Leonam dos Santos Guimarães
Diretor Técnico-Comercial da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa SA
– AMAZUL e membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear da AIEA.
Em 8 de dezembro de 1953, o presidente Eisenhower comprometeu-se em célebre discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas[i], em buscar firmemente resolver o aterrorizante dilema das armas nucleares, com determinação e dedicar todos os “corações e mentes” dos EUA para encontrar o caminho que permitiria que a inventividade milagrosa do homem não fosse dedicada à guerra e a morte, mas consagrada à paz e a vida. À época do discurso, somente possuíam armas nucleares os EUA e a Rússia, então URSS.
Sessenta anos se passaram desde que o discurso, denominado "Átomos para a Paz", foi pronunciado. O programa dele decorrente[ii] deu origem à indústria nuclear global, e precipitou um progresso notável no uso de tecnologia nuclear para melhorar a saúde pública e o desenvolvimento humano. Poucos discursos na história foram ao mesmo tempo tão controversos, mal compreendidos e com legado tão duradouro.
Hoje, 31 países têm um total de 438 usinas nucleares e mais de 246 reatores de pesquisa operacionais. Aproximadamente 10.000 hospitais em todo o mundo usam radioisótopos para realizar mais de 30 milhões de procedimentos médicos por ano. As aplicações nucleares pacíficas incluem erradicação de insetos causadores de doenças e a produção de cultivares induzidos pela radiação que melhoraram o rendimento das culturas alimentares no mundo em desenvolvimento. Além disso, Átomos para a Paz forneceu a base ideológica para a criação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Mas nem todo o legado foi positivo, já que o programa “Átomos para a Paz” contribuiu para aumentar os riscos de proliferação das armas nucleares, tanto horizontal (desenvolvimento de armas em países que não as possuem) como vertical (mais armas nos países que as possuem). O programa deu cobertura política para a proliferação vertical decorrente da corrida armamentista da Guerra Fria, apesar de propugnar, em tese, o desarmamento.
Cerca de 130 mil ogivas nucleares foram produzidas entre 1945 e 2013, sendo que mais de 10.000 delas permanecem atualmente nos arsenais de nove países: EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha, França, Israel, Índia, Paquistão e Coréia do Norte. O programa ainda precipitou tanto a criação do regime internacional de salvaguardas contra a não proliferação nuclear horizontal assim como muitos dos desafios a esse próprio regime que surgiram posteriormente.
Eisenhower estava ciente de que a cooperação nuclear pacífica apresentava os riscos de desenvolvimento de armas nucleares em países que não as possuíam. No entanto, como muitos de seus sucessores, o presidente viu os benefícios que o programa traria para o equilíbrio da Guerra Fria e deu a isso maior prioridade do que quaisquer riscos de proliferação que o acompanhassem. A não proliferação horizontal é apenas um dos muitos, e muitas vezes conflitantes, interesses nacionais dos EUA. Não tem, e não pode ter sempre, a maior prioridade.
Enquanto o programa “Átomos para a Paz” apressou o surgimento de ameaças regionais de proliferação, foi também a base do regime internacional de salvaguardas moderno. Além disso, permitiu o desenvolvimento e a utilização generalizada das tecnologias nucleares civis para benefício da humanidade. Ainda que a barganha subjacente ao programa e ao TNP permaneça intacta, evoluiu muito em resposta às lições aprendidas e as mudanças na paisagem geopolítica. No balanço, sessenta anos depois, o discurso Átomos para a Paz de Eisenhower merece ser lembrado muito mais pelos benefícios que proporcionou do que pelos problemas que possa ter causado.