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AZEDO – Lula não é Mandela

 

Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta dirigida à direção do PT, questionou a legitimidade das eleições presidenciais de 2018. “Esta não foi uma eleição normal. O povo brasileiro foi proibido de votar em quem desejava, de acordo com todas as pesquisas. Fui condenado e preso, numa farsa judicial que escandalizou juristas do mundo inteiro, para me afastar do processo eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral rasgou a lei e desobedeceu a uma determinação da ONU, reconhecida soberanamente em tratado internacional, para impedir minha candidatura às vésperas da eleição.” Lula foi impedido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa porque está condenado pela Operação Lava-Jato em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por ocultação de patrimônio e recebimento de propina, mas não aceita o resultado das urnas.
 

Lula se recusa a qualquer autocrítica dos escândalos de corrupção envolvendo o PT e os erros políticos que cometeu. Também não abre mão de liderar o partido de dentro da prisão: “O PT nasceu na oposição, para defender a democracia e os direitos do povo, em tempos ainda mais difíceis que os de hoje. É isso que temos de voltar a fazer agora, com o respaldo dos nossos 47 milhões de votos, com a responsabilidade de sermos o maior partido político do país.”

O ex-presidente atribui a vitória de Jair Bolsonaro esse resultado ao fato de não ter sido candidato e à “indústria de mentiras no submundo da internet, orientada por agentes dos Estados Unidos e financiada por um caixa dois de dimensões desconhecidas, mas certamente gigantescas”. Ou seja, tudo foi obra do imperialismo ianque.
 

Embora esteja preso por decisão em segunda instância, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, Lula ataca a Justiça Eleitoral e atribui sua condenação à perseguição política do ex-juiz federal Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância: “Se alguém tinha dúvidas sobre o engajamento político de Sergio Moro contra mim e contra nosso partido, ele as dissipou ao aceitar ser ministro da Justiça de um governo que ajudou a eleger com sua atuação parcial. Moro não se transformou no político que dizia não ser. Simplesmente saiu do armário em que escondia sua verdadeira natureza.”
 
A narrativa do golpe que embalou o PT e seus aliados desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff continua na ponta língua, ou melhor, da pena. Segundo a carta do líder petista, o futuro governo tem como objetivo “aprofundar os retrocessos implantados por Michel Temer a partir do golpe que derrubou a companheira Dilma Rousseff em 2016”.

E arremata: “Eu não tenho dúvida de que a máquina do Ministério da Justiça vai aprofundar a perseguição ao PT e aos movimentos sociais, valendo-se dos métodos arbitrários e ilegais da Lava Jato. Até porque Jair Bolsonaro tem um único propósito em mente, que é continuar atacando o PT. Ele não desceu do palanque e não pretende descer.”
 

A carta de Lula foi lida na reunião do diretório nacional do PT pelo ex-ministro Luís Dulci, um dos principais conselheiros do ex-presidente da República antes, durante e depois de ter deixado o poder. Dirigente histórico da legenda, Dulci faz parte do grupo mais ligado ao ex-presidente, ao lado de Gilberto Carvalho e Paulo Okamoto.

A carta sinaliza a intenção de barrar qualquer tentativa de autocrítica da legenda, considerando o resultado eleitoral do segundo turno, no qual o ex-prefeito Fernando Haddad aumentou sua votação de 31 milhões para 47 milhões de votos, um endosso popular às práticas políticas do PT: “Como diz a companheira Gleisi, não temos de pedir desculpas por sermos grandes, se foi o eleitor que assim decidiu.”
 

O isolamento
 
A vitimização e o baluartismo de Lula, porém, na prática, aumentaram o isolamento da legenda no Congresso. O desempenho nas eleições para a Câmara não teve correspondência nas disputas majoritárias para o Senado, onde a bancada petista foi reduzida de 11 para seis senadores. O PT elegeu 56 deputados, a maior bancada da Câmara; quatro governadores e quatro senadores.

O que alavancou a legenda nas eleições proporcionais foi o bom desempenho de Haddad no Nordeste, região na qual o PT governará quatro estados: Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Nas demais regiões, a legenda é considerada tóxica por antigos aliados, que buscam alternativas desvinculadas do PT.
 

Lula não é um Nelson Mandela, o líder negro sul-africano que derrotou o apartheid e depois se tornou um presidente da República conciliador e incorruptível. O petista, porém, aspira essa condição, inclusive no plano internacional.

É uma estratégia para se livrar da cadeia, pois em nada sua situação se compara à de Mandela, nem mesmo as condições em que está preso. O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com o presidente eleito Jair Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição ao governo.
 

Essa estratégia se retroalimenta, porque também reforça o antipetismo. Os escândalos de corrupção envolvendo o PT desmoralizaram toda a esquerda. Agora, tendem a desmoralizar todos adversários derrotados nas urnas por Bolsonaro, principalmente o PSDB. Ou seja, o discurso de Lula é tudo o que Bolsonaro precisa para neutralizar a oposição junto à opinião pública e articular uma base no Congresso que pode chegar a 350 deputados e mais de 50 senadores.

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