Coronel Swami de Holanda Fontes
Publicado EBlog
Quem não conhece o conto dos três porquinhos e do lobo mau? A fábula narra o esforço do predador para destruir as casas dos irmãos com o objetivo de devorá-los. O desfecho é o quase cozimento do malvado num caldeirão.
Em 2012, o jornal britânico The Guardian resolveu mostrar os novos rumos do jornalismo usando, como pano de fundo, outra roupagem para essa narrativa. Foi produzido um filme de dois minutos que ilustrava o comportamento da mídia e da opinião pública, bem como o uso das diversas plataformas pelas quais as notícias eram divulgadas. Mesmo tendo sido feito há quase uma década, ele continua atual.
Nessa versão, os porquinhos são acusados pelo assassinato do lobo – fato que deu origem ao processo investigatório do homicídio. A cada notícia publicada, seguiam-se diferentes reações sociais e novos dados surgiam nas agências de jornalismos. Cita-se, por exemplo, que o lobo tinha uma doença respiratória: condição filmada dentro de um ônibus por um passageiro anônimo, enviada para a imprensa, mostrando o animal usando um remédio para asma. De vital importância, essa informação provou que o lobo não teria condições de derrubar as casas pelo sopro, o que gerou dúvidas, por parte da população, sobre a alegação de que os irmãos agiram para se proteger. Nesses momentos surgem os ditos “especialistas” sendo entrevistados como profundos conhecedores do tema que está sendo abordado.
Em seguida, descobriu-se que os porquinhos tinham interesse em destruir suas próprias casas, pois deviam hipotecas: uma questão comum na sociedade. Os endividados com os bancos motivaram novas manifestações. A cada nova informação, as opiniões se dividiam sobre o crime. Mais do que a aplicação ou a busca da justiça, os interesses pessoais passaram a pesar. Logicamente, por ser uma propaganda do jornal, o filme mostrou a cobertura jornalística sendo realizada com isenção e neutralidade.
No passado distante, nos moldes em que o vídeo foi apresentado, essas reviravoltas e a participação e mobilização dos cidadãos, na condução de uma investigação, eram de difícil viabilidade.
Muito antigamente, antes do surgimento da comunicação em massa, o ambiente comunicacional era muito restrito. A informação e as relações ocorriam entre professores, alunos, sacerdotes, fiéis, autoridades locais e famílias. O conhecimento da realidade, como um todo, era extremamente limitado.
Em um segundo momento, em decorrência das novas invenções como o rádio, a televisão, o cinema, a imprensa e a revista, surgiu a comunicação de massa. Nessa época, um canal produzia a informação que, por sua vez, era copiada por outros meios, fazendo com que todos recebessem os mesmos esclarecimentos.
Nesse modelo midiático, não havia como interagir, por exemplo, com a TV e com a imprensa; apenas absorvia-se aquilo que era divulgado. A comunicação era basicamente em um único sentido: desses canais para as pessoas. Todos tinham o mesmo modo de pensar, ou seja, uma mentalidade de massa.
Em um mundo complexo, volátil, ambíguo e incerto, o que vemos na atualidade é o surgimento de inúmeros meios de comunicação que possibilitam a interação rápida entre as diversas mídias e a sociedade. A informação circula rapidamente e logo é ultrapassada por outra mais recente. O telespectador deixou de ser passivo e passou a influenciar no rumo da notícia. Acrescenta-se a essas características o ambiente das fake news, dos deepfakes, da guerra das narrativas, do pós-verdade e das mídias sociais.
Sobre deepfakes, vale acrescentar que, em 2012, quando o filme do The Guardian foi produzido, ainda não eram conhecidos como são nos dias atuais. Se esse ilusionismo digital tivesse sido explorado, várias situações poderiam ser acrescidas ao caso, tais como a manipulação da investigação, do julgamento e da própria opinião pública.
Percebe-se que, fruto de uma nova realidade, os jornais estão diminuindo seus quadros e perdendo leitores. O mesmo acontece com as publicações impressas que estão migrando para os meios eletrônicos. Aumentou a concorrência dos canais de TV aberto com o IPTV e com os canais a cabo. Programas de TV passaram a ser personalizados para públicos específicos. Os rádios disputam a audiência com aplicativos e programas como o Podcast e o Spotify.
Com o Twitter, Facebook, Instagram, Linkedin, dentre outros, as pessoas ficaram ainda mais expostas, mudando a forma como cada uma conduz suas ações. Não se pode esquecer o monitoramento e a análise destas. O monitoramento e a análise das mídias sociais, o emprego da inteligência artificial e até de psicólogos, que estudam as conexões de bilhões de pessoas, ajudam a publicar, em muitos casos, o que serve para atender demandas comerciais, políticas e psicossociais.
O telefone passou a ser multifuncional, transmitindo vídeos, fotografias, áudios, textos e arquivos em aplicativos como WhatsApp, Wechat, Facetime e Telegram, além de contar com diversos recursos tais como o de localização e consulta a informações pela Internet.
Tal qual a filmagem do lobo no interior de um ônibus, não é incomum, alguém enviar para a TV o registro de um acidente de trânsito. Em alguns casos, é possível que a transmissão seja ao vivo, ou seja, o chamado “jornalista-cidadão” filma e transmite a “matéria” para alguma plataforma na Internet ou para algum canal de TV.
E o que se pode falar dos digital influencers e dos youtubers que, em muitos casos, têm mais poder de engajamento do que tradicionais apresentadores, agências de publicidade e colunistas? O mais impressionante destes novos atores é o poder que eles têm de influenciar milhões de seguidores com informações, em muitos casos, inúteis.
Essa nova realidade é visível em quase todos os lugares do planeta, independentemente de faixa etária, sexo, religião e, até mesmo, do poder aquisitivo ou do grau de escolaridade. Os meios de comunicação estão se socializando, permitindo que mais e mais pessoas possam usufruir desse novo ambiente.
O que se percebe é que a mídia tradicional tem que adotar novas estratégias para sobreviver ao novo mundo comunicacional e que a sociedade tem que se ajustar a essa nova realidade para não ser manipulada ou ficar alheia ao mundo.
Por fim, na versão do jornal The Guardian, os porcos eram malvados e o “vilão” inocente, mas parte da população ficou do lado dos irmãos, pois os problemas destes, o endividamento, eram comuns a todos. Os interesses pessoais estavam acima da justiça.