O que um comandante militar precisa saber sobre a inteligência artificial?



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André Luiz Nobre Cunha
Doutor em Ciências Militares e Pós-graduado em Ciência de Dados

nobrecunha@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

A inteligência artificial (IA) é reconhecidamente um dos assuntos mais relevantes e impactantes da atualidade. Isso também está acontecendo em suas aplicações em defesa. O crescente uso da IA em tecnologias de uso militar implica que líderes e tomadores de decisão terão de interagir e lidar com esses sistemas na forma de conjuntos de aplicativos ou serviços.

Diante disso, o que os comandantes militares e integrantes de estados-maiores precisam saber desse assunto complexo e com muitos tecnicismos? O presente trabalho tem como objetivos descrever, de forma simplificada, o que é a Inteligência Artificial, mostrar maneiras como as IA podem ser empregadas durante o processo de análise e tomada de decisão militar e apresentar algumas capacidades e limitações dessas ferramentas.

DESENVOLVIMENTO
O que podemos chamar de Inteligência Artificial e qual é sua importância?

A Inteligência Artificial é basicamente uma ferramenta de apoio. Ela é composta de modelos e algoritmos baseados em matemática e estatística aplicadas que buscam simular capacidades tipicamente humanas. Esse conjunto precisa de um forte suporte de informática para processá-los, juntamente com o recebimento de uma significativa quantidade de dados.

Tecnologias surgidas a partir dessa estrutura podem trazer grandes e inéditos avanços na automatização de tarefas cognitivas, antes exclusivas de uma pessoa. Atividades como processar linguagem, entender, aprender, prever ou interagir podem ser simuladas por uma IA ou por um conjunto de IA colaborando entre si. O resultado dessas simulações muitas vezes tem valor e aplicação em situações reais.

Para o suporte ao processo de análise de situação e tomada de decisão, componentes essenciais do planejamento militar, as tecnologias associadas às IA prometem avanços significativos em processamento de informação e em processos de tomada de decisão. A IA oferece potencial para melhorar a eficiência e a precisão na análise de dados, no suporte à tomada de decisões e na produção de ordens em uma operação. Isso certamente será potencializado quando há a sua combinação com outras tecnologias, como sistemas de simulação de combate.

Quais são algumas capacidades e limitações e como isso interessa a um comandante militar?

Existe um conjunto de capacidades da IA que merecem ser destacadas, pela sua importância e potencial impacto no processo de análise e tomada de decisão militar. A primeira delas é a capacidade de processamento de texto em linguagem natural. Essa aptidão permite que sistemas de IA compreendam, analisem e gerem linguagem de maneira bem similar à humana. Isso é essencial para tarefas como análise de informações, resumo de longos relatórios de inteligência e geração de análises, ou até mesmo suporte à criação de ordens de operações.

Essa capacidade também é bastante relevante pois permite a comunicação entre um operador, ou o próprio chefe militar, com uma IA. Durante muito tempo essa “conversação” só era realizada entre técnicos especializados e os algoritmos, de forma limitada. O público leigo em tecnologias não tinha acesso a eles e aos valiosos produtos gerados. Mais recentemente, com a popularização de aplicativos como o ChatGPT, que utiliza e treina seu modelo de linguagem com massiva 3 quantidade de dados de textos disponíveis publicamente, incluindo livros, artigos, sites e outras fontes de informação, grande quantidade de pessoas passou a interagir e se beneficiar da capacidade de interação com a IA.

Outra interessante capacidade da IA é a escalabilidade. Esses sistemas, integrados à informática, podem realizar múltiplas tarefas, de forma contínua, sem a necessidade da intervenção humana constante, com alto desempenho, velocidade e precisão. Em termos de operações militares isso é bastante útil tendo em vista que, em operações militares, há a necessidade da realização de muitas tarefas repetitivas durante longos períodos, como o trato de expressiva quantidade de dados de inteligência em tempo real, análise de ações do inimigo, entre outras.

A escalabilidade também se destaca tendo em vista a questão da eventual limitação da quantidade de especialistas em operações contínuas ou em tempo de guerra, e da fatiga do pessoal. Nessas situações há alta demanda e necessidade de agilidade por parte dos comandos militares. Portanto, a capacidade da IA em operar com eficiência sem as limitações físicas ou de disponibilidades se torna essencial, podendo ela mesma inclusive substituir parcialmente ou completar equipes inteiras.

A IA também possui a capacidade de flexibilidade e adaptação. Essa é a habilidade de ajustar em pouco tempo o comportamento, aprender com novas informações, modificar seu funcionamento e estratégia quando as circunstâncias mudam, como o ambiente, as condições e os requisitos de uma operação militar.

Isso é extremamente importante em cenários militares dinâmicos e imprevisíveis, onde novas ameaças, situações táticas e desafios operacionais surgem a cada momento. Nesse contexto, aprender continuamente e ajustar procedimentos dinamicamente é fundamental. Como exemplo, uma IA poderia auxiliar na identificação e propostas de reação a ameaças emergentes, como novos armamentos ou táticas do inimigo.

Quando se fala em limitações das IA, convém destacar que apesar dos expressivos avanços, existem deficiências e limites a serem trabalhados.

Uma delas é a fundamental dependência de dados. Essa atividade é essencialmente baseada na existência e uso de grande quantidade de dados. Esses elementos essenciais devem ser de qualidade e sem vieses ou distorções. Isso em si é uma tarefa bastante difícil tendo em vista a natureza subjetiva e imperfeita dos dados.

