Eugênio Bucci
São perguntas velhas, é verdade. Mas elas ainda estão em aberto. Demoradamente em aberto. Estudo recente publicado em maio pela Universidade de Columbia (The Story So Far: What We Know About the Business of Digital Journalism, disponível na internet) arrisca novas (e boas) respostas, mas não consegue ser conclusivo. Afirma que o jornalismo é e será essencial, mas sobre como ele se vai pagar… – bem, quanto a isso ainda temos uma boa (ou péssima) estrada pela frente.
O fato é que não tem sido simples para os jornalistas entender os desafios da era digital. O principal talvez tenha a forma de um paradoxo: a internet vem conjugando a diversidade de vozes, no plano do debate público, com o recrudescimento dos oligopólios, no plano econômico. Monopólios e pluralismo. Será essa uma combinação factível?
Vejamos a cena mais de perto. A era digital ampliou a comunicação, é evidente. Mais que isso: nos países onde há tiranias as redes interconectadas minam os controles oficiais e até propiciam levantes democráticos, atropelando as velhas formas de censura. Ao mesmo tempo, a oligopolização da chamada indústria do entretenimento nunca foi tão intensa. A tendência econômica das fusões, que há pelo menos duas décadas atinge todos os setores da economia mundial, do ramo de salsichas ao da especulação financeira, também gera efeitos no mercado da mídia. Aí, porém, sua fisionomia adquire esse hibridismo entre a concentração da propriedade e a multiplicidade de vozes.
A tradição liberal supõe que o plano político e o plano econômico se espelham. Assim, haveria uma correspondência direta entre o número de agentes econômicos em competição no mercado e o número de vozes que têm lugar no espaço público. Na comunicação da era digital, no entanto, essa correspondência parece não existir, daí a sensação de que vivemos um paradoxo, uma contradição instável.
A bem da verdade, essa contradição não vem de hoje. Já no final do século 19, quando os diários se converteram em grandes negócios, ela se fazia sentir. Nem por isso a diversidade de opiniões na esfera pública se tornou inviável. Ao contrário: no correr do século 20 a democracia ganhou novas correntes ideológicas, ficou mais complexa, mais variada – enquanto a tendência de concentração econômica na mídia se acentuava. E se acentuou mais ainda depois do aparecimento dos meios de massa (o rádio e a televisão). Ter uma emissora de TV era mais caro do que ter um diário impresso – e o jogo exigia jogadores com maior envergadura financeira. Com isso o número de empresas jornalísticas se reduziu ainda mais.
Nos anos 1980 o jornalista Ben H. Bagdikian (ex-editor do Washington Post e diretor da Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia em Berkeley) radiografou essa tendência num livro de nome inequívoco: O Monopólio da Mídia (publicado no Brasil pela Scritta Editorial, em 1993). Em 1998, a revista The Economist diagnosticou um fenômeno análogo no mercado globalizado do entretenimento. No hoje célebre A survey of technology and entertainment, publicado em novembro daquele ano, ela deu o nome dos protagonistas da "oligopolização": Time Warner, Walt Disney, Bertelsmann, Viacom, News Corp., Seagram e Sony.
Agora, a indústria oligopolista que nasceu da imprensa começou a mastigar a imprensa. As bases de financiamento do jornalismo estão ameaçadas. O paradoxo agravou-se. Em 2008, consumou-se a quebradeira geral dos jornais locais nos EUA. Em seu lugar, os sites noticiosos não foram capazes de gerar o dinheiro perdido pelos jornais de papel que desapareciam. A propósito, o relatório da Universidade de Columbia é didático ao mostrar como as práticas oligopolistas da velha mídia deixaram de funcionar nas plataformas digitais.
Por quê? Vai aqui uma hipótese: os anunciantes deixaram de precisar de órgãos de imprensa para falar com seus públicos, que se pulverizaram. De sua parte, muitas redações sumiram. Outras foram engolidas – não mais pelas concorrentes, mas por outros negócios, negócios muito maiores. Velhos títulos foram comprados por novos moguls da era digital; órgãos de imprensa que antes eram empresas independentes foram acomodados como meros departamentos de grandes grupos do entretenimento. Até mesmo os blogueiros – nascidos anteontem, já na era da internet -, que eram autônomos, viraram colunistas digitais de portais imensos, incorporados a grupos econômicos que faturam dezenas de bilhões de dólares por ano.
Tudo isso ocorreu num período em que a diversidade de vozes parece feérica, vigorosa, exuberante. São incontáveis os canais por assinatura, os portais, os sites, os blogs; as pessoas falam mais, escrevem mais, leem mais – em todas as línguas -, mas os nós dessa comunicação pertencem a proprietários que compõem um clube cada vez mais seleto e – aqui está o dado essencial – o negócio deles não é o jornalismo. O negócio deles é, sim, a diversificação das audiências – donde a impressão de pluralismo vertiginoso -, mas não é a independência editorial.
Por isso o desafio não é simples. Sabemos que sem independência jornalística – que saiba financiar-se com autonomia – não há mediação crítica para o debate público. Para piorar, a indústria do entretenimento julga prescindir de jornalistas independentes. Enquanto isso, a imprensa livre busca uma fórmula para fechar suas contas. Se ela não encontrar sua fórmula, o entretenimento será mais do que já é o oráculo da política. E a democracia, como a imprensa de hoje, sofrerá de anemia amanhã.