ETHEVALDO SIQUEIRA
A indústria brasileira de telecomunicações vive uma crise profunda. É um caso típico de desindustrialização. Mais do que isso: é um retrato dos problemas e deficiências estruturais do País. Confira, leitor. Em quase todas as áreas da economia, o Brasil perde competitividade. O real supervalorizado derruba as exportações e aumenta continuamente as importações. A defasagem cambial em relação ao dólar e ao euro já beira os 20%. E, em relação à moeda chinesa (yuan) é de quase 60%.
Raul Del Fiol, diretor da Trópico e ex-diretor da Promon Engenharia, depois de ter passado pela Telebrás até os anos 1990, sintetiza o teatro de horrores em que vivemos: "Nossas taxas de juros são as maiores do mundo. O País tem uma das maiores cargas tributárias do planeta. Os custos trabalhistas e a burocracia elevam os salários da indústria brasileira a níveis equivalentes a seis ou sete vezes os salários chineses. As carências em setores vitais da infraestrutura – como estradas, portos e energia elétrica – encarecem brutalmente a produção nacional de bens e serviços."
Diante desse quadro, outro empresário, Gilberto Garbi, ex-presidente da NEC do Brasil e ex-diretor da Telebrás, pergunta: "Como esperar que nossa indústria de telecomunicações pudesse sobreviver nesse cenário?" E relembra o que tem ocorrido no País nessa área: "Há muito, o Brasil sepultou a velha política industrial delineada a partir dos anos 1970 para o setor de telecomunicações. E, vale lembrar que, na definição do novo modelo setorial pós-privatização do Sistema Telebrás, faltou um capítulo dedicado à indústria nacional de equipamentos de telecomunicações".
Omissão. A rigor, o que destruiu a indústria nacional não foi a privatização ocorrida em 1998 – até porque ela era mais do que necessária para a modernização do País. A verdadeira causa foi a omissão dos governos que, nos últimos 13 anos, permitiram que a indústria brasileira fosse triturada como foi. O Brasil não tinha outro caminho senão privatizar, já que, sem a nova infraestrutura de telecomunicações implantada, o Brasil jamais conseguiria uma fração sequer do desenvolvimento econômico obtido nos últimos anos.
"Para a sociedade como um todo, os benefícios advindos dos R$ 200 bilhões investidos após a privatização na infraestrutura de telecomunicações foram muito maiores do que os prejuízos sofridos pela indústria. Mesmo assim, a questão da indústria brasileira precisa ser resolvida adequadamente", argumenta Gilberto Garbi.
E pergunta: "Que seria deste País em telecomunicações se ainda sobrevivesse o Sistema Telebrás, com suas 27 subsidiárias abertas à sanha voraz do comissariado petista e dos partidos da base de sustentação do governo no Congresso, a negociarem quase 200 cargos de direção daquelas operadoras?"
"Na falta de regras preestabelecidas, diz Garbi, as operadoras privadas sentiram-se livres para cancelar contratos, refazê-los conforme melhor lhes convinha, impor truculentamente preços e outras condições."
É claro que a indústria brasileira produzia muita coisa boa, para sua época. Só não tinha competitividade. Enquanto protegida pela Telebrás, tudo ia muito bem. Até que, de repente, totalmente órfã, desmoronou.
Tsunami IP. Somando-se a tudo isso, em escala mundial, a indústria de telecomunicações tem vivido nos últimos dez anos a mais profunda mudança de paradigmas tecnológicos de sua história, em especial na área de centrais telefônicas digitais por comutação de circuitos, substituídas por sistemas de comutação de pacotes, com o protocolo IP.
À medida que a internet se dissemina mundialmente, o protocolo IP se torna padrão dominante em toda a eletrônica, profissional e de entretenimento, bem como nas telecomunicações. Com essa mudança tecnológica, comutadores e roteadores passaram a substituir as imensas centrais digitais, por preços inferiores a 2% do que cobrava a indústria tradicional.
Assim, antes da bolha da internet, explodiu no ano 2000 a bolha das telecomunicações – que levou de roldão gigantes como a antiga AT&T e a Nortel, entre outras. A AT&T foi reduzida a apenas uma marca famosa, que foi adquirida pela Southwestern Bell Corp. (SBC). A Lucent só foi salva pela incorporação à Alcatel. A NEC japonesa encolheu e diversificou suas atividades.
Imagine, leitor, o impacto desses terremotos sobre nossa frágil indústria de telecomunicações. O mais triste é que ninguém acredita que este ou o próximo governo estejam sensibilizados ou dispostos a formular uma nova política industrial capaz de resgatar essa indústria.
Primeiro porque, para os políticos, e em especial os governantes, as telecomunicações nada significam, já que não dão voto. Em segundo lugar, porque a grande reforma de que necessita o País vai muito além da indústria de telecomunicações.
Para Raul Del Fiol, em lugar de uma simples política industrial para as telecomunicações ou de medidas pontuais para atender a um ou outro segmento de sua economia, o Brasil precisa de uma reforma muito mais ampla e profunda em suas instituições.
Ou melhor, de um conjunto de reformas estruturais que tornem o país mais competitivo, mais ágil, mais moderno e mais justo.
Que governo estará à altura desse desafio, leitor?