Armando Brasil
Pensando o Brasil
As atividades educacionais, acima do ensino fundamental, só efetivamente adquiriram sentido no Brasil no século XX. A nossa primeira universidade só se constitui em 1922, a Universidade do Brasil.
Isto já depois de se demonstrar, de forma efetiva, o sucesso empreendido pela experiência universitária europeia, em especial a alemã, na construção do desenvolvimento das nações. A Alemanha teve em Wilhelm von Humboldt (1767-1835), ministro da Prússia, o formulador da nova mentalidade universitária ao criar a universidade de Berlim, em 1810. Em todos os campos da ciência, a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX assistiram à primazia universal do conhecimento alemão, fruto dessa nova mentalidade.
A ideia de Humboldt de universidade é a famosa “unidade indissolúvel do ensino e da investigação”. Isto significa que a matéria a ensinar é, idealmente, um saber adquirido em primeira mão pelo docente na qualidade de investigador. Essa ideia tem claras implicações práticas ao nível da programação escolar, ou seja, da gestão do tempo consagrado ao ensino e à investigação.
Só o docente que tiver tempo para investigar, e para se informar do estado atual da arte na sua área, poderá desenvolver um ensino de caráter verdadeiramente universitário. Dois outros princípios importantes deste modelo de universidade são o da liberdade do ensino e da aprendizagem e o da necessária maturidade e autonomia do estudante universitário. O primeiro diz respeito não apenas à liberdade do docente e investigador na escolha das matérias em que se especializa, mas igualmente à liberdade de escolha, pelo estudante, do seu próprio percurso de aprendizagem, o que implica, na prática, a existência de disciplinas de opção livre.
Outra característica da visão de Humboldt é de que a Universidade deve contribuir para a formação do homem. Daí por que disciplinas como Ética e Epistemologia devam ser matérias obrigatórias em todas as faculdades do sistema universitário. Esse sistema exitoso inexiste hoje de forma plena, pois sobre esse modelo de universidade se conjugaram duas oposições, o nazismo e a derrota na Segunda Grande Guerra.
Em busca da recuperação de sua vanguarda política no Brasil, perdida em 1930, os paulistas criaram, nos moldes da visão francesa, a USP, que há cinquenta anos estabelece as normas de gestão e a mentalidade do sistema universitário nacional.
Além da ultrapassada visão francesa, a USP juntou, na gestão do sistema universitário, a visão estadunidense da excessiva especialização, que levou a que hoje o jovem universitário ou não tenha perspectiva de carreira ou se entregue a buscar, se estiver cursando direito, uma carreira de Estado, se estiver estudando medicina, ser plantonista de um hospital de referência, se for um estudante de engenharia ou economia, trabalhar no sistema financeiro, etc.
A excessiva burocratização cognitiva trazida pela especialização retira a capacidade investigativa que busca a inovação e aponta para a busca de privilégios que o conhecimento traz. A este mal de origem que corrói o sistema universitário brasileiro juntam-se outros ainda decorrentes da prevalência da visão de especialização atingindo outros segmentos do ensino superior.
Como exemplo, citamos que deveria ser dada mais ênfase, nas Academias Militares, ao ensino da história militar do Brasil e da formação do povo brasileiro, como apresentado pelos Intérpretes do Brasil, minimizados quando confrontados com aspectos de natureza técnica. Aspectos esses que, dada a própria evolução da tecnologia, logo tornam-se obsoletos.
Há critérios para avaliação dos cursos universitários de valoração do conhecimento, que se apoiam na publicação de artigos em periódicos especializados, que induzem e coonestam a troca de calor entre os responsáveis por estes periódicos, algo que, nas ciências sociais, pouco tem acrescentado ao conhecimento, mas que tem conduzido ao aparelhamento destes segmentos do sistema universitário. Nos pareceria muito melhor que a avaliação destes cursos se desse pela relevância dos temas estudados e pelo desempenho pretérito dos pós-graduados em suas carreiras profissionais.
Contudo, essas são observações pontuais, mas que já apontam para uma necessária e ampla reformulação do ensino superior no Brasil que, se não a colocar à imagem e à semelhança do modelo de Humboldt, a ponha a serviço do interesse nacional.