Flávio César Montebello Fabri
Bacharel em Direito, Mestre em Ciências de Segurança e
Ordem Pública e Policial Militar (SP)
O momento atual é bem mais complexo do que muitos imaginam. Uma leitura extremamente precisa e correta foi feita pelo Editor-Chefe de DefesaNet, Sr Nelson During, ao citar a chegada da Guerra Híbrida em território nacional.
Atores, com os mais diversos interesses, ideologias, vocações, missões dedicadas, uso constante de informação e desinformação, mostram a complexidade do atual cenário.
Por outro lado, de uma forma singela, podemos falar sobre vocação. Sinceramente, as mais diversas vocações em um mesmo ambiente de trabalho, cuja finalidade é dar sustentação a um serviço público essencial: segurança.
Recordo-me que há muitos anos atrás, integrando um pelotão de Comandos e Operações Especiais, ocorreu acionamento para apoio a uma equipe de policiamento territorial que enfrentava ameaças múltiplas, havendo engajamento dissimilar (policiais em inferioridade numérica, enfrentando infratores com armamento superior). O contingente de policiamento se aproximava para ajudar os colegas quando, no local, houve uma baixa fatal.
Um policial militar havia sido mortalmente ferido, cumprindo o sagrado juramento de defender a sociedade. Testemunhamos a quebra de ânimo momentânea entre seus colegas (que viram um amigo ser morto) e que mesmo assim, persistiram na missão de deter os agressores. De qualquer forma, os criminosos foram presos com o apoio das equipes de COE.
No retorno à base, os integrantes dessa unidade especializada da PMESP (hoje componente do 4º Batalhão de Polícia de Choque – Operações Especiais) comentavam entre si a percepção que tiveram a respeito da circunstância da baixa, o comportamento momentâneo dos colegas do policial tombado (que mesmo assim fizeram seu melhor) e, particularmente, da importância do suporte pós-evento que receberiam pela Instituição.
Esse apoio primordial seria dado por outros policiais militares extremamente vocacionados e com missão dedicada: psicólogos. Resta esclarecido que são policiais militares que, às próprias expensas, procuram essa formação acadêmica nas suas horas de folga.
Um policial militar tombado na defesa da sociedade é conduzido para seu local de eterno descanso. Discretamente (como a situação requer) policiais militares psicólogos dão o suporte a familiares e companheiros – Foto: o autor
Anos após, já estando no ocaso da carreira, testemunhei outros dois eventos: as honras a um colega de farda tombado e, em uma circunstância onde um policial havia sido vítima, diversos outros policiais militares que chegavam a um hospital. Em comum, além das vítimas serem policiais militares, do suporte visível e de todo interesse (e comoção), haviam atores que prestavam apoio, cada qual a sua maneira (conforme a missão específica), de forma discreta. Integrantes da Corregedoria PM, coletando informações (com a finalidade de, juntamente com a Polícia Civil, se chegar a autoria, para as medidas de Policia Judiciária a serem levadas a cabo pela Instituição coirmã) e, novamente, psicólogos da Polícia Militar, dando apoio a familiares e quem mais assim necessitasse.
O evento morte já foi alvo de estudos nas mais diversas áreas, indo da medicina legal, filosofia, religião à psicologia. Referencio a excelente obra do Tenente-Coronel Dave Grossman, combatente do Exército dos Estados Unidos e psicólogo (Matar – Um Estudo Sobre o Ato de Matar: Editora Bibliex – Biblioteca do Exército – 2007). Mas, o ato de tirar uma vida (defendendo a própria e/ou de terceiros) ou de presenciar um colega vir a tombar não é o foco desse singelo artigo.
O ambiente complexo em que vivemos, os diversos cenários invisíveis, as consequências/sequelas a que estão sujeitas as pessoas (particularmente as que respondem às demandas extremas da segurança pública), as relações humanas e a necessidade de atores especializados (e vocacionados) de forma distinta em uma mesma instituição, de certa forma (e comentando de forma leiga), sim.
Há pouco tempo, o corregedor da Polícia Militar (SP) apresentou uma nova dinâmica de trabalho, trazendo um foco humanista a um mister extremamente desgastante. Da mesma forma, é correta a afirmação que oficiais corregedores, muitos com as mais diversas experiências profissionais anteriores, se encontram em um mesmo local de trabalho, procurando compor, cada um conforme sua característica pessoal, um bom resultado conjunto.
É interessante verificar que, dentro da Casa Censora, há oficiais preocupados em verificar parcerias externas com o fulcro de potencializar o diagnóstico, com grande antecedência, de fatores que poderiam evidenciar o surgimento de graves doenças entre os policiais militares. Isso, de forma cumulativa com as diversas obrigações funcionais que possuem.
O que havia era uma conversa, onde se discutia experiência anterior, se verificava viabilidade, formato de execução da proposta e posterior exposição para deliberação superior. Nobre preocupação. Outros, com foco em ações operacionais, gerenciamento de cenários, análise de feitos de Polícia Judiciária Militar etc. Várias missões dedicadas, vocações pessoais próprias, um único objetivo: servir. Servir compondo.
Relações humanas são complexas, como fala o dito popular. Muitas vezes são difíceis e desgastantes. Porém, quando se fala em segurança pública, sempre há espaço e é necessário compor com atores das mais diversas características para que tenhamos bons resultados. Em que pesem as missões dedicadas, há somente um único foco: eficiência na resposta institucional. Corroborando esse posicionamento, profissionalmente, foi possível conhecer em partes uma famosa unidade no valor de Brigada do Exército Brasileiro, sediada em Goiânia.
O foco foram encontros prévios para nivelamento de resposta (em áreas específicas) nos grandes eventos esportivos, hoje já ocorridos, todos com projeção internacional. Interessante observar como perfis tão distintos compunham a unidade. Elementos extremamente especializados em ações táticas especiais, psicólogas, equipes dedicadas ao estudo doutrinário etc. Daqueles cujo símbolo é a Tocha de Gideão aos que treinavam de forma ostensiva, todos compunham uma unidade formidável, cada qual com sua missão dedicada, características pessoais próprias, mas com foco no resultado único.
Na Polícia Militar, não ocorre situação distinta a esta unidade no valor de brigada. Necessário refinar a pesquisa em história para se verificar que uma Legião Romana também dispunha de suporte de intendência, área médica, chegando a missões especificas como as do seu “corpo de engenheiros” (Architecti).
Se há a resposta imediata a uma demanda do cidadão, mediante o envio de integrantes do policiamento territorial, também deve haver o profissional que atua no desmantelamento de artefatos explosivos improvisados, o que atua na área de Operações Especiais, tão como os menos visíveis, porém não menos importantes. Aqueles que efetuam a depuração interna institucional (preservando os bons policiais), aqueles darão o suporte quando o indivíduo policial militar for exposto a situações extremas, os que se dedicam a análise e projeção de cenários futuros e a correta preparação (doutrinária e material) para atender essa demanda, entre vários outros.
Em um cenário de Guerra Híbrida (sim, acompanho a análise do Editor-Chefe de DefesaNet) é impossível e ineficaz uma resposta singela, com atores que possuem, em seu conjunto, uma única competência.
Cenários complexos exigem uma resposta com atores que possuem, de forma colaborativa, competências diversas e missões dedicadas. Tanto para se atingir os objetivos principais, como para dar suporte ao principal patrimônio de qualquer instituição: o ser humano.