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ROE – As Regras de Engajamento como Tema Fundamental de Direito Operacional Militar

 As Regras de Engajamento como Tema Fundamental de Direito Operacional Militar

 

Por: Claudio Alves da Silva – Maj QCO/Dir

 

Faciens optimum optimo quod habet

1. Introdução

As ROE – internacionalmente conhecidas pelo acrônimo ROE (do inglês Rules of Engagement) – são os meios pelos quais o Comando de uma Força Armada, empregada em uma operação de guerra (bélica) ou de não guerra (não bélica) mantém o controle sobre o uso da força no cumprimento da missão recebida do Poder Político.

Na realidade brasileira, as Forças Armadas, por opção constitucional, desempenham papel importante em operações não bélicas, razão pela qual as ROE têm lugar assegurado também nesses tipos de operações.

A presente abordagem do estudo do Direito Operacional Militar Brasileiro cuida da relevante questão das Regras de Engajamento.

2.  O termo “Engajamento”. 

O termo “engajar” tem origem no francês engager.

Segundo o Dicionário Aurélio, “engajamento’ é contrato para certos serviços, alistamento; enquanto que “engajar” é aliciar para o serviço pessoal; obrigar-se a serviço; filiar-se a uma linha ideológica e bater-se por ela”.

Na doutrina estrangeira, o termo se liga, basicamente, ao embate entre forças bélicas.

Essa definição, para o Direito Operacional Militar Brasileiro, precisa ser lapidada porque as operações militares não se restringem a situações bélicas, abrangendo também as de não bélicas, dentre as quais a Operações na faixa de fronteira; a patrulha naval e a fluvial e combate ao tráfico aéreo ilícito; a Garantia da Lei e da Ordem, a Garantia da Votação e Apuração dentre outros. Em suma, o engajamento das Forças Armadas, no Brasil, não se dará, em princípio, somente no embate com outras forças militares.

Logo, o termo “engajamento” convém ser entendido ato de entrar em confronto, mediante o uso legal da força, com força inimiga, oponente, força hostil ou Agentes de Perturbação da Ordem Pública, visando as necessidades de uma dada operação militar.

3. O Conceito de Regras de Engajamento.

Observando as diversas definições de ROE presentes na doutrina  e manuais estrangeiros, percebemos que elas sempre se referem à diretiva ou instrução oriunda da autoridade política ou do Comando Militar, especificando os requisitos, as condiciones e as circunstancias nas quais as tropas em operações podem recorrer ao uso da força em situações distintas daquelas nas quais possa exercer o direito a legítima defesa.

O Glossário da Organização do Tratado do Atlântico Norte define ROE como “Diretivas emitidas pela autoridade militar competente nas quais são especificadas as circunstâncias e limitações sobre as quais as Forças iniciam e/ou continuam em combate contra outras Forças”.

O Dicionário Militar do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América se refere a elas como “diretrizes emitidas pela autoridade militar competente que delineiam as circunstâncias e os limites dentro dos quais as forças dos Estados Unidos iniciam e/ou continuam a combater com envolvimento de outras forças. Também chamadas ROE.”

O "Glosario de Términos Militares del Ejército de Tierra Español”, segue nessa linha, definindo ROE como “diretivas emanadas pela autoridade militar para especificar as circunstâncias e limitações nas quais as forças iniciarão ou continuarão um enfrentamento (combate) com outras forças. Definem as circunstâncias, condições, grau e forma sob as quais se pode ou não aplicar a força. Estão redigidas em forma de proibições, limitações e autorizações, que regulam a aplicação controlada da força.”

No Reino Unido, encontramos a seguinte definição no “Manual of the Law of Armed Conflict: “Instruções para comandos operacionais que estabeleçam as circunstâncias e limitações sob as quais a força armada pode ser aplicada pelas forças do Reino Unido para alcançar objetivos militares para a promoção da política do governo do Reino Unido.”

No Brasil, o “Glossário das Forças Armadas” (MD35-G-01) assim define o que sejam as ROE:

REGRAS DE ENGAJAMENTO – Caracteriza-se por uma série de instruções pré-definidas que orientam o emprego das unidades que se encontram na área de operações, consentindo ou limitando determinados tipos de comportamento, em particular o uso da força, a fim de permitir atingir os objetivos políticos e militares estabelecidos pelas autoridades responsáveis. Dizem respeito à preparação e à forma de condução tática dos combates e engajamentos, descrevendo ações individuais e coletivas, incluindo as ações defensivas e de pronta resposta.”

4. Importância

A questão central, portanto, das ROE, se refere ao uso da força durante as operações militares. Elas podem definir quando a força será usada, onde será usada e a quantidade da força que será usada.