Outro aspecto relevante sobre os dados é a necessidade de sua segurança e integridade. A estrutura que dará suporte à IA deverá oferecer a robustez e a segurança para os dados e informações recebidos e distribuídos. Em operações ou 4 não, as redes de comando militar são alvos preferenciais para ataques cibernéticos.

Outra importante limitação das IA é a necessidade de constante supervisão humana dos seus processos. Atividades militares estão relacionadas a riscos e a aspectos éticos. Operações de alta criticidade implicam em responsabilidades e aspectos jurídicos e demandam protocolos rigorosos e pessoal especializado. Quando inserimos aplicativos baseados em IA nesse conjunto, precisamos de constantes checagens e inspeções de seus produtos.

Por fim, existem as limitações dos atuais algoritmos de IA para realizarem tarefas genéricas. Sistemas em aplicação atualmente conseguem realizar com bom desempenho tarefas específicas. Sistemas de IA ainda estão longe de reproduzirem integralmente as capacidades cognitivas do ser humano, que consegue naturalmente realizar múltiplas tarefas que envolvem assuntos e problemas diferentes. É importante destacar que a IA atual não “simula” o cérebro humano em um nível profundo, mas em aspectos específicos.

Um exemplo prático de aplicação de IA em operações militares

Os Estados Unidos têm investido consistentemente no desenvolvimento e aquisição de estruturas e sistemas de IA, buscando resultados práticos e o aprimoramento de capacidades militares e operacionais. O Comando de Mobilidade Aérea (Air Mobility Command – AMC) da Força Aérea dos Estados Unidos (United States Air Force – USAF) realiza testes em uma ferramenta que usa a IA no planejamento de movimentos aéreos. Ela se chama Artiv e é desenvolvida pela empresa DEFCOM AI. O objetivo da USAF com o emprego dessa ferramenta é diminuir expressivamente o tempo de planejamento logístico, de dias para minutos.

O Artiv foi criado para apoiar a agilização dos lentos e complexos planejamentos operacionais de movimentos aéreos logísticos, permitindo que as equipes de planejadores comparem rapidamente diferentes cenários e ações em resposta a interrupções como ataques inimigos ou desastres naturais. A ferramenta trabalha integrada em nuvem de computadores a sistemas de simulação de combate. O Artiv promete concluir análises de jogos de guerra operacionais complexos em minutos e apresentar sugestões de linhas de ações e novos procedimentos em caso de contingências.

O efetivo emprego do Artiv, e seu suporte de IA, traria redução drástica no tempo dos planejamentos e agilidade nas respostas, melhor levantamento e comparação de linhas de ação, respostas mais eficazes em situações de crise, otimização de meios e, como consequência, traria impactos significativos no 5 campo estratégico, melhorando a logística militar norte-americana em cenários complexos e desafiadores, como é o caso de operações no pacífico.

Em termos práticos, um comando operacional com o Artiv inseriria constantes atualizações de dados logísticos, como aeronaves disponíveis, rotas, condições climáticas, locais de abastecimento, possíveis ameaças e toda a miríade de dados em tempo real. Para o planejamento inicial a ferramenta processaria todas as informações e apresentaria múltiplas sugestões de linhas de ação (inclusive podendo modificá-las a partir de novas interações com o operador). A partir do surgimento de contingências, como a perda de locais de abastecimento ou interrupção logística, o Artiv conseguiria visualizar como esses fatos impactariam o planejamento. Novos cronogramas envolvendo meios alternativos seriam propostos em minutos.

Durante o processo de tomada de decisão os resultados do estudo do Artiv poderiam clarificar a visão do comandante sobre aspectos críticos da missão, e facilitar a escolha da opção mais efetiva tendo em vista riscos, custos e tempo. Já durante a execução da missão a ferramenta poderia rastrear a execução das missões em tempo real, podendo sugerir correções no plano original. Na pós-ação o Artiv poderia propor melhorias e inserção de lições aprendidas em futuros exercícios.

Portanto, ferramentas como o Artiv prometem transformar centros de operações em meios ágeis e eficientes, otimizados para reações rápidas e precisas. O sistema permitiria uma coordenação mais eficiente entre os integrantes da equipe de comando, maior agilidade e previsibilidade.

CONCLUSÃO

Ao longo do tempo tecnologias foram desenvolvidas para acelerar processos. No momento em que as IA passam a ser, em termos mundiais, inseridas em atividades de comando, líderes militares e suas equipes precisam entender os fundamentos dessas ferramentas. Algoritmos de IA empregados em aplicativos podem proporcionar um grande aumento na produtividade e otimização de processos de planejamento e execução de operações militares, aumentando a eficácia de uma equipe de comando.

O surgimento dessas novas ferramentas que fazem o trabalho complexo e repetitivo durante o processo de análise e tomada de decisão tem o potencial liberar os profissionais para tarefas relacionadas aos objetivos finais e resultados das operações militares. Há a possibilidade de uma mudança na dinâmica e velocidade, mas também na qualidade dos trabalhos.

Entretanto, deve ser ressaltado que essas ferramentas podem produzir erros com consequências inesperadas. Portanto, devem ter suas tarefas constantemente supervisionadas. Certamente é um mundo novo que exigirá muitos estudos, capacitação de pessoal, experimentação e criatividade.

REFERÊNCIA

DEFENSE ONE. Can AI Reduce Air Force Logistics Planning from Days to Minutes? Defense One, 12 fev. 2024. Disponível em: https://www.defenseone.com/threats/2024/02/can-ai-reduce-air-force-logisticsplanning-days-minutes/393850/. Acesso em: 12 jan. 2025.

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