de todos os matizes, dos Estados Unidos à China, se deparam com três dilemas: “primeiro, não mais vender bens e serviços que não são de sua competência, revivendo, portanto, os programas de privatização, velha causa da direita; segundo, cortar subsídios que afluem para os ricos e bem relacionados, a velha causa da esquerda; terceiro, reformar os direitos sociais para garantir que sejam direcionados para quem realmente precisa deles e que sejam sustentáveis no longo prazo, velha causa dos que se importam com a saúde do Estado.”
Com a crise econômica, política e ética, os três dilemas também estão na ordem do dia aqui no Brasil.