Nova base brasileira na Antártida, que deve ser concluída em 2019 – sete anos após incêndio que destruiu as antigas instalações – ao custo de US$ 100 milhões. Cientistas alertam que, sem recursos, o Programa Antártico Brasileiro está ameaçado. O governo promete aporte de R$ 7 milhões para a área.
Depois do incêndio que destruiu a Estação Antártica Comandante Ferraz em 2012, o Brasil corre o risco de inaugurar sua nova base no continente gelado sem nenhum cientista dentro. Pesquisadores alertam que o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) está “gravemente ameaçado de interrupção” por falta de recursos e pode não sobreviver após 2019 – justamente quando deverá ser concluída a nova estação, de US$ 100 milhões (o equivalente a cerca de R$ 330 milhões).
“Infelizmente não há recursos financeiros para compra de equipamentos científicos da estação e, mais grave, para o financiamento de projetos científicos e bolsas de estudos”, diz uma carta assinada por 17 lideranças científicas do programa, enviada na semana passada ao ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, e ao comandante da Marinha do Brasil, Eduardo Ferreira.
Criado em 1982, o Proantar atende a um misto de necessidades científicas e geopolíticas. O Tratado da Antártida, ao qual o Brasil aderiu em 1975, exige a realização de “substancial atividade de pesquisa científica” para que o País mantenha seu direito de voto nas deliberações sobre o uso do continente.
“Não basta a presença militar, tem de haver ciência”, diz o glaciologista Jefferson Cardia Simões, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Comitê Científico para Pesquisas Antárticas (Scar, na sigla em inglês). As pesquisas nacionais no continente abrangem vários temas, como a prospecção de microrganismos para aplicações biotecnológicas e o estudo de fenômenos oceânicos e atmosféricos que afetam diretamente o clima do Brasil.
O último edital federal dedicado à pesquisa antártica foi lançado em 2013, no valor de R$ 14 milhões, para financiar 19 projetos por três anos – dinheiro liberado com três anos de atraso e já esgotado, segundo os cientistas. Um dos Institutos Nacionais de Ciência Tecnologia (INCTs) dedicados à Antártida encerrou suas atividades neste mês e o outro, chamado INCT da Criosfera, foi renovado até 2022, mas só tem recursos para mais uma operação antártica.
Apelo. “Rogamos a vossas excelências que sejam estudadas ações emergenciais para darmos continuidade às pesquisas científicas na Antártida e não tenhamos a situação insólita de uma casa antártica sem cientistas”, conclui a carta, obtida com exclusividade pelo Estado.
“Casa vazia não faz ciência”, resume Simões. O resultado, diz, pode ser uma estação científica com alma do Mané Garrincha, em Brasília: um estádio de futebol sem futebol, bonito por fora e vazio por dentro. Segundo ele, “a ciência não pode pagar a conta” de uma estação com finalidades mais geopolíticas do que científicas.
Aporte de R$ 7 milhões está garantido
A publicação de um edital dedicado ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar) é uma das prioridades do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para este ano, segundo a pasta. Um aporte inicial de R$ 7 milhões já foi aprovado pelo conselho diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) na terça-feira, uma semana depois do envio da carta de protesto dos cientistas ao ministério.
A pasta informou que a chamada ainda não tem data para acontecer e que o valor final deverá superar os R$ 7 milhões, com a adição de outras fontes de financiamento.
Esse valor, sozinho, “mal dá para pagara as bolsas” do Proantar, “muito menos o custo de operações antárticas”, diz o pesquisador Jefferson Simões, da UFRGS. Segundo ele, seria necessário um edital de R$ 20 milhões para financiar o programa pelos próximos quatro anos.
O ministério destaca ainda uma liberação de R$ 1,5 milhão em 2017, “para continuidade de pesquisas científicas na região antártica”, e outra, de R$ 4 milhões, em 2016, “para obras e aquisição de material para pesquisas na Antártida nos navios antárticos” Almirante Maximiano e Ary Rongel, operados pela Marinha do Brasil (MB).
Um dos grandes desafios de se fazer ciência na Antártida é o alto custo logístico das operações – que só podem ser realizadas durante o verão, entre outubro e março. Essa logística é de responsabilidade da Marinha.
“Cabe à Marinha do Brasil realizar a manutenção dos navios polares e helicópteros, treinar e enviar militares à Antártida, o que representa um grande desafio para a MB”, diz a corporação. “A MB tem cumprido, com muito esforço, a missão de coordenar a execução das Operações Antárticas, por meio do apoio logístico e da infraestrutura necessária à presença brasileira naquele continente.” O financiamento da ciência, de acordo com a Marinha, é de responsabilidade do ministério.
Prioridades. Segundo Simões, o Brasil gasta menos de 5% dos seus recursos na Antártida com ciência, enquanto que a média dos outros países chega a 25%.
Ele ressalta que a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) – cuja reconstrução está sendo paga pela Marinha – é apenas uma peça do programa. A principal plataforma de pesquisa é o Navio Polar Almirante Maximiano, onde são feitos 40% dos estudos, comparado a 25% na base terrestre.
Outros 20% dos trabalhos são feitos em acampamentos e 15%, pelo módulo autônomo de pesquisas Criosfera 1, instalado no interior do continente.
Sem dinheiro novo para pesquisa, ressalta Simões, todas essas plataformas serão esvaziadas a partir de 2019. No caso do Criosfera 1, não há recursos “nem para uma missão minimalista de manutenção” no fim do ano, sem a qual o módulo deixará de funcionar.
“Falta dinheiro até para comprar parafuso”, afirma o pesquisador Francisco Aquino, diretor do Centro Polar e Climático da UFRGS, que liderou a últimas três missões de manutenção do Criosfera 1. “A gente usa os poucos recursos que tem da forma mais otimizada possível, já fazendo milagres.”
Os dados gerados pelo módulo desde 2012 foram cruciais para a compreensão da influência da Antártida sobre o clima do sul do Brasil, especialmente com relação a eventos climáticos extremos. “Estar na Antártida não é luxo nem aventura, é uma necessidade”, defende Aquino.