Daí a importância do tema no Direito Operacional Militar e nas Operações Militares, seja em nível estratégico, operacional ou tático, que fica bem clara no seguinte trecho da publicação do Ministério da Defesa Britânico, denominada “Joint Doctrine Publication 0-01 British Defence Doctrine”, de 2011:

 

“A direção política, e as disposições operacionais e legais, necessárias para alcançar uma missão bem sucedida são estabelecida nas Regras de Engajamento (ROE). As ROE são projetadas para garantir que as atividades do pessoal militar permaneçam dentro da lei e sejam consistentes com a política do governo; elas não são uma declaração abrangente da lei ou da política, embora tenham em conta a ambos. As ROE definem as restrições impostas à atividade militar, bem como as liberdades permitidas e refletem o contexto operacional em que se prevê que a força possa ser usada. Um acompanhamento permanente das ROE é o direito legal inerente e inalienável de agir em defesa própria, quando isso for razoável e necessário.”

5. Natureza jurídica

Para a realidade do Direito Operacional Militar Brasileiro, as ROE têm, quanto à sua emissão, natureza jurídica de ordem emanada pela autoridade militar competente. Mas, sob o aspecto penal militar, as ROE podem ser consideradas como excludente de culpabilidade, preconizada no art. 38, b) do CPM, e, a depender de seu teor, por exemplo, as que abrangem a legítima defesa ou o estrito cumprimento do dever legal, como excludentes de ilicitude.

6. Origens históricas

Pode-se dizer que, modernamente, as ROE surgiram em meados da década de 1950, durante a Guerra Fria. Elas viriam da Marinha dos Estados Unidos, cujos navios no alto mar foram regularmente confrontados com provocações pelos navios do Pacto de Varsóvia. E, para evitar qualquer mal-entendido ou erro que pudesse levar a possíveis escaladas, o Alto Comando da Marinha dos EUA decidiu fornecer a todos os seus comandantes no mar diretivas comuns, definindo determinados procedimentos, alguns dos quais relativos ao uso da força. Posteriormente, essas medidas foram sendo adotada pela Força Aérea e, mais adiante pelo Exército e pelo Corpo de Fuzileiros Navais.

Mais tarde, foram sendo adotadas na Europa, pela maioria das Forças Armadas, e pelas forças multinacionais que operam sob a égide de organizações internacionais, como a ONU e a OEA, por exemplo.

7. Regras de Engajamento e Normas de Conduta.

A par das ROE, subsistem, no Direito Operacional Brasileiro, as Normas de Conduta (NC). Estas estipulam comportamentos a serem adotadas em situações que não implicam diretamente o uso da força. Segundo o contido na Portaria Normativa Nº 186/MD, de 31 de janeiro de 2014:

 

3.2.3.1 As Normas de Conduta são prescrições que contêm, entre outros pontos, orientações acerca do comportamento a ser observado pela tropa no trato com a população, pautado, sempre, pela urbanidade e pelo respeito aos direitos e garantias individuais. Sua exata compreensão e correta execução pela tropa constituirão fator positivo para o êxito da operação. As referidas normas serão consideradas quando da elaboração subsequente das Regras de Engajamento (RE).

 

8. Elaboração das Regras de Engajamento

A elaboração das ROE deve levar em consideração o quadro político, os requisitos operacionais e os aspectos jurídicos.

No quadro político, possuem o propósito de assegurar que as políticas e os objetivos de uma nação sejam refletidos nas ações dos militares que conduzem as operações.  Também se enquadram como preocupação política, a influência da opinião pública nacional e internacional. A elaboração das ROE considera, ainda, os valores, as crenças, as tradições, os costumes e a educação da população que vive no local onda a tropa será empregada porque qualquer desrespeito, por mais insignificante que possa parecer, pode causar efeito negativo para as ações empreendidas.

Os requisitos operacionais desempenham um papel decisivo na elaboração das ROE, objetivando estabelecer parâmetros dentro dos quais os comandantes no campo devem operar para realizar a missão atribuída a uma unidade, sob o ângulo estreito do uso mínimo e necessário da força. As ROE consideram, por exemplo, sobre os sistemas de armas a serem empregados e os aspectos táticos, como o terreno, o inimigo, a missão, etc., a fim de atingir o objetivo político traçado pelo Estado.

Por fim, há os aspectos jurídicos, os quais objetivam de fazer com que o quadro político e os requisitos operacionais se conforme as disposições normativas do Direito Interno e do Direito Internacional.

9. Conclusão

As ROE são, portanto, importantíssimas para a realização de  operações militares, dado que tratam especificamente do uso da força, questão abrangente que envolve a vontade política do Estado, os requisitos operacionais da Força e todo um cabedal de normas jurídicas, nacionais e internacionais.

Por isso, a elaboração das ROE, seja no âmbito estratégico, no operacional ou no tático, é um trabalho abrangente e multidisciplinar.

Para que elas possam cumprir seu papel, devem ser testadas, mediante exercícios e simulações, a fim de que fiquem próximas à realidade do ambiente no qual serão empregadas.

Após isso, durante o emprego, elas se tornam como que “a Bíblia dos soldados”. Por isso se pode dizer que, a partir do conhecimento e da prática das ROE, dificilmente resultados negativos ou indesejados acontecem durante o cumprimento da missão.

Notas DefesaNet

1 – As matérias sobre Rules of Engagement estarão na Cobertura Especial do STM.

2 – No dia 07 AGO 2017 o Comandante do Exército tuitou em sua conta a questão da "Segurança Jurídica". A clara definição das "Rules of Engagement" é fundamental.

 

 

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